Dia difícil, ontem. Cinzento, solitário, nebuloso nos sentimentos, sem grandes notícias. Uma tristezazinha persistente, um aperto no peito. Sono. Pela manhã esteve aqui a Dra. Luciana, examinou o Erik. Exame clínico bom, ausculta do pulmão ok, baço e fígado normais, tudo certo, pressão um pouquinho acima do ideal, o pulso um pouquinho acelerado (consequências do corticóide que ele toma). Se os exames dele continuarem melhorando, logo logo vamos para casa. Para esta semana temos 2 doses de quimio intramuscular, a L-Asp, o raio-X para dar alta para a perninha dele, e, na 6a. feira, a quimio intratecal (aquela que previne a contaminação do Sistema Nervoso Central) e mais um mielograma, que vai dizer como ficou a medula dele depois de 1 mês de quimioterapia, essas duas sob anestesia geral, no centro cirúrgico. Aí teremos encerrado a primeira fase, do primeiro bloco, chamado Indução. Pode ser que então a gente tenha alta, e possa ir para casa. Aí vem a segunda fase da Indução, que pode ser cumprida em ambulatório, sem internação. Serão mais uns 30-40 dias nesta fase. Depois vem o bloco chamado Consolidação, depois a Intensificação. Estes dois blocos são definidos dependendo dos resultados de um mielograma que será feito ao final da Indução. Por último virá o bloco da Manutenção, com cerca de 1 ano de quimio oral, feita de casa...
À tarde, veio a Dra. Camila, pedindo que eu hoje entrasse em contato com o CEMO, para solicitar o resultado da compatibilidade da medula óssea da Elena com o Erik. Disse que às vezes é mais fácil e rápido eles darem o resultado para os pais do que para os médicos. Vai entender. Fiquei meio grilada, achando que ela tinha pedido isso logo depois da mesa redonda dos médicos, porque talvez tivesse alguma notícia diferente e a indicação de transplante tivesse aumentado. Mas hoje questionei a Dra. Luciana, e ela me tranquilizou, dizendo que não, é que eles querem mesmo ter a informação no prontuário, para caso venha a ser necessário no futuro. Ainda não existe uma pré-indicação para um transplante. Ainda assim, isso tudo me lembrou do que um transplante significa: riscos, seqüelas, longa internação em isolamento... MEDO. O medo se apoderou de mim novamente.
Quem olha o Erik hoje não diz que ele está doente. É um bebê risonho, gordinho, feliz. Dá gargalhadas por qualquer palhaçada... Manda beijos e bate palminhas. Mas coisas assim nos lembram do tamanho do problema dele... E isso dói numa mãe, não tem como!
Ontem esteve aqui também, pela primeira vez, a psicóloga do staff. Até então vínhamos sendo acompanhados por uma psicóloga residente. Ela leu o blog. Tivemos uma longa conversa - coisas que sinto e passo e que nem todas posso postar assim, publicamente. Mas falamos de Deus, da visão que tenho tido e das reflexões que tenho feito a respeito da espiritualidade.
Seria bom explicar isso aqui: não sou descrente, acho que meus posts anteriores já deixaram isso claro. Mas também não penso que Deus interfira individualmente na vida de cada um de nós, e que somente nossas orações sejam capazes de mudar um quadro de câncer... Assim como o pensamento positivo, sozinho, não tem o poder de mudar o mundo. Isso é injusto. É uma idéia que nos concede poderes que não temos; e se fosse verdade, então seríamos culpados pelas mortes que eventualmente acontecem, por não termos tido fé ou pensamento positivo suficiente.
Tive essa conversa também com o Edson, meu marido, e concordo com ele: temos uma balança na vida, com os acontecimentos negativos e os positivos. Podemos colocar nossa energia e pensamento em qualquer um dos pratos da balança. Por que escolher o prato do negativo? É verdade. Não é preciso, nem é produtivo. É aí que entra o livre arbítrio. É fato que a fé e o otimismo acumulam mais êxito nos tratamentos, criam um clima mais favorável à recuperação, e também emprestam mais saúde mental para enfrentar as eventuais perdas. Portanto, escolho sim o pensamento positivo e a fé. É uma escolha interna, vem de dentro de mim, não é algo externo. E vamos lembrar que a felicidade é intrínseca, não depende da aleatoriedade dos acontecimentos.
Não entendam, portanto, esta minha postura como falta de fé ou pessimismo. Seria superficial essa avaliação do meu pensamento. Apenas vejo que temos um ponto de vista, humano, muito restrito, muito míope. Enxergamos um palmo na frente do nosso nariz, quando muito. O Deus em que acredito tem um ponto de vista universal, onisciente, onipotente, onipresente. Enxerga presente, passado e futuro de toda a humanidade, e tem planos maiores, nos quais estamos inseridos como pequenos grãos de areia, como gotas no oceano. Neste plano maior, que não temos como entender ou conhecer, está instaurada uma regra de jogo de eventos aleatórios, caos, e também livre arbítrio. Gosto da metáfora da gota no oceano, que evapora, muda de estado, chove, cai na terra, congela nas montanhas, dilui-se nos rios, volta ao mar. Ela não é gota, indivíduo; ela contém em si o próprio oceano. Nós, que daqui a vemos, não lamentamos quando se evapora, mas para o ponto de vista da gota, isso não seria a morte? Entendo que é assim que Deus nos vê.
Agora, podemos olhar esses eventos da vida e da morte com sofrimento ou alegria, como oportunidades de crescimento ou como simples passagem. Podemos atribui-los à vontade divina, ao destino, ou à sorte e ao azar. Essas atribuições partem de nós, são escolhas, posturas pessoais. Deus nos assiste.
Ainda tento encontrar um sentido para o que acontece ao Erik, o que é extremamente difícil ao meu coração de mãe, e por conseqüência, a mim, ao Edson, à Elena. Mas não existe um sentido em si, Deus não previu sentidos. Ele nos dá a incrível possibilidade de criarmos sentido, atribuirmos sentido aos fatos, aos acontecimentos. Os acontecimentos acontecem, simplesmente. Para todos, o tempo todo. Podemos passar por eles, sem nenhuma mudança ou transformação; ou atribuir-lhes sentido, garantir que eles não tenham sido à toa. Cabe à cada um de nós essa tarefa de dar sentido. Não à Deus. Ele apenas nos observa, com um sorriso de amor, ternura e compaixão, como um Pai que vê seus pequeninos filhos, ingênuos e inocentes, envoltos nas alegrias e sofrimentos diários. Não somos mais ou menos atingidos pelos eventos; em todas as famílias existem sofrimentos, dos mais variados. Todas as pessoas morrem de alguma coisa um dia. Acidentes acontecem a todo momento. Desde que estou internada, o pai de um colega da Elena faleceu, vítima de um acidente de trânsito; e também o enteado de uma produtora amiga nossa, esse atropelado. Um era pai de família, o outro era um jovem de 17 anos. Não são tragédias menores do que a nossa... E vai caber também à essas famílias atribuírem sentidos positivos, negativos, produtivos ou de mero luto a esses acontecimentos.
Talvez vocês se perguntem: se não acreditas que Deus possa - ou queira - interferir, por que então rezas? Aí entra o mistério. Rezo porque me faz bem. Faz-me bem pensar que Ele me guia em meio ao caos, à escuridão. A mitologia toda da religião é uma tentativa humana de dar sentido ao caos. E funciona. Ajuda muito. Faz um bem enorme. Maria é um arquétipo perfeito, que me ajuda a entender a vida, a missão de ser mãe. Vivo esse mito em mim, hoje. Rezo para Ela com muita devoção. Mas saibam: nem as orações de Maria salvaram Seu Filho da Cruz. Esse plano era maior, não pertencia a ela. Ela chorou com Seu Filho nos braços. Ela aceitou essa missão sagrada de mãe, dizendo "Faça-se em mim segundo a Tua Palavra", e esse é um ensinamento de conformismo, de aceitação. Peço que ela me guie e me ajude a entender minha missão, dizer o meu Sim sagrado, aceitar os desígnios que estão acima da minha vontade, são a vontade Dele. Nem Ela, nem eu, temos o poder de mudar esse Plano traçado por Deus.
Colo aqui três poemas meus do ano passado, antes de todos esses furacões, e que agora se fazem muito verdadeiros.
Sinto o bastante
"Baste a quem basta o que lhe basta O bastante de lhe bastar A vida é breve A alma é vasta Ter é tardar." Fernando Pessoa
Sinta-se como quem sente o que sente, profundamente
O bastante para sentir, sem sentir.
A vida é breve sim, Pessoa,
E vasta é a alma,
E sentir é minúsculo instante,
Destino da alma,
Ainda que se disperse,
Sem que qualquer sentido baste para perecer.
Se vale a pena, poeta?
Vale a pena para a flor, florir?
Ou para o pássaro, voar?
Ou ainda, como a nuvem, desfazer-se?
Sentir é apenas cumprir-se em sua máxima razão.
Nada, além disso, bastaria mais.
Valéria Chalegre 15/05/2012
Ainda sobre a Ilusão
Ainda sobre a ilusão, quero dizer:
Desconfie de tudo que parece ser, imita, simula.
Desconfie do senso comum.
Ainda que saibamos que a vida é um jogo,
Que às vezes se ganha e às vezes se perde,
Que se quiser ganhar, portanto,
Terá que estar disposto a perder,
Não aceite as regras.
Encontre o ganho onde aparentemente só há perdas.
Descubra o real por baixo do verniz das aparências.
Ilusão
Ainda que a Verdade seja uma utopia, eu a persigo.
Ainda que a Felicidade seja impossível, eu sonho com ela.
Ainda que o Amor seja perecível, eu o cultivo.
Ainda que os filhos sejam do mundo, os crio como se fossem meus, para sempre.
Ainda que tudo que fizermos seja esquecido, cuido do que faço.
Ainda que eu não possa salvar o mundo, dôo a minha parte.
Ainda que a vida seja finita, vivo como se fosse eterna.
Ainda que Deus possa sequer existir, eu acredito. E rezo com fé.
Ao conhecer a ilusão, sou livre,
consciente dos meus limites.
Não me pensem descrente, hipócrita ou incoerente.
Minha coerência está na escolha:
Faço assim porque quero.
Um post maravilhoso, profundo como a pessoa que o escreveu...
ResponderExcluirAlguém que muito sofreu deu esta entrevista com visões similares: https://www.facebook.com/photo.php?v=569509939755486&set=vb.104612556238537&type=2&theater
Eis o mistério da fé, concordo contigo Valéria, apesar de todas as provações que passamos, nunca podemos perder a fé, Maria como mâe nos ensinou mas, somos humanos e as vezes é quase impossível entender o porque! Beijos fiquem com Deus.
ResponderExcluirNossa! Emocionante mesmo!
ResponderExcluirComo diz o mestre, A Vida é um Mistério a ser vivido
Não um problema a ser resolvido!
Maravilhoso Valeria
ResponderExcluirTem missões que temos que passar , ela pode ser mais fácil ou mais difícil ,
mas teremos que passar.
creio que no futuro entenderemos o motivo.
fique bem ,forças
beijos
Valeria menina, que eu via dançando, por muito pouco tempo, bem sei, mas não esqueço o sorriso, os olhos vibrantes e uma meiguice muito natural, espontânea, sincera. Hoje menina mulher, madura, intensa, olhar profundo e nem por isso perdendo o brilho. A vida da voltas, muitas voltas. Um dia, um amigo muito especial me socorreu num momento de perda absoluta, nessa perda, por um longo tempo, perdi a mim mesma e a mão que esse amigo me estendeu jamais vou esquecer. Tento, em pensamentos constantes dirigidos a você, ao Erick e a toda sua familia, devolver a esse amigo uma parcela muito pequena do que ele me deu naquele instante. Leio suas palavras todos os dias quando chego do trabalho em casa. Me emociono a cada leitura, mas o que torna a vida mais bela é saber que neste mundo existem pessoas como você. Quando eu crescer, vou querer ser igual a você.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLindo e Sábio.
ResponderExcluirQuero tão bem a vocês.
Que venha, e venha rápido,
a VITÓRIA dos justos.
Val,
ResponderExcluirentendo as suas palavras e não se sinta culpada, não é hj, e não será amanhã que irá entender o pq disso tudo com o seu pedacinho, mas saiba que isso tudo tem uma explicação.
Um dia ouvi uma frase e desde então, tento ver a vida de uma outra maneira.
Deus não te da um fardo maior do que possa suportar...
Val, tenho certeza que isso tudo vai acabar, e vai acabar bem, tenho certeza, juro que tenho, não sei o pq, mas aqui dentro de mim eu sinto que as coisas vão dar certo.
Amo vc!
Passei a noite em claro, pensando em muitas,muitas coisas...Inclusive em vocês. Apesar de não conhecê-la pessoalmente e nem aos seus pequenos; sua família está sempre presente em minha mente. Eu queria ser mais forte para achar que os meus problemas são menores, sabe?! "Mas cada um sabe a dor e a delícía de ser o que é...". Então... acordei, tomei os medicamentos que necessito e num acesso de tristeza comecei a desmontar o "cantinho de oração" que criei pra mim. Meu esposo; de família judia, porém ateu, me perguntou se era dessa forma que eu acreditava em Deus. Não respondi! Quando ele saiu para o trabalho, remontei o meu "espaço sagrado" e fiz as minhas orações diárias, onde a sua família, saiba, atualmente estão incluídas (leio para o Érick o Salmo 41). Se acredito em Deus ou não?! Depende do dia...Só sei que me entristeço quando não faço as minhas orações. Assim como você, Valéria, rezo porque me faz bem! Abraço apertado,querida! Ainda vou ter o prazer de ver as fotos da sua família feliz, com esse "pequeno grande homem" totalmente recuperado.
ResponderExcluirQueridos, lindas mensagens, fico feliz que esse "diálogo" esteja rolando, que nos meus desabafos haja quem se identifique, como vocês, e que possamos compartilhar emoções tão sinceras. Beijos nos corações: Cássia Reis, Fernanda Ferraz (minha sobrinha do coração), M. Alberto Oliveira, Marília, Priscila, Vera, Jane, meu paizinho Monge.
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