sexta-feira, 31 de maio de 2013

O início da cura

Hoje os maqueiros me acordaram cedo. O Erik seria o primeiro no centro cirúrgico, pois eles fazem a fila por ordem de idade, os menores em jejum vão na frente. Ele pediu água pela manhã, pediu papá... Não pude dar. Fomos para o 9o. andar, esperar a sala ficar pronta... Ele se irrita muito de me ver de toca! Quer tirar... "o péu, mamãe!". Péu é chapéu, claro. Ele tem uma língua particular, ainda articulando novas palavras a cada dia. Quantas palavras novas ele vai aprender aqui no hospital? Não era bem o que eu tinha sonhado para ele. Queria que aprendesse a dizer "borboleta", "cachorro", "sol", "jardim" e não "quimioterapia". Fomos chamados para a sala de cirurgia, e eles injetaram o remedinho... Odeio vê-lo "apagar" na anestesia. Odeio. Fui empurrada carinhosamente para fora pela enfermeira... Droga, droga, droga. Fico nervosa. O procedimento foi rápido e simples: punção lombar, quimioterapia intratecal (na coluna), profilática do Sistema Nervoso Central. Aproveitaram a anestesia para recolocar a sonda nasogástrica que ele, incomodado, havia arrancado no meio da madrugada. Em seguida foi para a sala de recuperação, ainda dormindo, pálido que só. Conversei com as enfermeiras... rotina de hospital. Perguntei muito sobre como se daria um transplante de medula, como funciona para fazer a doação...

Em seguida minha colega de quarto entrou com o filho na sala de recuperaçÃo, que foi fazer o mesmo. Ele está perdendo os cabelos. Entrou no INCA aos 2 anos, como o Erik, a mesma doença, sem a complicação de ser bifenotípica. Agora tem cinco anos, está de volta com sua primeira reincidência. A mãe está grávida de 3 meses, não quer casar com o pai da criança: "Olha bem prá minha carinha e me diz se eu tenho cara de quem lava cueca de homem", troça. É bem humorada e engraçada, mas hoje estava quieta, amuada e chorosa. Ontem o menino estava perdendo o cabelo por causa da quimio. Ela resolveu cortar, e ele chorou que deu dó.

O Edson esteve aqui à tarde. O Erik chama muito por ele, fica feliz quando ele vem. Foi quando consegui dar um pouquinho de sopa para ele. Aproveitei que ele estava aqui e fui ao 7o andar me informar sobre a doação de medula óssea. Somente a Elena poderá fazer a tipagem para doar a medula diretamente para o irmão. Quem mais quiser doar terá que entrar para o banco geral. É muito importante, pois se houver compatibilidade, é muito provável que o Erik seja beneficiado, mas se não for por ele, façam por todas as crianças que estão aqui, esperando um doador compatível. A tipagem é bastante simples, basta colher um pouco de sangue. Se houver compatibilidade, o doador é chamado para fazer mais exames, e se tudo se confirmar, é um dia de internação, com anestesia, para coleta de sangue diretamente da medula. Vale muito a pena e pode salvar muitas vidas. Quem puder, vá para um hemocentro fazer isso!!! A doação de sangue e plaquetas também é muiiiiito importante. Publiquei no Face mais informações, mas quem quiser pode visitar o site www.inca.gov.br que lá diz tudo.

À tarde veio o atendimento espiritual, conversei com dois voluntários, rezamos juntos pelo Erik, contei a história da família para eles. A senhora me abraçou e chorou comigo, disse que vai me trazer Água de Lourdes. Ótimo, Maria de Lourdes, minha vozinha, deve estar no céu olhando por nós...

O Erik passou a tarde dormitando... não quis comer. O total da sua dieta de hoje foi: 4 colheres de sopa de abóbora, 1 iogurte e 4 rodelinhas de banana. Não tomou água, nem mamá. Está visivelmente mais magro, pálido e com olheiras. A sonda foi recolocada e às 11h estávamos de volta ao quarto. Fiquei esperando que colocassem o preparado na sonda até... 21h. A dose do meio-dia não apareceu, mas achei que era cedo mesmo, visto que ele recém tinha saído da anestesia. Mas a dose das 16h não veio, daí questionei a enfermeira. Ela disse que o médico não havia dado o visto de que a sonda havia sido bem posicionada, o que poderia ser comprovado pelo raio x. Correram para pegar a assinatura do médico de emergência e me garantiram que a dose das 20h viria. Mas eram 21h e nada! Fiquei braba. Saí do quarto e fui atrás da enfermeira. "Mas não pode ficar tudo nas nossas costas", ela disse. "Ok, então me diga quem é o responsável para eu ir atrás!", pedi. Ela me indicou onde ficaria a sala da nutricionista. Claro que, neste horário, ela não estava mais lá, apenas uma funcionária que entrega os lanches. Pedi para falar com a pessoa responsável pelo setor. Ela foi chamar, noutro andar. Quando a pessoa chegou com a prancheta, disse que não estava previsto na sua programação... "Bom, mas o bebê está em jejum há quase 24h! Amanhã começa a quimio! Quem é que vai se responsabilizar por isso?! Resolvam, busquem a dieta, a autorização ou o que for", me indignei. Ela foi atrás da dieta. Voltei ao posto de enfermagem rangendo os dentes de raiva. Nestas horas ninguém é responsável... Perguntei: "Ok, quer dizer que é minha a responsabilidade? Tudo bem, vcs só precisam me dizer que eu corro atrás todos os dias!". "Não, senhora, a senhora não é responsável!". Nisso chegou a dieta. "Bom, vamos logo com isso então, a criança precisa comer, tchê!" Fiquei pilhada. Meu Deus, vou ter que ficar em cima desta gente, se não os erros simplesmente acontecem em escala e ninguém toma a responsabilidade para si! Já me subiu a gaúcha, faca na bota, o sotaque ficou forte e soltei meus tchês todos. Não quero me indispor com ninguém, mas também não vou ficar sendo passiva e boazinha com o bebê sem comer há quase 24 horas nas vésperas de começar o tratamento...

Depois, no quarto, pedi desculpas à enfermeira, que me abraçou e disse para eu ficar calma, que elas estão aqui para ajudar, para fazer dar certo. "Vamos nos ajudar todos, contem comigo sempre, mas não vamos deixar os problemas acontecerem e não dar solução... se quiserem que eu vá atrás para resolver alguma coisa, é só me falar!". Ficou tudo bem no final... Ele agora já está na segunda dose... Poderia estar na 4a, mas bola prá frente.

Amanhã começa a quimio. Estou nervosa. Ele tem que reagir bem, vai reagir. Sei dos efeitos colaterais, sei que vai ser difícil. Cada efeito colateral é conseqüência dos remédios, e os remédios são a cura. E a cura começou hoje.

6 comentários:

  1. Valéria, querida!
    Não pude postar aqui antes. O texto era longo, além de meio anta na Web,rsrs
    De qualquer forma, o que falamos no bate-papo, era longo, muitos carateres. Faladeira como sou, não sei escrever pouquinho.O teu blog, é a tua cara! De menina-mulher e mãe maravilhosa! De encontrar o teu jeito especial de compartilhar o momento de vocês e nos permitir ficar perto de ti, separados por essa distância geográfica. Adorei os "tchês", as broncas! E espacialmente, estares aqui, falando por muitos pais e filhos, mães e filhos, que estão aí e que não conseguem fazer um blog, nem escrever de forma tão linda e intensa!! O depoimento do Guilherme, pai do querido amigo da Elena, me emocionou também. Um pouco do que falamos. Eu te amo muito, amo vocês! Vai dar tudo certo! Estamos aqui! Sandra, Beto e Rodrigo. Beijão!

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  2. força e coragem .Se apague a Deus e a nossa mãe Maria. Que ela acolha o Erik nos seus braços na hora do tratamento, derramando sobre ele as benções de força, tranquilidade e paz, para que ele reaja aos medicamentos. Que nossa mãe possa te confortar também e lhe dê muita força e fé para enfrentar tudo isso. Quando a tempestade passar, você irá olhar para trás e pensar: de onde tirei toda essa força??? e com certeza a resposta será : tirei da força que a nossa mãe maior Maria me deu ....

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  3. Não os conheço, mas sou mãe e meu coração dói e meus olhos enchem de lágrimas só de tentar imaginar a dor ao ler sua experiência.... Me inscrevi no cadastro nacional de doadores de medula óssea a uns 7 anos e esse ano voltei a entrar em contato para saber se meu cadastro estava ativo, e graças a Deus estava...mas infelizmente ainda não tive a oportunidade de ajudar ninguém... Acho que deveria existir uma lei onde TODOS deveriam ser OBRIGADOS a se cadastrarem, pois não existe nenhum prejuizo ao doador e o cadastro é mais fácil ainda....mas o povo é muito ignorante a respeito e não existe uma comunicação de massa eficaz para conscientização...enfim... Vou rezar para que Deus e nossa mãezinha Maria cure seu pequeno e que ele saia dessa logo, e tire toda angustia do seu coração.
    Fique com Deus!
    abs,
    Micheli.

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  4. Valéria, fui casada com o Ernesto, primo do Edson, sobrinho da tia Zani, passei durante 6 meses no ano de 2012, fazendo quimio devido a um cancer de intestino, não tem como a gente não se emocionar com o que voces estão passando, eu posso imaginar o qu este anjinho esta passando, graças a Deus, hoje o tratamento está bem mais avançado, mas mesmo assim, como uma criançinha pode passar por todos os procedimentos? agulhas, remédios pesados, efeitos colaterais, não é nada fácil, todos que passamos por isto são guerreiros, vencedores, heróis, at´hoje fico emocionada quando lembro. Tenho um netinho pouco mais que o Erik e fico imaginando a loucura que deve ser ter que passar por todos estes momentos difíceis, quero que saibas que faço parte do Grupo São Pio, nos reunimos todas as segundas na Igreja da Piedade na rua Cabral, aqui em Porto, as 19 h., oramos sempre pelo Erik, desde o momento que soube, esta será a terceira segunda que oramos, nossas orações são muito fortes e muitas pessoas, inclusive eu, foram curadas, pela força da fé e da oração. Que Nossa Senhora de Lourdes cubra voces com o seu manto de cura e de amor, tenho certeza que voces vão vencer esta batalha. Um grande beijo e nunca percam a fé. Amém.



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  5. jacqueline glovacki8 de junho de 2013 às 21:43

    Valéria, não nos conhecemos, sou de Porto Alegre, tb me formei na FAMECOS. Ví o comentário do Edson, na página do Facebook do Círculo da Luz, centro espirita que frequentei há muitos anos. Olha, estou escrevendo pq assim como você sou mãe da Raquel (a adotei qdo tinha 4 meses e, aos 7 anos, depois de inúmeras consultas a neurologistas e psiquiatras, finalmente a doença de Wilson (rara) se manifestou na minha filha. Relato isso a vc, pq sei bem o que sentimos e quão impotente nos sentimos. Olha, peço a você que NÃO desanime, vc é a força que o seu pequeno precisa. Creia, pq eu tb me sentí fraca, sem forças, mas eles, esses anjos lutam guerreiramente e são vencedores. Minha filha tem essa doença rara e degenerativa, mas todos os dias luta, com o seu super sorriso, ela é a razão por eu estar viva. São heróis. vcs estão nas minhas orações. A minha filha tem 20 anos e a idade mental dela é de 8 anos. Eu hoje, conversei com ela, mostrei a foto do Erick e ela está pedindo a Deus por ele. A força deles é incrível, acredite!!!! estou aqui em POA e o que vc precisar, conte comigo, por fv. Seja para ajudar sua mana, sua mãe, enfim... somos mães e, como tal, nosso coração é um só, qdo se trata de nossos filhos!!!
    Um grande abraço, nosso carinho prá Elena, nosso carinho e força para o pequeno. Conte conosco e com o nosso amor! Deus existe e nada é por acaso.

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  6. Sim, Valéria, a cura começa hoje!

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