segunda-feira, 3 de junho de 2013

Suspiro

Na noite passada não escrevi. Talvez eu não consiga escrever todos os dias, afinal. Entendam, todos que me lêem: meu objetivo de informá-los é apenas secundário... escrevo, principalmente, para preservar minha sanidade mental, desabafar e dizer o que sinto. Esta é minha terapia. Não esperem que eu seja sempre bem humorada, filosófica e sábia, justa, humanitária, generosa e bacana, espiritualizada e serena; terei momentos de puro desespero em que o medo falará alto e me deixará engasgada, em que a intranquilidade será mais forte... e é aqui que vou transparecê-los. É onde vou organizar essa loucura que está acontecendo, pôr ordem nos pensamentos e emoções. Um diário sempre teve este efeito para mim, e uma parte boa de escrevê-lo é que, às vezes, a gente relê... e percebe que os dias passam e que o que tinha importância ontem talvez não tenha mais hoje, e que o o tempo cura tudo. Escrever também serve para dar propósitos ao caos. Se der gosto ler, são bem vindos - mas tentem não me julgar, não se entreguem ao sentimento de pena! Tudo aqui é processo. Vai passar.

O nosso pequeno Erik passou bem o dia de ontem e o de hoje, sem intercorrências e sem reações maiores à quimio. Está com a pressão um pouco alta, umas das conseqüências possíveis das drogas administradas. Nada que exige medicação, apenas atenção... Observo ele o tempo todo, com medo de qualquer reação, mas até agora nada. Excluímos um marcador importante de risco: ele não tem uma alteração cromossômica temível, chamada Philadelphia. Outras alterações ainda estão em análise. Da tomografia só temos o laudo verbal do radiologista, mas disse que está tudo bem. O exame de sangue depois de uma semana de tratamento com o corticóide foi positivo: o médico disse que ele está respondendo bem ao tratamento. Nesta semana fará ainda uma cintilografia óssea, e devemos receber mais resultados desta fenotipagem... Medo e Coragem, minha dialética pessoal.

O Edson veio com o dindo Alemão, chegaram aqui umas 20h, e o Erik tinha acabado de dormir. Acordou, fez a maior farra com o papai, enquanto eu tomava um banho. Eles trouxeram presentes para o Erik, que estava completando 1 ano e 9 meses de vida. Quando o Edson foi embora, por volta das 23h, é que começou o drama. Quem disse que ele dormia? Chamou o pai por mais de 2h seguidas... não deixava ninguém dormir na enfermaria! Foi um caro custo fazê-lo dormir. Por sorte eu estava com grandes companheiros de quarto - a nossa miss Larissa, de 15 anos, um dos sorrisos mais lindos que já vi, e sua mãe queridíssima, Rosângela; Ronaldo, de 8 anos, um menino quietinho e cheio de imaginação com seus carrinhos e seu papai Ronaldo, que se tornou também um grande amigo; Bruninho de 5 anos, em reincidência de LLA (trata-se desde os 2 anos aqui no INCA e agora a doença voltou), e sua mãe, Cláudia, grávida de 3 meses, que do jeito dela, desmiolada, solidária e piadista, foi responsável pelas minhas poucas gargalhadas no quarto, outra a quem também aprendi a amar. Todos estavam unidos em prol do sono do Erik, compreensivos com sua angústia de ver o pai ir embora sem, mais uma vez, levá-lo para casa.

A parte difícil da noite de ontem é que, logo que havíamos deitado, ouvimos os gritos de uma mãe no corredor. A Cláudia reconheceu a voz de uma amiga e saiu correndo... Não foi naquele momento, mas bem mais tarde, que o óbito se confirmou. A filhinha desta mãe tinha 4 anos, 3 tumores sólidos em locais distintos e uma pneumonia. Estava na CTI, no final do corredor. A Cláudia teve que ser testemunha e amparar a amiga. Ficamos todos com o coração pesado, moral baixa.

Li até o final o livro que o Dr. Marcus Renato me mandou: "Você e a Leucemia, um dia de cada vez - Para todos aqueles que precisam entender", de Lynn S. Baker. Escrito para crianças com leucemia, é muito didático e fácil de entender. Foi ótimo. Recomendo. Com o tempo, vou compartilhar aqui alguns aprendizados deste livro.

O Erik me olha e pede: ˜Mamãe, cói, cói.˜ Cói quer dizer colo. Quando dou colo, desajeitadamente, pois a perna está engessada, o cateter no braço pendura dois tubos diferentes, um de remédio e outro de soro, ligados a uma bomba, e ainda tem a sonda nasogástrica para atrapalhar, ele começa: "Mamãe, carro, carro!". Quer ir para o carrinho. Monto todo o esquema para colocá-lo dentro do carrinho, para o quê preciso sempre da ajuda de uma boa alma que segure os fios todos para que nada se enrosque... Ele sentado no carro, aponta para o corredor. Levo-o para passear - uns 20m para lá, outros 20m para cá, num corredor cheio de mães estressadas... É o passeio possível. Ele reclama quando acaba! Aponta para os corredores, quer sair, ir embora. Eu também. Mas nossa jornada aqui está apenas... começando.

Como ele está mais animado, o tédio também começa a tomar conta dele. Ele quer ação, brincadeira. Incomoda-se com o monte de fios conecetados nele! A brinquedoteca é uma decepção. Tentei ir à tarde, mas estava fechada! Fica aberta de 2a à 6a das 10h às 12h, quando tem uma Terapeuta Ocupacional disponível. Não entendo o porquê de montarem um espaço cheio de brinquedos e os pacientes não terem livre acesso... Deve haver razões - não possuem funcionários para ficar vigiando o local e seus usuários... Mas por favor... é muito desperdício de espaço e recursos para depois ter tão pouco uso! Quero lutar por uma solução para isso. Vamos ver o que é possível fazer, dêem-me tempo que vou plantar sementinhas de revolução por aqui!

Hoje Cláudia e Bruno, Rosângela e Larissa tiveram alta. Voltaram para casa. Agora que eu tinha finalmente estabelecido uma conexão com elas, amizade sincera... Vão-se embora. Estavam ansiosas por ir, e não posso culpá-las! Que sejam felizes nesta nova fase do tratamento dos seus pimpolhos. Ficamos eu e o Ronaldo, na expectativa de quem viria ocupar os dois leitos vazios. Outros dois pacientes subiram, novas pessoas, novos jeitos, novas conquistas para fazer. Pessoas muito diferentes, hábitos muito diferentes. Um esforço de adaptação e aceitação enormes. Dividir o banheiro com gente estranha é complicado... Uma espécie de Big Brother dos mais cruéis. Mas tento me manter aberta e tranqüila, controlando meus preconceitos...

Amanhã a Gilza vem cedinho para cá, de carona com o Edson e trazendo a Elena. A Elena vai fazer a tipagem sangüínea, para ver se sua medula óssea é compatível com o maninho, caso ele venha a precisar dela. Vamos aproveitar para que ela faça uma breve visita ao irmão, mas fica a preocupação de como ela vai reagir ao hospital. Aqui não é como no Rio's Dor, quarto particular e decorado para a criança. É uma enfermaria, pouco espaço, não tem como receber visitas. Não tem onde sentar... E temo que ela veja coisas demais e fique impressionada... Vamos ver, talvez a gente se surpreenda com ela e tudo pareça simplesmente normal. Depois dessa breve visita, volto com o Edson e a Elena para casa, para 24h de folga depois de 8 dias direto aqui dentro sem pisar na rua nenhuma vez. Mal posso esperar, mas fico ansiosa: não gosto de deixá-lo. O ortopedista virá aqui amanhã para trocar a tala da perna, que tanto o incomoda... e eu não vou estar presente! Será que termos alguma notícia nova de algum exame? E eu não vou estar aqui... Será que amanhã vão começar as injeções intra-musculares? Podem dar reações alérgicas! E eu não vou estar aqui! Pedi para a enfermeira para mudar de quarto, visto que ficarei + 1 mês aqui e queria ao menos sair desta posição de frente para a porta... Ela ficou de estudar meu caso com carinho, quem sabe me colocar num quarto de isolamento... seria ótimo um pouco mais de privacidade! Não vou estar aqui para pleitear isso! Terei que deixar uma lista de questões para a Gilza resolver... Mas é fato: estou estressada e precisando tomar fôlego. Vai ser bom, inclusive para o Erik, pois há momentos em que a paciência está cansada e tudo que peço é um pouco de solidão e isolamento, sem sons que me perturbem, como o da bomba ligada ao meu lado, que apita diversas vezes durante a noite, indicando fim do medicamento, ou oclusão do equipamento...

Suspiro.

Um comentário:

  1. Em oração querida Val...tudo vai dar certo...toda força e toda luz pra vc...

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