Os blocos de Elspar começaram, duas internações extras foram necessárias por febre, e agora tudo isso passou. Tivemos alta ontem, ele está bem, está em casa, hiperativo e um tanto manhoso, cheio de personalidade. Mas minha cabeça e meu coração ainda estão no INCA... As pessoas costumam achar que com isso "terminamos". Não é bem assim. Na semana que vem, na 5a. feira temos exame de sangue e na 6a. feira centro cirúrgico. O Erik vai fazer mais uma quimioterapia intratecal e também tirar sangue da medula para exames, um deles muito importante, o DRM, Doença Residual Mínima. É esse exame que dirá se o que fizemos até aqui deu certo, e se a medula do Erik entrou realmente em remissão. Os primeiros exames que ele fez, no início do tratamento, já indicaram essa remissão - no fundo é para comprovar que esse resultado se mantém até aqui. Os médicos estão confiantes de que sim, que deu tudo certo.
Depois disso, o médico vai marcar a próxima fase: a tão esperada "Manutenção". Perguntei a eles - Dr. Alexandre Apa e Dra. Luciana Brito - se isso significava que ele tinha sido "curado" e que agora bastava "mantermos" a cura. Eles prontamente disseram que NÃO. Cura não era a palavra certa, embora desejada. "Significa que a medula dele entrou em remissão... Cura é algo de que você vai poder falar depois de encerrado o controle, em cinco anos". "Cinco anos a contar do diagnóstico, a contar do início da manutenção ou do final da manutenção?", perguntei. "Cinco anos a contar do final da manutenção", explicou a Dra. Luciana. "Ou seja, sete anos depois do diagnóstico, pois agora ainda faltam 1 ano e 6 meses de manutenção... quando ele tiver 9 anos, portanto. É isso?". "Aí você vai poder respirar aliviada... mas depois de 3 anos em manutenção já é quase um indicativo que não vai mais voltar", ela tentou ainda me consolar. Uma infância inteira com essa sombra sobre nós, é isso que significa. E eu já soube de 3 ou 4 casos em que a doença voltou quando a criança estava no 4o ano de manutenção... Medo.
Nestas últimas 2 semanas passamos 6 dias internados. Vi muita coisa, de novo. Desta vez a internação estava lotada. No meu quarto tinha uma adolescente de 16 anos que retornava depois de 1 ano de tratamento... Não cheguei a ouvir a voz dela, ela ficou quieta os três dias em que estive lá. Ao seu lado estava uma menininha de uns 8 anos, não cheguei a saber qual era a doença dela, mas afetou sua fala e sua capacidade de engolir, além de ter deformado as suas pernas... Ao meu lado, no outro berço, uma mãe recém-chegada, recebeu o diagnóstico há menos de um mês. A menina não parecia bem, mas a quimioterapia é poderosa no início e reverte muitos dos sintomas iniciais. Vi isso acontecer com o Erik, disse para ela, que lamentava a sonda nasogástrica. O Erik também usou nas primeiras semanas. No outro quarto visitei o Fábio Henrique, em reincidência da doença, filho da minha amiga Thauana, que não está conseguindo mais ficar lá... a sua irmã a tem substituído, ela tem outros 3 filhos de quem cuidar... está esgotada, e não é para menos. Ao seu lado, conheci a Ana Clara, 3 aninhos, vinda com a mãe há apenas 8 dias de Rio Branco, no Acre... Lá não existe tratamento para leucemia, e quando ela foi diagnosticada, a prefeitura pagou a passagem das duas para o Rio de Janeiro, onde ela desembarcou e pegou um táxi para o INCA. Ainda estava sob total susto com a situação, imaginem! Deixou em Rio Branco seu filho mais velho, um menino de 6 anos, que ficará pelo menos 6 meses sem ver, na casa de parentes. Diz que chora de saudades dele. Em frente ao Fábio Henrique estava a Duda, em mais uma internação, ela que tem 12 anos e doces olhos... E ao seu lado um leito de que evitei me aproximar até o último momento. Lá estava um menino de cerca de 13 anos, que não cheguei a conhecer antes. Ele fez o transplante há 6 meses, depois de 10 longos anos de tratamento e espera por um doador. Não deu certo. A doença voltou.
Na última noite, três mães entraram no nosso quarto lotado (4 pacientes, 4 acompanhantes, 16m2 e um banheiro). "Somos mãezinhas da UTI e queríamos orar com vocês", uma delas disse, e com nosso assentimento, chamou as outras. Elas colocaram música evangélica num notebook e uma delas começou uma oração que falava diretamente à Deus, pedindo pela saúde de todos. Ao final, a primeira mãe disse: "Quero dar o meu testemunho... estou hoje completando 45 dias de UTI, com meu filhinho de 1 ano e meio. Hoje os médicos vieram falar comigo e me disseram que não há mais nada que possam fazer pelo meu filho. Pois é quando os médicos nada mais podem fazer que Deus pode ainda entrar em ação... E o meu Deus pode, com a Sua vontade, se for da Sua vontade, num piscar de olhos, salvar o meu filho. Se eu não tivesse a minha fé, eu estaria enlouquecendo agora, mas como tenho fé, tenho Deus em minha vida, eu estou firme!". É claro que quando ela acabou de falar eu não podia conter minhas lágrimas, segurando a mãozinha do Erik. Levantei e a abracei, dizendo tudo que se poderia dizer numa situação dessas... "Deus tem um plano para ti, querida, continue ajudando as outras mães...".
No dia seguinte vim em casa e a babá do Erik, Tereza, foi ficar com ele. Tinha contas para pagar, mas confesso, que principalmente, precisava de ar. Dormi, paguei contas, tomei um banho demorado... vi a Elena, minha queridinha.
Ao voltar na 5a. feira para o hospital, com travesseiro e manta, resignada em ficar, se necessário, tive a notícia da alta. Pude arrumar tudo, pegar minhas coisas, pegar meu filhote e, mais uma vez, colocar o pijama azul no Expurgo, na esperança de não precisar mais vesti-lo. Voltei no quarto do Fábio Henrique, Ana Clara, Duda e Pedro, para entregar a encomenda que a mãe da Ana Clara havia me feito - um DVD portátil. Não pude mais ignorar o leito do Pedro. Ele estava no oxigênio, a enfermeira ao seu lado, a mãe debruçada sobre ele. Fui abraça-la. "O transplante era minha última esperança", ela disse. "Mantenha a mente forte", eu sussurrei, sabendo que a minha própria mente anda despedaçada...
Oh, meu Deus, quanto sofrimento. Não consigo me despir de tudo isso. Como manter a fé, como manter a serenidade, como manter a esperança? Como ser feliz novamente? Eu talvez devesse me afastar, não me envolver, não perguntar, evitar esses abraços. Preservar a mim mesma, a minha sanidade. Mas não posso. Simplesmente não posso.
Preciso contar outra coisa, anterior. Voltem no tempo. Eu fui sábado ao INCA achando que era o último dia, mas o Erik estava febril... na emergência autorizaram a quimioterapia, a última de todas, e disseram que febril não era com febre, e que isso deveria ser efeito da própria quimio, que eu voltasse para casa e ficasse atenta. Voltei. Encontrei o Edson e a Elena no caminho - eles tinham ido a uma festa de aniversário de um colega da Elena no shopping - demos mais algumas voltas e, quando chegamos em casa, o Erik estava realmente com febre. Coloquei-o no carro e voltei para o INCA. É preciso explicar que minha casa fica a 50km do INCA e que o trânsito anda simplesmente infernal mesmo nos sábados, domingos, feriados e horários alternativos. Fui numa velocidade média de 20km/h, levei mais 2h para chegar lá novamente. Constatada a febre, eles fizeram um hemograma, um raio-x do tórax, fizeram um antibiótico venoso e, como os exames dele estavam bons, pude voltar para casa, por volta de 23h. Mais duas horas de trânsito. A ordem era voltar no domingo e na 2a. para mais duas doses de antibiótico preventivo. Numa criança normal, uma febre de 38,4o. seria tratada como uma possível virose sem nenhum tratamento. Numa criança sob efeito de quimioterapia, com diagnóstico de leucemia e usando um cateter, usa-se logo um antibiótico venoso capaz de tratar uma meningite. Ok. No sábado à noite o Edson viajou de volta para Porto Alegre, deixando a Elena na casa dos nossos queridos vizinhos, que têm nos ajudado sempre (gratidão).
Domingo recebi um telefonema. Era uma mulher, chamada Ângela, amiga/conhecida da babá, Tereza. Ela soubera da situação do Erik, viu a sua foto no celular da Tereza e se sentiu compelida a entrar em contato comigo e pedir autorização para conhece-lo e orar por ele. Bom, eu disse que precisava ir ao hospital novamente naquele dia e que ela poderia me encontrar lá, se quisesse. Ela foi. Uma senhora, cerca de 50 anos, baixinha, perfume forte, olhos claros, óculos. Ficou comigo durante a administração do antibiótico do Erik e disse que podia me acompanhar até em casa, para que eu não voltasse sozinha com ele. Disse que esse era o seu ministério - ajudar - e que eu não me preocupasse com nada. Sentou-se ao meu lado no carro e veio comigo, conversando, até Vargem Grande. Falei, falei, falei, falei, e ela me escutou muito. Falei do Lucas, meu primo, falecido há um ano, do meu sobrinho, Gabriel, falecido há poucos meses, da dor de todas as mães que estava sendo insuportável para mim, do quanto eu pensava em Maria, mãe de Jesus, e no Sim que ela deu, etc, etc, etc, e como questionava Deus e seu poder nestes momentos... Ao chegarmos, já de noite, na Estrada dos Bandeirantes, próximo à entrada do bairro, eu disse que o ideal era que ela descesse ali, próxima a uma parada de ônibus, para não ter depois que voltar à pé pela minha rua, que é escura. Ela concordou, mas pediu então para orar, pois era para isso que ela tinha vindo. Ela rezou por todos. Rezou pela minha irmã, rezou pelos meus tios, pais do Lucas, para que tivessem paz, e claro, pela cura, pela certeza de cura do Erik. E olhou nos meus olhos e disse, firmemente: "Minha filha, tu nunca mais vais dizer que estás sozinha. Eu estou contigo, Deus me enviou para te apoiar no que for preciso, estás entendendo? Você pode me ligar a qualquer hora, do dia ou da noite. Para mim não existe mau tempo, nem lonjura, nem custos. Não importa se for simplesmente para sentar ao teu lado e te fazer companhia. Deus sempre me provê do que eu preciso para cumprir o meu Ministério. E eu estou contigo." Dizendo isso ela se levantou e foi embora...
Nem preciso dizer o quanto essa experiência mexeu comigo, me tocou profundamente. Vocês lembram, aqueles que lêem o meu blog desde o início, de uma vez que eu estava no Hospital Pasteur, aguardando por uma ressonância magnética que o Erik estava fazendo? Haviam me dito que demoraria 40min mas demorou quase duas horas. Rezei muito para Nossa Senhora. Muito. Uma Novena inteira de Ave Maria. De repente, uma senhora da limpeza me abordou, me deu água, me disse para sentar, e aguardou comigo o tempo todo que faltava para o exame ficar pronto... e me falou sobre "milagre"... ela contou que tinha sido diagnosticada com HIV e que depois de dois anos os exames passaram a dar negativo, e que eu nunca deveria perder a fé. Ela cuidou de mim, me tratou com um carinho materno, muito consolador. O nome dela era Ângela.
Essas situações são mais do que especiais e principalmente me mostram como há gente BOA neste mundo. Gente simplesmente boa. Anjos possíveis. Não me explica porque de tanta dor, porque ser mãe às vezes significa - literalmente - suportar esse calvário tão cruel. Se Deus está ciente disso tudo, que razões ele pode ter para permitir tamanho sofrimento? Mas quem sou eu para questionar? A verdade é que essa fé que as pessoas encontram as mantém em pé, as mantém sãs. Respeito. Elas são melhores do que eu.
Acho que quem está com febre, hoje, sou eu. Sinto como se um caminhão tivesse me atropelado, todos os meus músculos, nervos, articulações, doem.
Num próximo post vou falar mais sobre os médicos. Que coragem é essa, capaz de enfrentar a dor nos olhos de uma mãe e dizer-lhe que não há mais nada a fazer? Abençoados sejam. Pois é por serem capazes de suportar isso que também são capazes de salvar os que podem ser salvos... Serei eternamente grata, Dr. Alexandre Apa, Dra. Luciana Brito, Dra. Márcia, todos os residentes. Que Deus guie as mãos de vocês e os mantenham sãos e firmes nesta missão.
Não estranhem que eu não pareça coerente com a minha fé e minhas dúvidas misturadas, com a minha coragem e meu medo, com a minha força e minha fraqueza. Dane-se a coerência. O sentido disso tudo deve estar muito além do que podemos compreender e supor coerente.
Sem palavras. Só bons pensamentos e fé.
ResponderExcluirNossa! Sou muito sua fã! Se notar (ou sem saber) voce passa uma energia boa, de coragem e de compaixao! Saiba que mesmo sem nos conhecer direito sempre penso em voces! Um beijo no Erik!
ResponderExcluirValéria Ramos ChalegreMães do INCA
ResponderExcluirHoje tivemos duas perdas, duas perdas inestimáveis. Pedro Correa e Brenno. Corações partidos e em comunhão com a dor dessas duas mãezinhas. Recebam todo nosso amor, queridas, e saibam que vocês fizeram tudo, tudo, tudo que podiam ter feito. A hora de Deus não está no nosso controle, cabe-nos apenas aceitar, reunir forças e seguir em frente, por mais difícil que pareça. Contem comigo, sempre. Paz.
Valéria, estou participando do Espetáculo do seu Marido Os protagonistas do Beira Rio....e pelo face vi fotos de seu anjinho Erik e estou acompanhando seu blog, me emocionando com cada palavra, mesmo não passando por esta situação eu sou mãe e sinto e posso imaginar toda a luta de vocês....muito lindo toda esta garra e determinação de vcs, pelos filhos sei que movemos montanhas e até mais e não podia ser diferente, quero deixar registrado aqui meu depoimento e quero que saibam que estou na torcida e rezando pela recuperação do amado Erik e não esquecendo da pequena Elena (nome da minha mãe) que é também um anjo lindo, pela força, pela inteligência e pela sabedoria desta princesa....e quero que saibas que ontem aqui em São Leopoldo/RS caso queira colocar em seu blog, p conscientizarmos as pessoas do quanto é importante essas doações, ocorreu o dia de doações de sangue p este fim...e se Deus quiser vamos salvar muitas vidas......segue abaixo a reportagem....fiquem bem e que Deus abençoe esta linda família....forte abraço de coração Fabiane Carabajal .....
ResponderExcluirUM DIA MUITO ESPECIAL NO HOSPITAL CENTENÁRIO - SÃO LEOPOLDO/RS
Hoje, dia 24-02-2014, o Hospital Centenário recebeu a equipe do Hemocentro do Estado para efetuar coleta de sangue. O objetivo disto é cadastrar doadores no banco de medula óssea.
Foi a primeira vez que este procedimento foi realizado em nossa São Leopoldo.
A lei número 7.981, de minha autoria e que foi sancionada pelo prefeito Moacir em 23 DE outubro de 2013 estipula a criação do BANCO MUNICIPAL DE MEDULA ÓSSEA.
Esta lei é fruto de uma reivindicação de famílias que sofreram com a perda de parentes por ocasião da leucemia.
Ver o pedido de famílias da nossa comunidade tornar-se, pouco à pouco, realidade, é um imenso prazer e uma alegria indescritível. Fazer parte desta realização é a sensação do dever cumprido.
Agradeço, do fundo do coração, à todos os amigos que estiveram hoje no HC para fazer este ato voluntário. Vocês mostraram a grandeza de suas almas. Muito obrigado!Dr Carlos Szulcsewski....(ele que criou esta campanha).....
Valéria, no dia 1 de julho de 2013 li sua postagem falando sobre os enfermeiros do INCA. Comentei sobre meu interesse e amor pela área.Naquela época eu era acadêmica de enfermagem, hoje faltam apenas 5 dias para começar minha residência no INCA!!! Estou muito feliz por começar minha jornada na área e saber que vou poder cuidar crianças lindas como o Erick. Mais uma vez te agradeço por compartilhar suas experiências que motivam e inspiram. Estou orando e torcendo por vocês!Beijos
ResponderExcluir