Hoje recebemos a visita carinhosa da nossa amiga Dig Dutra. Querida, obrigada por ter vindo, a ti e a teu Jean. Os abraços de vocês significaram muito. Tenho certeza de que nossos planos de um trabalho social mais consistente, para trazer os artistas e a alegria ao INCA, será um sonho lindo de realizar. Vamos em frente com essas idéias!
Para o Erik o ponto alto, quando ele ficou feliz da vida, foi a vinda do papai à noite. Demorou que nem sei para dormir, chamando pelo Edson... "Papai-ê! Meu papai-êê..." A saudade que ele sente! O Edson ficou esperando no corredor e ouvindo os gritos dele... desistiu de ir embora e voltou, para vê-lo mais uma vez.
Eu também esperava ansiosa pela chegada do Edson, pois precisava muito de uma folguinha, momento para tomar um banho, tentar relaxar... ir ao banheiro com calma. Adivinhem só... quando abri o chuveiro, cadê a água quente? Sumiu. Tive que me vestir novamente e esperar o chefe da enfermagem, Izidro, vir tentar resolver o problema. Ele resolveu, sei lá qual o jeitinho que fez que as torneiras resolveram voltar ao normal. Acho que como ele tem 29 anos de INCA, conhece as manhas até dos chuveiros... Amor de pessoa. É mais do que um profissional, é um vocacionado para a profissão. Foi quem me atendeu na minha primeira noite de susto aqui, agachado ao meu lado, conversando por mais de uma hora, me ouvindo e entendendo. Obrigada, Izidro. Os enfermeiros fazem plantões de 24h. Que sacrificante! Enfermeiros deveriam ter carga horária reduzida... 30h semanais, seria mais adequado. Como chegar ao final de 24h de trabalho com o mesmo nível de atenção e paciência? Porque paciente precisa de muita paciência, gente...
Hoje foi minha vez de abraçar uma outra mãe, cuja filha está na CTI. Ela fica andando pelos corredores, sem ter onde ficar, com a cara inchada de tanto chorar... Só nós, mães, que estamos aqui, podemos entender isso... Nos demos uma abraço demorado, de coração para coração... Não sei o nome dela, nem ela o meu, mas disse baixinho que aqui, somos todas como Maria, mãe de Jesus, vendo o próprio filho na Cruz...
A escultura de Michelangelo, Pietá, representa muito bem esse sacrifício materno...
Lembrei-me também da música que cantávamos no Colégio Marista São Pedro, quando criança... Chamava-se "Maria do Sim", reproduzo abaixo parte da letra, para que entendam porquê, somente agora, essa música tem feito tanto sentido para mim. Tenho cantado para fazer o Erik dormir.
MARIA DO SIM "Maria do Sim,/ Ensina-me a viver meu “SIM”. Ó roga por mim,/ que eu seja fiel até o fim. Um dia Maria, deu seu “Sim”,/mudou-se a face da terra./ Porque pelo “Sim” nasceu o Senhor,/ e veio morar entre nós o amor. Um dia eu dei também o meu “Sim”, / Um “Sim” que mudou minha vida./ Porque dar um “Sim” é igual a morrer./ A fim de que Deus possa em nós viver. Ensina-me a ser fiel como tu,/Vivendo meu “Sim” cada dia. / que eu possa no mundo ser um sinal / da tua humildade, Maria."
Pensamos em Maria como figura histórica, e como cristãos, canalizamos para ela nossa fé. Mas não posso deixar de pensar nela como figura mitológica (a roteirista sempre tem que falar dentro de mim!). Neste sentido, sinto que cada uma de nós, aqui, encarnamos o arquétipo de Maria. E é por isso que esse mito é tão importante e tão consolador, universal e existente em praticamente todas as culturas.
O importante do mito de Maria é que ela dá o seu "Sim" à Deus e propõe-se a engravidar e criar um filho para que ele um dia seja sacrificado... mas esse sacrifício existe para salvar toda a humanidade. Bom, então esse sacrifício tem um "propósito", e se esse propósito nos é revelado desde o início, tudo fica mais fácil de entender e aceitar, não? O difícil para as Marias num hospital oncológico é trazer seus filhos para este sacrifício sem nunca saber qual o propósito... A nós cabe apenas aceitar, e acreditar que Deus tem sim um propósito para todas as coisas que nos sucedem, que isso aqui não pode ser apenas fruto do caos e do acaso, não é apenas o cúmulo do azar... esse sacrifício todo tem um sentido oculto, que só Deus conhece... E aí é o mistério da fé...
Por outro lado, ainda que nossas vidas sejam feitas de caos e eventos aleatórios, cabe-nos emprestar ou não sentido a esses eventos. Isso é um pouco diferente de ter fé, tem mais a ver com "escolhas". Podemos escolher ver o que nos acontece como sorte ou azar, lamentar ou comemorar, ou então, fazer de cada evento um propósito positivo.
Hoje esteve aqui um voluntário evangélico, igualmente respeitoso, que fez sua oração, do seu jeito. Foi reconfortador, orei com ele, e ele disse coisas certas... Disse-me para que eu cuidasse das palavras que profiro, que preste atenção ao que eu digo, e que acima de todas as palavras está o nome de Jesus.
Lembrei-me do meu pai, monge zen-budista, dizendo que existem três níveis de auto-controle: primeiro, conseguimos controlar e reprimir nossas más ações. Mas isso não basta; é preciso controlar também nossas palavras, que antecedem nossas ações. Porém, o controle verdadeiro só existe mesmo quando chegamos à repressão dos maus pensamentos, até o ponto em que não precisamos mais controlá-los, pois só bons pensamentos nos surgem espontaneamente, portanto só dizemos coisas boas, e consequentemente só agimos para o bem. "Não digas palavras vãs, as palavras do mundo, não fale por falar", diz Cecília Meireles em um dos seus Cânticos...
Como vêem, vou virar doutora em religião comparada! Lembro desta cadeira na faculdade. Fiz jornalismo na Pontifícia Universidade Católica, e religião era disciplina obrigatória. Essa cadeira foi ministrada por um padre católico-hindú, Pe. Anthony. Um dia perguntei a ele qual a diferença entre o católico ocidental e o católico hindú. Ele disse que era basicamente a mesma coisa - que no catolicismo ocidental tínhamos um monte de santos, e no hinduísmo um monte de deuses, a única diferença é que o catolicismo colocava Jesus acima dos outros deuses, mas os hindus não se importaram muito com isso."Um deus a mais, um a menos, não faria muita diferença"... Achei engraçado, na época, ouvir isso de um Padre. Gostaria de saber o que pensa hoje o Pe. Anthony, e ter conversas com ele de outro nível...
Bem, deixo com vocês minhas reflexões variadas, e a confirmação que, em todos os níveis - o físico, o intelectual, o emocional, o espiritual - e que em minhas ações, minhas palavras e meus pensamentos - estou tentando exercer sincera e devotadamente o meu próprio "Sim" de Maria.
Teus relatos e pensamentos, tuas sensações e reflexões são um sim total à vida, Valéria. Maria é mesmo a Mãe de todos nós que aceitamos e temos fé: é aquela que sempre entende, sem questionar, sem lamentar. Coisa difícil nos tempos atuais em que, muitas vezes nos entregamos mais às dores e aos sofrimentos momentâneos do que à luz do entendimento. Maria tem um abraço que, ao mesmo tempo que nos acalenta nos ensina: ensina a transformar aquilo que nos é mais doído em amor e afeto. E é lindo te ver levando todo o teu amor e afeto às outras Marias. Uma corrente de amor em um lugar onde todos sofrem de alguma maneira. E hoje também levo o ensinamento zen do teu pai. Ahhhhhh esse auto-controle... tão desejado, às vezes até temido, mas tão fundamental. Enfim, fico feliz que o pós-quimio esteja indo bem. Certamente Maria está contigo, com Edson, com Elena e com teu pequeno grande menino Erik em todos os segundos. Amém.
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ResponderExcluirValéria querida, ontem fui dormir com a imagem do Erik na cabeça. Eu e Jean estamos orando muito por ele e ontem, depois de visitá-los, só aumentou ainda mais a nossa fé de que tudo vai dar certo. Hoje, ao acordar, pensei em vocês de novo e vim ler seu blog. Chorei com as tuas palavras, com o teu relato, com a tua dor de mãe. Estamos com você. Talvez a gente nunca entenda os propósitos de Deus para tudo isso, mas tenho certeza que é sempre para o bem. Sempre, pode acreditar. E Ele já está agindo. Com poucos dias de internação, com tantos problemas pessoais, você conseguiu olhar para o lado e pensar em como fazer o bem para aquelas outras famílias. Você será benção para muitas pessoas, assim como muitas bençãos cairão sobre o Erik. Deus é bom e misericordioso. Estou muito confiante, amiga! Vamos fazer um trabalho lindo no hospital, o Erik vai ser curado e esse blog vai contar uma linda história. Pode confiar! É o poder da palavra pensada, dita e escrita. Conte comigo. Com amor e fé, Dig.
ResponderExcluirValéria. A cura começa pela crença! EU tenho fé e sei que vai dar tudo certo. Estou rezando muito pra vocês. Beijão.
ResponderExcluirValéria, acompanho sua história pois sou amiga no face da tua cunhada. Quero que saibas que estou rezando e mandando pensamentos positivos para vocês. Sou enfermeira e já vi muito o sofrimento das mães que deixam suas vidas do lado de fora dos hospitais para se dedicarem completamente aos cuidados de seus filhos. Maior entrega, humildade e prova de amor não existe. Aí está o reflexo de Maria, estampado em cada mãe que passa por esta provação. Deus vai te dar forças para que possas enfrentar essa batalha e alcançar a cura do Erik. Tenha certeza que teus relatos tocam fundo no coração de quem lê e fazem pessoas como eu, que mesmo tendo a graça de ter meus filhos sãos, pense em que está numa situação como a tua e queira ajudar de alguma forma. Hoje mesmo já comecei a procurar formas de auxiliar, seja arrecandando doações ou só levando uma palavra de conforto.Por isso, lembre que toda essa luta do Erik está mobilizando uma corrente do bem enorme, muito maior até do que podes imaginar. Fica com DEUS e sinta-se abraçada carinhosamente.Te admiro!
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