sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sobre mártires e anjos possíveis

Os blocos de Elspar começaram, duas internações extras foram necessárias por febre, e agora tudo isso passou. Tivemos alta ontem, ele está bem, está em casa, hiperativo e um tanto manhoso, cheio de personalidade. Mas minha cabeça e meu coração ainda estão no INCA... As pessoas costumam achar que com isso "terminamos". Não é bem assim. Na semana que vem, na 5a. feira temos exame de sangue e na 6a. feira centro cirúrgico. O Erik vai fazer mais uma quimioterapia intratecal e também tirar sangue da medula para exames, um deles muito importante, o DRM, Doença Residual Mínima. É esse exame que dirá se o que fizemos até aqui deu certo, e se a medula do Erik entrou realmente em remissão. Os primeiros exames que ele fez, no início do tratamento, já indicaram essa remissão - no fundo é para comprovar que esse resultado se mantém até aqui. Os médicos estão confiantes de que sim, que deu tudo certo.

Depois disso, o médico vai marcar a próxima fase: a tão esperada "Manutenção". Perguntei a eles - Dr. Alexandre Apa e Dra. Luciana Brito - se isso significava que ele tinha sido "curado" e que agora bastava "mantermos" a cura. Eles prontamente disseram que NÃO. Cura não era a palavra certa, embora desejada. "Significa que a medula dele entrou em remissão... Cura é algo de que você vai poder falar depois de encerrado o controle, em cinco anos". "Cinco anos a contar do diagnóstico, a contar do início da manutenção ou do final da manutenção?", perguntei. "Cinco anos a contar do final da manutenção", explicou a Dra. Luciana. "Ou seja, sete anos depois do diagnóstico, pois agora ainda faltam 1 ano e 6 meses de manutenção... quando ele tiver 9 anos, portanto. É isso?". "Aí você vai poder respirar aliviada... mas depois de 3 anos em manutenção já é quase um indicativo que não vai mais voltar", ela tentou ainda me consolar. Uma infância inteira com essa sombra sobre nós, é isso que significa. E eu já soube de 3 ou 4 casos em que a doença voltou quando a criança estava no 4o ano de manutenção... Medo.

Nestas últimas 2 semanas passamos 6 dias internados. Vi muita coisa, de novo. Desta vez a internação estava lotada. No meu quarto tinha uma adolescente de 16 anos que retornava depois de 1 ano de tratamento... Não cheguei a ouvir a voz dela, ela ficou quieta os três dias em que estive lá. Ao seu lado estava uma menininha de uns 8 anos, não cheguei a saber qual era a doença dela, mas afetou sua fala e sua capacidade de engolir, além de ter deformado as suas pernas... Ao meu lado, no outro berço, uma mãe recém-chegada, recebeu o diagnóstico há menos de um mês. A menina não parecia bem, mas a quimioterapia é poderosa no início e reverte muitos dos sintomas iniciais. Vi isso acontecer com o Erik, disse para ela, que lamentava a sonda nasogástrica. O Erik também usou nas primeiras semanas. No outro quarto visitei o Fábio Henrique, em reincidência da doença, filho da minha amiga Thauana, que não está conseguindo mais ficar lá... a sua irmã a tem substituído, ela tem outros 3 filhos de quem cuidar... está esgotada, e não é para menos. Ao seu lado, conheci a Ana Clara, 3 aninhos, vinda com a mãe há apenas 8 dias de Rio Branco, no Acre... Lá não existe tratamento para leucemia, e quando ela foi diagnosticada, a prefeitura pagou a passagem das duas para o Rio de Janeiro, onde ela desembarcou e pegou um táxi para o INCA. Ainda estava sob total susto com a situação, imaginem! Deixou em Rio Branco seu filho mais velho, um menino de 6 anos, que ficará pelo menos 6 meses sem ver, na casa de parentes. Diz que chora de saudades dele. Em frente ao Fábio Henrique estava a Duda, em mais uma internação, ela que tem 12 anos e doces olhos... E ao seu lado um leito de que evitei me aproximar até o último momento. Lá estava um menino de cerca de 13 anos, que não cheguei a conhecer antes. Ele fez o transplante há 6 meses, depois de 10 longos anos de tratamento e espera por um doador. Não deu certo. A doença voltou.

Na última noite, três mães entraram no nosso quarto lotado (4 pacientes, 4 acompanhantes, 16m2 e um banheiro). "Somos mãezinhas da UTI e queríamos orar com vocês", uma delas disse, e com nosso assentimento, chamou as outras. Elas colocaram música evangélica num notebook e uma delas começou uma oração que falava diretamente à Deus, pedindo pela saúde de todos. Ao final, a primeira mãe disse: "Quero dar o meu testemunho... estou hoje completando 45 dias de UTI, com meu filhinho de 1 ano e meio. Hoje os médicos vieram falar comigo e me disseram que não há mais nada que possam fazer pelo meu filho. Pois é quando os médicos nada mais podem fazer que Deus pode ainda entrar em ação... E o meu Deus pode, com a Sua vontade, se for da Sua vontade, num piscar de olhos, salvar o meu filho. Se eu não tivesse a minha fé, eu estaria enlouquecendo agora, mas como tenho fé, tenho Deus em minha vida, eu estou firme!". É claro que quando ela acabou de falar eu não podia conter minhas lágrimas, segurando a mãozinha do Erik. Levantei e a abracei, dizendo tudo que se poderia dizer numa situação dessas... "Deus tem um plano para ti, querida, continue ajudando as outras mães...".

No dia seguinte vim em casa e a babá do Erik, Tereza, foi ficar com ele. Tinha contas para pagar, mas confesso, que principalmente, precisava de ar. Dormi, paguei contas, tomei um banho demorado... vi a Elena, minha queridinha.

Ao voltar na 5a. feira para o hospital, com travesseiro e manta, resignada em ficar, se necessário, tive a notícia da alta. Pude arrumar tudo, pegar minhas coisas, pegar meu filhote e, mais uma vez, colocar o pijama azul no Expurgo, na esperança de não precisar mais vesti-lo. Voltei no quarto do Fábio Henrique, Ana Clara, Duda e Pedro, para entregar a encomenda que a mãe da Ana Clara havia me feito - um DVD portátil. Não pude mais ignorar o leito do Pedro. Ele estava no oxigênio, a enfermeira ao seu lado, a mãe debruçada sobre ele. Fui abraça-la. "O transplante era minha última esperança", ela disse. "Mantenha a mente forte", eu sussurrei, sabendo que a minha própria mente anda despedaçada...

Oh, meu Deus, quanto sofrimento. Não consigo me despir de tudo isso. Como manter a fé, como manter a serenidade, como manter a esperança? Como ser feliz novamente? Eu talvez devesse me afastar, não me envolver, não perguntar, evitar esses abraços. Preservar a mim mesma, a minha sanidade. Mas não posso. Simplesmente não posso.

Preciso contar outra coisa, anterior. Voltem no tempo. Eu fui sábado ao INCA achando que era o último dia, mas o Erik estava febril... na emergência autorizaram a quimioterapia, a última de todas, e disseram que febril não era com febre, e que isso deveria ser efeito da própria quimio, que eu voltasse para casa e ficasse atenta. Voltei. Encontrei o Edson e a Elena no caminho - eles tinham ido a uma festa de aniversário de um colega da Elena no shopping - demos mais algumas voltas e, quando chegamos em casa, o Erik estava realmente com febre. Coloquei-o no carro e voltei para o INCA. É preciso explicar que minha casa fica a 50km do INCA e que o trânsito anda simplesmente infernal mesmo nos sábados, domingos, feriados e horários alternativos. Fui numa velocidade média de 20km/h, levei mais 2h para chegar lá novamente. Constatada a febre, eles fizeram um hemograma, um raio-x do tórax, fizeram um antibiótico venoso e, como os exames dele estavam bons, pude voltar para casa, por volta de 23h. Mais duas horas de trânsito. A ordem era voltar no domingo e na 2a. para mais duas doses de antibiótico preventivo. Numa criança normal, uma febre de 38,4o. seria tratada como uma possível virose sem nenhum tratamento. Numa criança sob efeito de quimioterapia, com diagnóstico de leucemia e usando um cateter, usa-se logo um antibiótico venoso capaz de tratar uma meningite. Ok. No sábado à noite o Edson viajou de volta para Porto Alegre, deixando a Elena na casa dos nossos queridos vizinhos, que têm nos ajudado sempre (gratidão).

Domingo recebi um telefonema. Era uma mulher, chamada Ângela, amiga/conhecida da babá, Tereza. Ela soubera da situação do Erik, viu a sua foto no celular da Tereza e se sentiu compelida a entrar em contato comigo e pedir autorização para conhece-lo e orar por ele. Bom, eu disse que precisava ir ao hospital novamente naquele dia e que ela poderia me encontrar lá, se quisesse. Ela foi. Uma senhora, cerca de 50 anos, baixinha, perfume forte, olhos claros, óculos. Ficou comigo durante a administração do antibiótico do Erik e disse que podia me acompanhar até em casa, para que eu não voltasse sozinha com ele. Disse que esse era o seu ministério - ajudar - e que eu não me preocupasse com nada. Sentou-se ao meu lado no carro e veio comigo, conversando, até Vargem Grande. Falei, falei, falei, falei, e ela me escutou muito. Falei do Lucas, meu primo, falecido há um ano, do meu sobrinho, Gabriel, falecido há poucos meses, da dor de todas as mães que estava sendo insuportável para mim, do quanto eu pensava em Maria, mãe de Jesus, e no Sim que ela deu, etc, etc, etc, e como questionava Deus e seu poder nestes momentos... Ao chegarmos, já de noite, na Estrada dos Bandeirantes, próximo à entrada do bairro, eu disse que o ideal era que ela descesse ali, próxima a uma parada de ônibus, para não ter depois que voltar à pé pela minha rua, que é escura. Ela concordou, mas pediu então para orar, pois era para isso que ela tinha vindo. Ela rezou por todos. Rezou pela minha irmã, rezou pelos meus tios, pais do Lucas, para que tivessem paz, e claro, pela cura, pela certeza de cura do Erik. E olhou nos meus olhos e disse, firmemente: "Minha filha, tu nunca mais vais dizer que estás sozinha. Eu estou contigo, Deus me enviou para te apoiar no que for preciso, estás entendendo? Você pode me ligar a qualquer hora, do dia ou da noite. Para mim não existe mau tempo, nem lonjura, nem custos. Não importa se for simplesmente para sentar ao teu lado e te fazer companhia. Deus sempre me provê do que eu preciso para cumprir o meu Ministério. E eu estou contigo." Dizendo isso ela se levantou e foi embora...

Nem preciso dizer o quanto essa experiência mexeu comigo, me tocou profundamente. Vocês lembram, aqueles que lêem o meu blog desde o início, de uma vez que eu estava no Hospital Pasteur, aguardando por uma ressonância magnética que o Erik estava fazendo? Haviam me dito que demoraria 40min mas demorou quase duas horas. Rezei muito para Nossa Senhora. Muito. Uma Novena inteira de Ave Maria. De repente, uma senhora da limpeza me abordou, me deu água, me disse para sentar, e aguardou comigo o tempo todo que faltava para o exame ficar pronto... e me falou sobre "milagre"... ela contou que tinha sido diagnosticada com HIV e que depois de dois anos os exames passaram a dar negativo, e que eu nunca deveria perder a fé. Ela cuidou de mim, me tratou com um carinho materno, muito consolador. O nome dela era Ângela.

Essas situações são mais do que especiais e principalmente me mostram como há gente BOA neste mundo. Gente simplesmente boa. Anjos possíveis. Não me explica porque de tanta dor, porque ser mãe às vezes significa - literalmente - suportar esse calvário tão cruel. Se Deus está ciente disso tudo, que razões ele pode ter para permitir tamanho sofrimento? Mas quem sou eu para questionar? A verdade é que essa fé que as pessoas encontram as mantém em pé, as mantém sãs. Respeito. Elas são melhores do que eu.

Acho que quem está com febre, hoje, sou eu. Sinto como se um caminhão tivesse me atropelado, todos os meus músculos, nervos, articulações, doem.

Num próximo post vou falar mais sobre os médicos. Que coragem é essa, capaz de enfrentar a dor nos olhos de uma mãe e dizer-lhe que não há mais nada a fazer? Abençoados sejam. Pois é por serem capazes de suportar isso que também são capazes de salvar os que podem ser salvos... Serei eternamente grata, Dr. Alexandre Apa, Dra. Luciana Brito, Dra. Márcia, todos os residentes. Que Deus guie as mãos de vocês e os mantenham sãos e firmes nesta missão.

Não estranhem que eu não pareça coerente com a minha fé e minhas dúvidas misturadas, com a minha coragem e meu medo, com a minha força e minha fraqueza. Dane-se a coerência. O sentido disso tudo deve estar muito além do que podemos compreender e supor coerente.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Ressignificação e culpa

Tanta coisa vivi nestes últimos meses. Minha vida e a de toda minha filha virou do avesso. A doença do Erik mudou nossas perspectivas, exigiu que assumíssemos novos papéis, deixássemos para trás planos e projetos. Eu deixei de lado meu trabalho, abri mão da direção de projetos que fechamos fora do Rio. O Edson está praticamente morando mais em Porto Alegre do que aqui no Rio, dedicado integralmente ao trabalho. Fundamental para nossa sobrevivência, mas duro para nossa família. Eu sinto falta, as crianças sentem saudade, perguntam por ele o tempo todo. Sei que ele também sofre.

A Elena perdeu muito da minha presença, está sofrendo com 8h de escola/dia. Hoje não queria ir à aula, sente falta da "hora do soninho". Não sei por que cargas d´água a escola aboliu o momento de descanso das crianças com 4-5 anos. Acho cedo para isso, ela fica exausta... dizia hoje, cheia de sono: "Mamãe, eu queria ir na escola fazer uma atividade e voltar para casa, ficar com você...". Morro de pena. Fizemos um festão de aniversário para ela comemorar em grande estilo seus 5 anos. Foi uma festa dela, não do Erik, em torno de quem a vida girou nos últimos meses. Foi algo para tentar dar um pouco mais de normalidade para as nossas vidas, para que comemorássemos o que tem para ser comemorado todos os dias, todos os anos, aconteça o que acontecer. Tínhamos nos prometido não deixar mais passar nenhum aniversário sem comemorar dignamente.

Plantamos uma árvore - um ipê amarelo - para que todo o mês de novembro ele florisse, comemorando os muitos aniversários da Elena daqui para frente. Ela batizou a árvore de "Chuva Dourada". Claro que depois desse plantio eu e o Edson nos abraçamos e choramos juntos, pensando em tudo que isso significa.

Depois fui deixar o Edson numa reunião. Acabei entrando para participar, é parte do projeto que eu ajudei a criar, tenho carinho pelo processo, anseio pelo resultado. Porém, sei que não há como participar pela metade das coisas. Elas estão andando... sem mim. Estamos lá, contratando gente para fazer parte daquilo que eu deveria estar fazendo. E agora já estou me sentindo realmente por fora do andamento do projeto, fico insegura em dar opiniões em processos que não estou acompanhando de perto. Por mais que eu acompanhe à distância, por mais que tente me envolver nas tarefas que podem ser feitas em home office, sei que estou fora. E isso me faz refletir sobre o que será da minha vida profissional, depois disso tudo. O que virá depois, aliás? Quando será o "depois"? É possível fazer planos? Planos que não se frustrem, que não criem mais expectativas que não vou poder cumprir?

Depois dessa reunião, deixei o Edson direto em outra, e depois dessa, ele partiu para São Paulo para mais uma bateria de reuniões por lá. Depois, viaja para Porto Alegre, volta só na 6a. feira, para retornar na 2a. Ele veio sábado para o Rio, passamos dois dias ótimos, mas tão curtos... Como estaríamos lidando com isso, como eu estaria dando conta dos filhos, mesmo que o Erik estivesse saudável, se estivesse acompanhando esse ritmo? Se tivéssemos que nos mudar para Porto Alegre e deixar aqui casa, escola, tratamento no INCA? Será que, de alguma forma, não foi melhor assim?

Voltei para casa com a palavra "ressignificação" na cabeça, muito usada na neolinguística. Sei que preciso ressignificar minha própria vida. Ressignificar significa (segundo a Wikipédia): "atribuir novo significado a acontecimentos através da mudança de sua visão de mundo. O significado de todo acontecimento depende do filtro pelo qual o vemos. Quando mudamos o filtro, mudamos o significado do acontecimento, e a isso se chama ressignificar, ou seja, modificar o filtro pelo qual uma pessoa percebe os acontecimentos a fim de alterar seu significado. Quando o significado se modifica, as respostas e comportamentos da pessoa também se modificam. (...) A ressignificação é um elemento chave para o processo criativo, significando a habilidade de situar o evento comum num filtro útil ou capaz de propiciar prazer. Na teoria da comunicação geral, um sinal somente possui significado em termos de filtros ou contexto no qual se manifesta. Através da ressignificação, podemos aprender a pensar de outro modo sobre as coisas, ver novos pontos de vista ou levar outros fatores em consideração."

Meu dia foi inútil. Pensei várias coisas para esse dia lindo, de sol e calor - ir à praia, ir ao shopping comprar presentes de Natal e travesseiros para os hóspedes que teremos no final de ano, comprar material de obra para reformas em casa, começar uma rotina de caminhada, ler um livro, começar a escrever o filme, trabalhar no roteiro de um longa-metragem que estou gestando há anos, dar conta de uma listinha de tarefas da casa, arrumar o escritório, colocar papeladas em dia, etc etc etc. Mas não fiz nada. Paralisei. Parece que tudo está meio sem sentido. Tive um dia livre, e tudo que consegui fazer foi dormir. Cuidei do Erik no que sobrou da manhã, até 14h, quando a babá chegou. Poderia ter aproveitado a tarde, mas não. Nem marcar meus próprios exames de saúde eu marquei, estou com as requisições aqui, mas não fiz nada. Não saí nem para comprar pão. Dormi uma hora e meia. Apenas reagendei a consulta do Erik... falei com a minha mãe ao telefone... Culpa, sempre me sinto culpada quando meu dia não é "útil". Não sei o porquê, mas perdi a capacidade de simplesmente aproveitar o ócio quando posso dispor dele, nem que seja para que ele me dê fôlego para voltar a ser criativa.

Amanhã temos novamente INCA. Mando a Elena para escola e saio em seguida, com o Erik, para que ele faça exame de sangue e consulta. Se tudo estiver bem com os exames, na 4a. vamos novamente para ele fazer mais um Alspar, uma injeção intramuscular com quimioterapia. O médico deve também agendar a próxima fase do tratamento, que deve ser bem cansativa, com idas quase que diárias ao INCA. Daí que um dia de intervalo deveria ser tomado como um dia de folga, também por mim, mas não consigo relaxar e nem produzir.

Falei para um amigo hoje à tarde: eu me sinto como se estivesse correndo uma maratona - uma maratona que não sei se vou vencer ou não. Estou agora nos últimos quilômetros, falta pouco e já vislumbro a linha de chegada. Podem haver obstáculos, não seriam surpresa para os médicos, sempre sou alertada disso. Firmemente, mantenho minha fé na vitória. Mas minhas pernas estão pesando uma tonelada cada uma e todo passo é um sacrifício. E mesmo que haja dias como o de hoje - intervalos - não consigo mudar o foco, não consigo sair de dentro do problema, não consigo "me distrair". Nem mesmo o próprio Erik consegue me distrair, ele que é um serzinho iluminado e nem pensa na própria batalha. Ele simplesmente vive cada dia, é alegre, extasiante, gosta de cantar e dançar, nem andar anda: ele corre. Puxa meu braço insistentemente, "Mamãe, vem bincá", enquanto eu zapeio pelo Facebook como se estivesse fazendo algo de importante que não pudesse ser interrompido. Culpa.

Ainda estou longe da "ressignificação". Talvez isso só possa vir depois, mesmo. Depois da maratona, da linha de chegada. Mas e se a linha de chegada for reposicionada mais à frente, tão logo eu a cruze? Uma amiga está passando por isso, exatamente. Depois de dado o tratamento por encerrado, comemorar a cura do filho, não mais do que duas semanas depois, ele voltou ao hospital com forte dor de cabeça, vômitos, apatia. A doença voltou. O tratamento recomeçou, estaca zero. E agora está definido que fará transplante de medula, no caso dele, autólogo (dele para ele mesmo, o que no caso dele, um Linfoma de Burkitt, se aplica, no do Erik não seria possível, precisaríamos de um doador).

Estou enfrentando mais uma crise de uma doença autoimune. Sofro de "esclerodermia de placas", uma doença reumato-dermatológica, em que os anticorpos resolvem atacar a pele do sujeito e queimá-la. Parecem queimaduras, várias manchas na barriga e na perna esquerda. Tive uma primeira crise dessas há 20 anos, e neste meio tempo até achei que tinha curado, mas a cada cirurgia que eu fiz as coisas se agravaram - primeiro foi uma lipoaspiração, há cerca de 17 anos, depois foram várias cirurgias de varizes, depois duas cesáreas. A cada uma, novas manchas surgiram. Neste ano, porém, a crise se intensificou, as manchas ficaram mais espessas, mais duras, a pele retesada.

Fui a um reumatologista na última 6a. feira, pela primeira vez. Já tinha ido a 3 ou 4 dermatologistas diferentes, que me passaram cremes e pomadas que de nada adiantaram; e também fui a um clínico geral ortomolecular e especialista em medicina chinesa, que me encheu de vitaminas e homeopatias, que não consigo tomar, tantas vezes ao dia elas precisam ser repetidas... A voz comum é que não há cura, ninguém sabe o que dispara isso, ninguém sabe como curar. O risco é que ela a esclerodermia deixe de ser "de placas" e passe a ser "sistêmica", atacando também órgãos vitais, como os rins ou o pulmão. Este último médico me falou das terapias disponíveis, vamos começar com uma mais fraca (não comprei o remédio, deveria ter comprado ao menos isso hoje!) e fazer outros exames para ver se a minha doença se limita mesmo à pele. Na avaliação dele, meu score é 2, numa escala que acho que vai até 5 (foi o que espiei no computador dele). Se necessário, podemos avançar para outras terapias mais pesadas, na verdade alguns remédios que fazem parte da quimioterapia que o Erik usa, como a ciclofosfamida. Essa seria a única medicação capaz de fazer regredirem as manchas já existentes, mas ela tem tantos efeitos colaterais que não é uma boa indicação agora. Ela me exporia à infecções, por exemplo. E o pobre do Erik toma essa droga, entre tantas outras!

Como último recurso - se a esclerodermia avançar para órgãos vitais e o risco da doença for maior que o do tratamento - poderíamos inclusive apelar para um transplante de medula óssea. O risco de vida de um transplante de medula óssea em adulto é maior do que em crianças, e em crianças é em torno de 50%. Então... esse é mesmo o último recurso, certo?

Engraçado, pois essa minha doença é o oposto da leucemia que atinge o Erik, é uma leucemia ao contrário: em vez de imunodepressora, meu sistema imunológico está hiperativo, malucão, atacando o próprio corpo, que deveria defender de agentes externos. Meus anticorpos veem a minha pele como inimiga. "É como se o exército brasileiro resolvesse atacar São Paulo e matasse os paulistas, quando deveria defende-los", disse o médico. "Entendi, é como se fosse um golpe de estado", repliquei. "Isso mesmo!". Quer dizer, meus exércitos estão me atacando, me punindo. Deve ser a tal da culpa, afinal. Mandem me prender, eu sou culpada, assumo todas as culpas! Podem bater! Schlap, schlap, schlap, estalem os chicotes do autoflagelo!

Psicólogos de plantão, prato cheio procês. Podem as doenças auto imunes serem psicossomáticas? Devo estar fazendo uma auto expiação da minha culpa com chibatadas providenciadas pelos meus anticorpos estressados e cheios de adrenalina? Beleza, mas agora que já sei que isso é possível, é ao menos uma explicação plausível, como fazer eles pararem com isso?! Gostaria de dizer-lhes: "Ei, caras, isso não vai adiantar de nada, parem de atacar! O inimigo não é minha pele, nem meu pulmão, pelo amor de Deus! O inimigo está lá fora, e não há nada que se possa fazer contra ele além do que já está sendo feito! Estamos fazendo tudo que pode ser feito, não há porque eu me culpar! Parem com essa guerra estúpida e aproveitem os dias livres para... caminhar, ler um livro, ver tv ou simplesmente dormir! Não há nada de mal nisso! Enjoy it! Chega disso, já perdeu a graça! Estou ficando toda manchada!"

Teria muito mais coisa para contar. Detalhes da festa da Elena, da presença da minha irmãzinha Bia aqui, dos sonhos dela com nosso querido Gabriel, que partiu. Do nosso lamento pela sua ausência, pelo choque que isso causa. Poderia também falar dos meus sonhos, como o que tive essa semana: sonhei que dizia para uma mãe com o filho muito doente que a vida era dividida em pastas, e em uma delas arquivávamos as coisas chamadas "impossíveis", mas que sempre podíamos mudar o nome da pasta para "impossível AINDA", e manter essas pastas sempre abertas. O mais engraçado - não, não era um sonho engraçado - é que eu tinha que me esforçar para dizer tudo isso em inglês e buscava as palavras no fundo da memória: pasta é folder, impossible, almost impossible ou impossible yet? Doideira.

Poderia ainda falar da nossa ida ao shopping Village Mall e da sensação estranhíssima, de total inadequação, de que vivo em mundos diametralmente opostos e que me parece simplesmente absurdo comprar óculos de sol que custem um salário mínimo, quando meus colegas de quarto no INCA não dispõe disso para viver por um mês inteiro, sustentando vários filhos... Ou seja, me sinto também culpada pelo que posso comprar, num país em que os abismos sociais são literalmente, abissais. Tenho culpa por tudo que os outros não têm? Tenho consciência, e ao ter consciência sou automaticamente culpada. Essa é a lógica cristã. Nunca mais ir ao shopping sem sentir culpa, sem achar tudo à minha volta permeado de absurdo. Esse é o meu preço? Desse jeito, não vou mais conseguir ser feliz...! Tudo à minha volta me dói, me faz sentir impotente. Abriram-se as comportas da consciência, toda inocência foi-se ralo abaixo.

Fiz amigos no INCA, amigos e amigas, que talvez nunca encontrasse em outras situações. De repente, estamos ali, como iguais, apesar das diferenças sociais e culturais, e descubro o valor de amizades verdadeiras, dedicadas. As diferenças não são só sociais e culturais. São até raciais, para aumentar a minha vergonha da nossa sociedade (e a minha culpa). Não é chocante que uma amiga querida do INCA, que eu convidei para a festa da Elena, ao trazer a filhinha linda, diga, vendo-a brincar feliz da vida e cheia de inocência entre os amigos da escola da Elena, que ela parecia um feijãozinho no meio de um monte de arroz? De fato, era a única negra. Linda, diga-se de passagem! E isso me parece simplesmente inaceitável numa cidade em que metade da população é negra. Minha filha não tem nenhum colega negro na sua sala de aula de escola particular. Sei que não houve um critério racial na seleção dos alunos, o critério foi econômico. Isso é menos trágico?

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Tempo de acreditar

O Erik está bem, estamos em casa, e a fase atual de tratamento implica em 2 idas semanais ao INCA para exame de sangue, consulta e quimioterapia. Ele também está tomando um corticóide em casa, o Decadron, e uma outra medicação, a Ranitidina, para proteger o estômago. Ele está forte, comilão, alegre, gritão e muito, muito amoroso. Num chamego só comigo... e com a irmãzinha Elena também. Pergunta pelo papai, e quando fala com ele por telefone, articula frases, se queixa, diz "Eu amo você", e faz carinha de querido. Ganho muito carinho dele, abraços e carinhos no rosto, na mão, nos braços. Ele finge ser bebezinho novamente e quer mamar no peito...


Hoje fomos visitar o ortopedista Dr. Daniel Furst, responsável pelo diagnóstico inicial do Erik. Ele que nos atendeu, no Rio´s Dor, e fez a biópsia que determinou que o problema do Erik era realmente câncer... Devo a ele a agilidade com que começamos a tratar o Erik. Ele ficou bem satisfeito com o progresso do tratamento, com a regressão do tumor nos exames de imagem que fizemos no INCA e levei para ele, e com o estado geral do Erik, que hoje não anda: corre! Os exames mostram que a cartilagem do crescimento não foi acometida, o que é excelente, pois a grande probabilidade é que ele não fique com sequelas. Claro que isso só acompanhando, com o tempo, para saber com certeza... Soube que ele lê o blog frequentemente (que honra!!!) e segue acompanhando o caso, ainda que à distância. Quer ver o Erik novamente dentro de 4 meses, e acha que agora é o caso de darmos um tempo nas radiografias - ele já foi bastante radiografado, afinal de contas e não tem porque continuar expondo ele à radiações desnecessárias. Fiz questão de levar o Erik novamente neste médico, até por recomendação da fisioterapeuta do INCA, pois Dr. Daniel é ortopedista pediátrico, e vai olhar o todo do desenvolvimento do Erik, ao passo que, no INCA, os ortopedistas oncologistas olharão para o tumor, para o câncer, prioritariamente. Ou seja, ao ver o Dr. Daniel novamente, estou olhando para o futuro... pois estou me dando ao direito de acreditar que realmente já deu certo!


Aproveitei para levar a Elena para que ele a examinasse. Ela tem aquela coisa comum de meninas nesta idade, de pisar para dentro. Ele examinou e disse que isso é do desenvolvimento normal, que pelos 8 ou 9 anos vai passar naturalmente, com o amadurecimento do fêmur. Não tem nada de errado com ela, portanto. Essa coisa de antigamente, de colocar botas ortopédicas, ficou mesmo no passado - hoje se sabe que não há ganho com essas torturas... Achava-se que o problema era no pé, quando na verdade é da rotação do fêmur. A Elena é absolutamente normal, graças à Deus.



Vejam só que pelo jeito que ela pula feliz no pula-pula com a amiguinha Camile, problema no pé ela não tem mesmo!


Nessa foto, o Erik está levando o palhaço Topetão para visitar os amiguinhos internados, no Dia das Crianças.


O Show do Topetão animou o Dia das Crianças, em um festão promovido pelo INCA Voluntário. O Erik amou ver o amigo palhaço no palco!



Esse Dia das Crianças foi histórico, Erik no INCA, colinho da mamãe!

À propósito, nestas semanas estou concentrada em produzir a festinha de aniversário da Elena. Concentrada em fazer algo feliz, alegre, positivo. Em celebrar a vida, em compensar um pouco a todos nós pelos martírios dos últimos meses. Feliz da vida em contar com a amizade de tantas outras mães - do INCA, da escolinha antiga da Elena (Baby Cemi), e agora também das mães do CIEI, onde a Elena hoje estuda, e que acabo de conhecer. Das minhas amigas do INCA tenho ganho presentes para a festa - produção dos doces, ajuda na compra das coisas, na contratação de serviços... Todas empenhadas em nos presentear de alguma forma, e isso, gente, não tem preço, é lindo demais.


Estou ainda muito feliz com a vinda do meu papai para esse final de semana, do meu mano Daniel. Faz tempo que não os vejo e vai ser uma farra tê-los aqui, participando da festinha da Elena. Meu pai me faz muita falta. Pena que minha mãe não vem, nem meus outros irmãos. Mas eles virão no Natal, então, paciência. "Quem mandou se mudar para outra cidade, outro estado, tão longe", diria minha mãe, TODAS as vezes que reclamo de saudades.


E também estou muito feliz com a vinda da Bia, minha irmã guerreira que ainda está enfrentando a dor sem fim da perda do nosso querido Gabriel. Sei que não está sendo nada fácil para ela... E cada vez que me ponho em seu lugar, o luto toma conta de mim, fico arrasada. Espero que a gente possa se unir muito, com essa vinda dela para o Rio. A Bia vai fazer um concurso aqui, para residência multiprofissional no INCA. Ela é nutricionista e pensa em trabalhar com oncologia. Muita gente acha isso loucura, depois do que ela passou. Mas sabem... eu entendo. A gente não consegue passar por uma experiência dessas e virar as costas para essa realidade do câncer. Ele passa a fazer parte da nossa vida, prá sempre. Além disso, não é mentira que a Bia sempre quis trabalhar em hospital, se dedicar a essa vida, e isso é de muito antes do nascimento do Gabriel. Ela está é retomando um sonho antigo, que ganhou novos sentidos e certamente dará mais sentido à sua vida. Portanto, ela tem todo o meu apoio, incondicional. E vamos entender que não há de ser fácil passar num concurso tão pouco tempo depois de uma perda tão significativa - como ela estaria arranjando forças para se concentrar nos estudos?! Vamos deixar para ver o que a vida lhe reserva, há de ser o certo. Tudo a seu devido tempo.


Por outro lado, estamos todos sentindo muito a distância que o trabalho nos impôs - Edson em Porto Alegre, a maior parte do tempo, cuidando desse grande projeto que é o espetáculo de reinauguração do Beira Rio, junto à nossa parceira Engage. Gostaria muito de estar mais presente, ao lado dele, trabalhando mais no roteiro, na produção, mas como tenho dito aqui, estamos tendo que nos dividir, para que tudo seja possível. Agradeço os sacrifícios dele, em estar longe de casa - sei que ele sofre, que tem saudades. Nós também. Sentimos a sua falta em casa. A casa fica vazia, silenciosa, quando ele não está. :-( Ele chega na 5a, vai embora já na 2a. Paciência. Tudo vai passar.



As próximas etapas do tratamento do Erik incluem mais um mês de quimioterapia, provavelmente mais intensa do que a atual. Vamos vivendo um dia de cada vez, e estou firme em pensamento que até o Natal teremos terminado a quimioterapia venosa. Aí tudo ficará mais fácil, com menos idas ao INCA. Não quero criar expectativas demasiadas, mas... é tempo de acreditar.

sábado, 5 de outubro de 2013

Última alta do Erik! Lidar com as distâncias e amadurecer, novos desafios.

Ontem foi um dos dias felizes dos últimos meses, um dia que não quero esquecer. Tirei o pijama azul do INCA pela última vez! O Erik desativou o cateter, tirou o soro, vestiu os sapatos e correu pelo corredor... Fui às lágrimas, abracei todos os enfermeiros, com o coração cheio de gratidão. Despedi-me de amigos e amigas com quem sei que criei laços eternos. Acabou nossa última internação programada no protocolo de tratamento dele, e só de pensar nisso novamente, meus olhos se enchem d´água de novo. Vencemos essa fase, e vamos comemorá-la! Pois cada vitória merece ser comemorada, sem ressalvas, sem "poréns", sem "mas". Se outras fases vierem, vamos vencê-las também, pois somos fortes, resilientes, determinados! E o Erik é um guerreiro, que passou por todas essas quimioterapias terríveis e milagrosas, sem uma intercorrência sequer, surpreendendo médicos e enfermeiros. Foram quase 6 meses entre o diagnóstico e o início do tratamento até agora - ainda estamos longe de terminar - totalizando 80 dias de internação. Dava para dar a volta ao mundo num balão, segundo Júlio Verne. Mas as internações acabaram. A próxima fase é ambulatorial, mais dois meses indo e vindo do INCA, mas sem ter dormir lá, sem vestir o pijama azul... Ufa, ufa, ufa.

Gente, a luta não terminou. Vencemos uma fase. É como um triatlo, uma corrida com várias modalidades. Vencemos uma. Eu diria que duas, até - uma chamada "indução" e agora terminamos a "intensificação". A próxima é a "reindução", também chamada de "Protocolo II" pelos médicos, e é composta pelos mesmos remédios que ele tomou na primeira fase, quando estava internado. Agora já sabemos como o corpinho dele reage, sendo que no início ele estava ainda com a doença ativa, galopante. Agora a doença já está controlada, ou já sumiu ou está tão fraquinha que está dormindo. Por isso precisamos garantir que não sobrou nada, nadica de nada, dessas células malignas no sangue dele. Algumas dessas danadas se escondem em lugares do corpo menos atingidos pela quimioterapia, como os testículos e o SNC (Sistema Nervoso Central), por isso é realmente preciso ir até o fim com o tratamento, para evitar que, depois de um tempo sem quimio, elas acordem e se espalhem novamente. Claro que essas quimioterapias são fortes, cumulativas, agressivas, e ele ainda pode perder cabelo, ficar enjoado, sem apetite, ter intercorrências consequentes da baixa imunidade e até voltar a internar. Mas... não há de acontecer.

Mas, AGORA, estamos em casa. VIVA! Fim de semana em casa, com meus dois filhotes e visita da Dinda Dani. Vamos ao teatro. Vamos ao supermercado. Vamos comprar o material de construção necessário para a reforma que estamos fazendo em casa. Vamos VIVER, vamos SONHAR. Não foi para poder viver que estamos nessa batalha toda?! Pois então.

Só tem um problema. O Edson não está aqui. Serão mais 15 dias longe... Anda difícil lidar com as saudades, com a falta. Estamos divididos, cada um numa frente de batalha diferente, e ainda por cima com projeto em outra cidade. O Edson está em Porto Alegre, cuidando do show de reinauguração do estádio Beira Rio, a ser realizado em abril de 2014. Foi um projeto com o qual ele sonhou e que plantou muito para ser aprovado, um projeto do qual eu deveria estar fazendo parte, como roteirista... mas estou em campo por outra final de campeonato, não tem jeito. Somos dois atacantes em times diferentes. Ou melhor: somos o mesmo time, em dois campeonatos paralelos. Ou sei lá: vai ver é tudo o mesmo campeonato, somos o mesmo time, e jogamos na zaga e no ataque, somos goleiros e técnicos, e também torcida. Tudo junto. Somos UM.

O relacionamento sofre, sempre, com esse tipo de situação. Tenho falado disso aqui... mas acho que vale reforçar. Nessa semana, a babá do Erik, querida Tereza, ficou no hospital com o Erik por 24h, a Gilza ficou com a Elena, enquanto o Edson veio de Porto Alegre, para que pudéssemos sair e namorar.

Enquanto eu estava fora, o Erik recebeu os palhaços que fazem visitas semanais às crianças hospitalizadas, tipo Doutores da Alegria... Olhem só a pose dos dois! O Erik AMA palhaços.

Lá fui eu, no saltinho, toda maquiada, para sair para jantar, dançar, namorar. Mesmo que o mundo lá fora me parecesse totalmente irreal, surreal, e mais doente e enlouquecido do que nunca. É que eu sei que é muito importante cuidar do relacionamento, dar atenção ao outro, dar uma pausa nos problemas... É exaustivo, gente, para a mulher, pois a gente fica um bagaço, se sentindo a última das criaturas surradas da face da terra. Acreditem. Estou com a raiz do cabelo aparecendo, cheia de espinhas surgidas no estresse, com a sobrancelha por fazer e sem ir à manicure há mais de 6 meses. Não me sinto nada atraente. Além de estar no limite do mau humor, da necessidade de sono tranquilo, sem pesadelos.

Conversando sobre isso no hospital, a enfermeira Patrícia, grande profissional e amiga, comentou que o que elas observam é que 70% dos casamentos acabam quando um filho é diagnosticado com câncer e a mãe se interna para cuidá-lo. "Os homens não aguentam, vão embora, arrumam amantes". Claro que vocês devem estar pensando "que canalhas". É verdade, mas tenham certeza disso: é muito difícil mesmo conviver com uma mulher, fera acuada, nessas circunstâncias. A gente fica chata, intolerante, carente, agressiva. Viramos bichos. Não somos mais aquela doce criatura com quem eles se casaram, aquela pessoa prestativa e amorosa, paciente e cheia de tesão por quem eles se apaixonaram. Toda a nossa energia fica canalizada para uma única frente de guerra. Disse a Patrícia: "Daí, quando a doença acaba, elas olham em volta e percebem que não restou mais nada daquela vida que elas deixaram para trás, e isso é péssimo... é uma nova guerra para travar, a da reconstrução da vida".

Mas eu tenho um grande parceiro, um cara realmente especial ao meu lado. Estamos juntos, mesmo que longe, e vamos vencer também essa distância... E os teus gols aí em Porto Alegre, meu amor, estão sendo muito comemorados aqui por nós também. Amooooo você. ;-)

Retroativamente: nessa 5a. feira, antes de viajar, o Edson foi à noite ao hospital, levou a Elena. Algo totalmente irregular, à revelia da enfermagem, querida Daisy, que resolveu fazer um formulário todo para justificar a subida de uma criança à noite, sem autorização da assistência social. Quando ela estava terminando de preencher a ficha o Edson já tinha subido, sei lá o que disse na portaria, ele e o seu charme irresistível. A foto preto e branca foi tirada lá. A Elena tinha chorado as pitangas durante a semana, dizendo que queria visitar o mano no hospital... Ficou encantada de subir. E o Erik encantado de recebe-la. Fizeram a maior festa. Ela fez curativos nos brinquedos dele (que ele não para de jogar no chão e quebrar), fez amizade com as enfermeiras que emprestaram pedacinhos de esparadrapo... Difícil foi a despedida, sabendo que o Edson iria passar tantos dias longe... para o Erik, que ficou aos prantos, e para mim que tive que consolá-lo e fiquei também sem consolo... Quando vimos, o Edson apareceu na porta novamente, olhos vermelhos, dizendo que ficou ouvindo ele chorar do corredor e não aguentou, teve que voltar. Choramos os quatro, abraçados. O Edson pegou o Erik no colo para fazê-lo dormir, e eu peguei a Elena. Nossa sorte é que, embora na enfermaria coletiva, estávamos só com o parceiro Saulo e seu filhinho Mateus... Que não se incomodaram com a nossa bagunça. Obrigada, Saulo.

A Hematinho anda meio vazia. Dizem que é porque agora temos outro hospital público com hematologia infantil na cidade, o Hospital da Criança, em Vila Valqueire. Eles andam absorvendo novos pacientes... e tivemos, felizmente, muitas altas. Tá todo mundo em casa, cuidando da vida. Minhas parceiras de guerra e seus pequenos guerreiros. Amo vocês todas.

Por aqui, tenho pensado em outros projetos para o INCA. Entre eles, fomentar esse nosso grupo de apoio, o "Mães do INCA", para que possamos também dar apoio psicológico, quem sabe até virtual, às mães de crianças em tratamento e garantir que elas possam, no meio do turbilhão de suas vidas, cuidar dos seus casamentos. Pois a vida está nos esperando lá, do lado de fora do hospital, meninas.

Sobretudo, tudo isso que estamos passando é um grande exercício de amadurecimento. Para nós, como mães e mulheres e pessoas e donas de casa e profissionais; para nossos filhos que adoeceram; para os seus irmãos, que estão tendo que aprender a não mais apenas dividir a atenção, mas a abdicar da atenção que recebiam antes, que já era dividida; e também para os nossos maridos, pais, profissionais, homens que precisam continuar provendo a vida financeiramente, sozinhos, cuidando dos outros filhos, muitas vezes sozinhos, e ainda se preocupando com o filho doente, e mais: tendo muita paciência com suas mulheres-bicho, controlando a ansiedade por uma vida normal e segurando a libido, guardando para depois, um dia quem sabe, pois nessas horas, temos que estar juntos, como um time, cada um na sua posição, jogando pela vitória, que será de todos...

Agora, na próxima 3a. feira, dia 08/10, teremos a Festa do Dia das Crianças, organizada pelo INCA Voluntário há 10 anos. Por influência da amiga Bia La Greca, estamos levando o palhaço Topetão para fazer um show. Tenho certeza que o Erik vai adorar. Desta vez, irei ao INCA por pura diversão. Dá para acreditar? Aproveito para agradecer não só a Bia, mas também a Maria Mazzei, a Xuxa, ao Ziraldo, ao Eduardo Figueira, à GloboSat e todos os que fizeram doações para alegrar a vida dos nossos filhos.

Novas ideias de projetos estão surgindo, e estamos tateando qual a melhor maneira de implanta-los. Algumas coisas precisam necessariamente passar pelas vias institucionais do INCA, principalmente quando afetam os pacientes internados. Outras, nem tanto, pois cuidam da vida cá fora. Uma das idéias para lá é implantar um projeto de leitura, uma biblioteca itinerante, que passe pelos leitos e empreste - ou doe - livros aos pacientes e seus acompanhantes. A primeira doação do Ziraldo, com mais de 90 livros, é um bom ponto de partida para isso. Vamos ver como faremos isso funcionar, pois depende de termos o apoio da Terapeuta Ocupacional, das professoras e do INCA Voluntário. Precisamos de um móvel apropriado, de um espaço para guardar e de quem cuide dos empréstimos. Não é só doar livros. Aliás, conseguir os livros parece a parte mais fácil...

O grupo de apoio às mães, pela Internet, não precisa de nada. Precisa apenas mapear necessidades e botar prá funcionar. Tem muita gente querendo ajudar... e não sabe como, e não quer usar a via institucional do INCA Voluntário. Quer ajudar diretamente quem precisa. Vou pensar num modo de providenciar

Apoio psicológico depende de psicólogos e psiquiatras. Estou aqui fazendo meus contatos, dando uma estudada... Muitas mães precisam deste tipo de ajuda. Eu diria que todas, eu inclusive. O INCA oferece apoio psicológico. Eu mesma já usufrui disto, mas confesso que é complicado ser atendido por um psicólogo no quarto coletivo, enquanto se cuida de um bebê no berço... Comentamos, eu e a psicóloga, que muitas mães usam da Internet como via de desabafo, e eu mesma tenho essa experiência. Mas como dar a isso uma orientação mais profissional, uma continuidade, uma produtividade para a vida da pessoa? Ainda não sei. Mas tenho pensado.

Outra coisa é a assessoria jurídica. Também estou conversando, pensando em entrarmos com uma ação coletiva para obter o apoio do INSS para as mães poderem se afastar do trabalho durante o tratamento dos filhos, dando cumprimento ao ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante esse direito às crianças com câncer.

É isso aí, gente. Podemos canalizar a energia para a choradeira, ou coloca-la toda em coisas produtivas. Reserve-se o tempinho do choro, claro, peça colo, óbvio. Mas não prolongue o sentimento de auto-piedade. Ele é inútil, um saco de tijolos sendo carregado sobre os ombros. Ponha-o no chão. Não fará diferença e a vida a ficará mais leve.

Minha irmã, Biazinha amada. Te admiro muito e estou te esperando aqui no Rio, para te ver brilhar numa nova fase da vida. Mais forte, mais guerreira, mais mulher. ;-)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Meu desejo é ser avó um dia

Nossa última internação programada. Começou a quimioterapia agora, há poucos minutos. Serão 24h. Erik está bem, feliz, alegre, bem disposto. Querendo brincar, viver. Tomara que ele não enjoe muito. Eu estou cansada de estar aqui dentro. Já dava para contabilizar quase 80 dias. Lembro do livro do Júlio Verne, a volta ao mundo em 80 dias, viagem que seu personagem faz em um balão. Penso que são 80 dias de uma viagem transformadora, cheia de percalços, que nos levou à outras dimensões da vida, onde as regras são outras, onde a vida tem um valor diferente. Está terminando. A próxima fase tem dois meses, que serão cumpridos no ambulatório, indo e vindo de 3 a 4 x por semana.

Estamos numa enfermaria coletiva, no momento com 3 pacientes. Todos meninos, um de 17, outro de 10 e o Erik. O de 10 é acompanhado pelo pai, caso raro. Chegamos ontem, hoje vamos para nossa 2a. noite aqui. Preguiça e tédio. Mas, sinceramente, não queremos emoções. Todo mundo torce para que o tédio continue, e o dia passe pontuado apenas pelas 6 refeições servidas, pela hora das medicações, pela hora de colocar o termômetro. Minha distração foi ter criado o grupo do Face, Mães do Inca. Leio lá a experiência de mães que, como eu, vivem esta mesma realidade. Sairemos daqui outras pessoas, com outras perspectivas.

Meu pai deve fazer um retiro de 3 meses no Japão, parte da sua formação como monge zen budista. Temos dito entre nós dois que o INCA é o meu mosteiro. Tudo tão intenso, sem folga, cronometrado. Porém, aqui, não queremos estar centrados no presente, no aqui e agora. Queremos focar noutro lugar, noutro tempo. Acreditar que o futuro é possível, que os sonhos ainda podem ser sonhados.

Meu desejo: que um dia eu e o Edson, juntos, possamos ser avós dos filhos dos nossos filhos. Quero ver a Elena e o Erik com filhos. Eles hão de ser bons pais.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Tentando ser normal

Estamos em casa, em casa, em casa. Nem acredito. No último final de semana até que tive bastante folga: a babá do Erik me substituiu no hospital de sexta pra sábado, e o Edson foi ficar com ele de sábado para domingo. Pude aproveitar um pouco do final de semana com minha prima, Luciana, que veio me visitar, e curtir um pouquinho da Elena (chorosa, manhosa, carernte). Tomamos vinho, conversamos até dizer chega, dormi na minha cama, tomei água de côco no quiosque, comi japonês e tomei banho no meu banheiro. Grandes luxos. Elena foi ao teatrinho no Shopping Barra World, passeou com a dinda e a mamãe. Comprei duas blusinhas e uns óculos escuros. Chorei no colo da Lulu, desconsoladamente. Ando muito sentimental, tipo copo d'água quase transbordando. Se alguém me olhar com simpatia, se uma música disser um verso mais inspirado, se a notícia do rádio envolver alguma tragédia, choro de ficar inchada, soluço sozinha enquanto dirijo... Foi bom ter companhia e a sensação de que podia chorar, dar uma "desabada".

Durante a internação, sonhei que ia ao dermatolgista mostrar umas manchas que tenho na perna e na barriga, que andam se acentuando nos últimos meses. No sonho, o dermatologista olhava para mim e carimbava um cartão azul, dizendo "Isso é caso de Inca". Ele estava me dando uma matrícula no Inca, o que significa ter um diagnóstico de câncer. Pavor, medo. Na verdade, meu diagnóstico destas manchas tem 20 anos: trata-se de uma esclerodermia de placas, uma doença autoimune. Meu corpo se autoagride. Piora em situações de estresse. Amanhã, 4a feira, vou a um médico ortomolecular, que me pediu mais de 70 exames e promete tratar do equilíbrio do meu corpo, reforçando meu sistema imunológico. Vários indicadores estão alterados nos exames e ando com medo de estar doente. Mas não há de ser nada. Só estresse.

No domingo, quando fui substituir o Edson logo cedo no Inca, em seguida à sua saída, chegou o médico do Erik, Dr. Alexandre Apa, e nos deu alta. Está tudo bem com nosso bebê. Teve um pouco de dificuldade em eliminar as toxinas do MTX e tomou um remédio para ajudar a metabolizar, mas fora isso está bem, muito bem disposto, afetuoso, brincalhão e risonho. No hospital todos o conhecem - ele grita de feliz, quase não se vê o Erik chorando. Difícil era contê-lo no berço, cheio de energia e com o acesso do soro... Nossa próxima ida ao Inca é só 5a feira, para exame de sangue e se Deus quiser, antecipação da consulta com o médico. Daí definiremos o próximo bloco, provavelmente dia 03/10, semana que vem, com mais uma internação, que se Deus quiser, será a última!

Com a alta, pudemos voltar para casa e ainda aproveitar o final de domingo em família. Estava com muita dor de cabeça, de mau humor, com dor nas pernas - meu problema de circulação é crônico, tenho varizes desde a adolescência e já operei 3 vezes, mas agora está mais difícil de tratar pq tem associado o problema das manchas da esclerodermia. Em resumo: velhice. São os 40 anos, a idade começa a pesar. Coitado do Edson, que tem trabalahdo 24h e ainda teve que me aguentar azeda. Só melhorei depois de uma noite de sono inteira, me sentindo no limite das forças.

Nesta 2a e 3a feira, estou cuidando da burocracia da vida. Pagando impostos, organizando documentos, falando com o contador, mandando o notebook para o conserto e tendo que reinstalar todos os bancos e emails na máquina que foi reinstalada com o tal do Windows 8, que teve um bug logo na primeira atualização. Passei tendo que contratar um despachante para resolver problemas com o Detran, providenciando procuração para um contador em Porto Alegre resolver pendências na Receita Federal, marcando médico para mim, buscando exames no laboratório, contratando um transporte escolar para a Elena, indo ao supermercado. Chatices, mas trabalhar e lidar com a rotina, acreditem, me faz um bem danado. Uns diazinhos longe do hospital e já me sinto um pouco mais normal. Viva o dia a dia!

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Inca na veia!

Internada com o Erik para nova rodada de quimo. Vamos para a dose 3 de 4, nossa penúltima internação programada. Hoje iniciamos a hiperhidratação e o Antak, remédio para proteger o estômago. Amanhã, 18h, começa a infundir o MTX, um quimioterápico. Paralelamente, durante todos este mês, ele está tomando Mercaptopurina oral, 2 comp por semana. Tipo uma bomba atômica, né não?! Mas está tudo bem, ele está ótimo, 87cm, 14 kg, pura energia e imaginação, falando, cantando e conversando com os amigos internados. Quer correr pelos corredores (e eu atrás, segurando o suporte com o soro!), entra nos quartos e solta: "Oi pessoaaaal!". Ele ainda anda jogando a perninha direita e, de vez em quando, reclama de dor. Fico grilada com isso, mas o médico disse que vamos acompanhar mais a frente com novos exames de imagem, e que a recuperação óssea é lenta e pode ser que ele realmente ainda sinta alguma dor.

Foi difícil sair de casa hoje pela manhã. Difícil deixar a Elena na escola, difícil ficar longe do Edson, maridão... Tive pouquíssimos dias úteis de trabalho e pouquíssimo tempo com a família. Não deu prá colocar a vida em dia. O que me consola é que estamos avançando, sem retardos, a passos largos, para chegarmos a um final vitorioso. Mérito do tratamento adequado e de muita oração vinda de todos os lados, todos os credos, todas as fés. Por tudo isso, obrigada! Mas confesso que, desde maio, quando internamos no Rio's Dor pela primeira vez, já contabilizo 69 dias de internação. Estou cansada, mas ainda não acabou. Ainda temos mais uma maratona pela frente, não dá prá arrefecer!

Quem me trouxe hoje foi o santo dindo Alemão, que ainda aproveitou para fazer uma coisa linda: doou medula óssea, sangue e agora aguarda que o chamem, dentro de um mês para doar plaquetas. Gente, isso é tão, tão importante! Queria muito que todos seguissem esse exemplo.

Na brinquedoteca, hoje o Erik comeu sua primeira bala, dada por um voluntário, o Cláudio, uma simpatia, e seu primeiro pirulito, dado pela pequena Tamara, enfermeira de mão cheia e toda simpatia. Confiram as fotos no Face!

Fiquei muito feliz em descobrir que uma solicitação pequenininha que fiz para o pessoal da administração foi aceita: colocar ganchinhos nos banheiros para podermos pendurar roupa e toalha quando vamos tomar banho. É que não tinha, então precisávamos colocar a toalha e a roupa em cima do vaso sanitário, da pia ou da lata de lixo, 3 lugares muito infectados. Coisa pouca, mas foi um pedido atendido! Sinal que existem ouvidos do lado de lá, que basta falar. O Inca se torna nossa "casa" por meses, precisamos cuidar de onde moramos, não? Outro dia me irritou o cobertor furado, rasgado, puído. Um cobertor que a gente usaria num filme como figurino de mendigo... Não deveria ser dado jamais a um paciente com quem nos preocupamos com a saúde, com a contaminação por bactérias... Um cobertor e um colchão rasgados, humilhante, não? Descobri que ninguém - nem enfermagem, nem médicos, nem camareiras - se sente responsável por mandar trocar algo que deveria ir para o lixo. É como se caísse no vazio a reclamação. Disseram que a gente deveria reclamar na ouvidoria. Quem deu uma solução foi a simples camareira. Pegou o cobertor e terminou de rasgá-lo... piscou o olho e disse: "Agora não volta mais da lavanderia, pois se estiver só furado e puído, eles lavam e mandam de volta!". Perguntei: mas de quem é a responsabilidade de dizer que uma coisa não presta mais, deve ir para o lixo e ser substituída?!". Parece não haver ninguém. Cabe a nós, pacientes e familiares, reclamarmos, vermos o que está errado.

Sobre o colchão, falei com a pessoa da administração que esteve no quarto por outra razão (a mesma que deve ter providenciado os ganchinhos de parede), ao que ela me respondeu: "Vocês precisam reclamar, temos colchões novos no estoque, quando passamos nos quartos as camas estão feitas e não vemos isso..." . Falei ainda da insegurança dos berços... meu bebê corre o risco de queda, usa uma pulserinha amarela. Mas quando se levanta no berço, a grade bate na cintura dele, ele facilmente emborcaria levando os acessos ao soro com ele, um acidente horrível. Com isso não posso me afastar do berço nem um segundo! É um tipo de berço que jamais passaria naqueles testes do InMetro, sabem? Ela viu, se espantou, voltou mais tarde com alguém da manutenção para tentar estudar uma solução. Pelo visto ainda não chegaram a uma conclusão, mas fui bem atendida.

O grupo "Mães do Inca", no Facebook, aberto a familiares, pacientes e amigos, está crescendo exponencialmente. Creio que temos ali um espaço para nos apoiarmos, o que é fundamental! Bom, quem me conhece do passado deve estar lembrando dos meus tempos de Grêmio Estudantil e Centro Acadêmico. E depois como jornalista, lógico. Claro que isso me deu uma certa experiência em não me conformar com o que vejo de errado, em lidar com instituições e com o poder público, em conhecer os direitos do cidadão... Não seria agora que eu iria ficar calada, na situação mais crítica da minha vida e com a saúde e bem estar do meu filho em jogo! Espero que todas essas mães percebam isso - que têm voz, que podem e devem exigir mais da saúde pública, da instituição, do governo, dos profissionais que nela trabalham.

A lista de problemas é grande! Listo alguns, dos mais diversos, estruturais, de infraestrutura e algumas perfumarias que tornariam o processo todo menos doloroso:

Falta roupa de cama, colchões, travesseiros; falta a limpeza do ar condicionado ser regular, há dois anos não é feita e muitos pacientes estão sofrendo de sinusite crônica, sendo obrigados a cirurgias dolorosas (poderia ter sido essa semana, estamos com vários leitos vazios!), faltam berços mais seguros; faltam camas decentes para os acompanhantes; faltam fraldas de tamanho M, G e XG, pois eles só dispõem de uma fralda horrorosa, que dá assadura, e só nos tamanhos P e adulto; falta a abertura de novos concursos para enfermeiros e médicos especialistas; a jornada de 30h para a enfermagem; salários atraentes para médicos especialistas; terapeutas ocupacionais que garantam a abertura da brinquedoteca em horário comercial (hj abre das 10h às 12h, o resto do tempo fica fechada); um espaço para os adolescentes (que tal uma lan house?); assistência psicológica efetiva para os familiares e acompanhantes de pacientes com câncer; direitos de aposentadoria para quem acompanha um paciente com câncer, ainda que provisória, independente da renda familiar; falta um espaço de convivência para os pacientes e familiares internados (uma sala de estar, p. ex.); cursos profissionalizantes para quem precisa retomar a vida e manter uma renda enquanto acompanha um paciente; e certamente faltam equipamentos e técnicos que garantam mais agilidade nos exames de alta complexidade; faltam suportes para soro com rodízios que funcionem; faltam vagas (4 pacientes por quarto com 4 acompanhantes é quase insalubre); falta uma decoraçãozinha mais alegre (o Erik ama os quadros de peixe da ala da pediatria, já contei); falta uma limpeza mais acurada nos quartos e banheiros (limo e mofo não são aceitáveis num hospital!), etc,
etc.

Vou fazer elogios, também: o atendimento é imediato, os enfermeiros são dedicadíssimos, os médicos atentos. Uma equipe de parabéns, fazendo mais do que podem. Uma gente que merecia ser reconhecida e motivada, aplaudida de pé. Gente que abraça uma das profissões mais difíceis do mundo e que precisea ser valorizada.

A ordem dos nossos novos tempos é: não se conforme com pouco. Vocês, todos nós, merecemos mais.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Um "Sim" no meio da tempestade.

Saudades do meu amor, Edson Erdmann. Eu cá, em terras fluminenses, cuidando das crianças, função Erik-doente-Elena-carente, e ele lá, cuidando do trabalho em Porto Alegre, no momento, meu reino tão tão distante. Alguém tem que sustentar a vida, eu sei. Queria ele comigo o tempo todo, dividindo cada momentinho do Erik, dando suporte para a Elena enquanto eu tenho que estar internada... Mas e quem cuida "do lojinha"? Para que eu possa me afastar do trabalho, ele tem que ser full time na produtora... e com projetos fora da base Rio, não tem jeito... a gente acaba se encontrando pouco. Isso é triste, dói no fundo da alma, vai dando aquela sensação de solidão... uma saudade chata, meio revoltada...

Quero misturar mais. Dividir mais, nem tão lá nem tá cá. Nem sempre é possível, tem horas que a gente tem que se dividir para depois poder somar, e isso também é parceria, casamento... um cuida do leme, outro rema desesperado, um tira a água do convés, enquanto outro estuda o mapa... Enjoada de tanto mar, tanto sal, quero ver a margem do outro lado... terra firme onde a gente se encontre e possa lamber nossas feridas.

Sei que muita gente passa por isso na situação de um filho doente... ter que administrar os outros filhos, a casa, o casamento e ainda manter as finanças em dia... Hoje paguei contas que venciam dia 05, todas atrasadas. Claro, era para eu estar de volta até o dia 05, mas acabei prorrogando a internação do Erik por causa da dosagem do MTX, como expliquei no post passado. Foram 7 dias internada, quando a previsão inicial eram 3 dias...

Acaba que todo mundo sofre. Eu, ele, as crianças. Felizmente, contamos um com o outro, é uma parceria sólida, honesta, disponível, sei que é prá vida toda, pro que der e vier. Sabemos das escolhas que fizemos, das dificuldades que teríamos que enfrentar. Sabíamos que teríamos que encarar eventuais distâncias. Mas que droga, tem horas que é tão difícil! Tão difícil ser consciente e maduro o tempo todo...

Ando com tanta peninha da Elena, minha filhota, princesa, boneca... ela está super-hiper-carente. Ao me ver ontem, primeiro euforia, em seguida choradeira. Toda tristonha, problemas na escola... Neste final de semana que passou, o Edson teve que ir para Porto Alegre, e eu tive que ficar internada. Felizmente, minha mãe e minha irmã, Bia (ainda de luto, tudo tão recente...), estavam no Rio. Fiquei triste por não ter podido estar com elas, mas por outro lado, grata por elas estarem com a Elena, caso contrário, como seria?! Ela ficaria entre a babá, o dindo Alemão, a dinda Gilza... que são maravilhosos, gente com quem eu conto feliz, carinhosos e disponíveis, mas... que não substitui o colinho de mamãe, né? Ela foi para a praia com a Bia no domingo, passaram a tarde juntas e adivinhem só... pediu para chamar ela de mãe! Fiquei prá morrer. Não por ciúmes, me entendam, mas por dó, de perceber o quanto ela sente minha falta, falta do carinho de mãe... Que que eu posso fazer? Como fazer mais do que eu estou fazendo? Queria me rasgar em duas, para atender os dois. Não, em três, para também poder estar com o meu maridinho... não, em quatro, para também poder dividir com ele o trabalho, adoro trabalhar! Sou mais feliz e bem humorada trabalhando! Na verdade, queria ser cinco, pois uma cuidaria de si mesma: iria aos próprios médicos, caminharia na praia, tomaria um chope no final da tarde com os amigos, faria academia, yoga, cuidaria da horta, gerenciaria a reforma da casa que parou, leria mais, que me faz muita falta um bom livro, iria ao cinema, faria um novo curso de roteiro - não, talvez um de poesia com o Ferreira Gullar na Casa do Saber, o que eu ia adorar, tipo assim madame no meio da tarde, iria à praia para ficar estendida na areia "quarando", cheia de preguiça até para ler jornal e claro, dormiria uma tarde inteira, sem se preocupar com NENHUM compromisso. Ah, desculpa amiga Danielle, iria ao salão, que minhas sobrancelhas já viraram taturanas, e não faço as unhas há mais de seis meses...! Um shopping-cinema-restaurante também vinha bem. Mas essa vida ficou prá trás... E lamentá-la é perder tempo... tempo de ser feliz com o que tenho, com o que posso. Pois "a vida é cheia de possibilidades", já diria o anão do Game of Thrones, mesmo depois de dilacerado, perseguido, acusado, enganado, rejeitado, afogado e ressuscitado.

Conheci muitas amigas maravilhosas que tinham irmãs/irmãos especiais. Essa é uma parte da história - a de ser irmão - que é muito complicada, mas que também transforma a criança para sempre, a torna diferente. Em geral, a torna melhor. Foi o que aconteceu com essas amigas admiráveis de que eu me lembro e que sempre me marcaram muito. A doença do Erik está nos tocando e transformando a todos, e certamente está tocando a Elena muito profundamente, transformando a vidinha dela de princesa, obrigando a amadurecer. É a história dela também.

Que tudo isso só nos fortaleça e nos faça melhores. Tenho certeza que fará. E, Edson, amor da minha vida para todo o sempre, minha resposta é "SIM!". Mas quero tempo para poder escolher um vestido de noiva bem bonito, tá? E preciso emagrecer para caber nele. E tá difícil não comer chocolate quando estou internada... E antes que penses diferente: EU TE AMO e sim, tu existes, graças à Deus. Se não, o que seria de mim?

sábado, 7 de setembro de 2013

Sabadão no INCA - Um 7 de Setembro diferente

Há dias não escrevo no blog, mas acredito que a turma esteja atualizada pelos posts do Face... Foram dias de muita atividade.

Em primeiro lugar, para tranquiliza-los: o Erik está bem, dentro do previsto, dentro do quadro! Estamos agora no INCA, internados ainda, em função do segundo bloco de MTX´(serão 4 blocos ao todo), da fase de intensificação. MTX é uma quimioterapia que fica pingando no sangue do paciente por 24h. Ou seja, estamos cumprindo o tratamento direitinho, sem grandes desvios. Infelizmente, era para eu sair hoje, mas o exame de sangue dele ainda apresenta traços da quimio e eles tem por critério esperar ficar abaixo de 0,4 para liberá-lo. Está 0,52, próximo do ideal, mas ainda não ideal. O saco é que amanhã é domingo, vão colher o exame novamente mas não sei se já terei liberação do exame a tempo de me darem alta... É possível que só saíamos na 2a. Ou seja, o que idealmente era 3-4 dias de internação, já são 5, e se tornarão 6 ou 7. Snif.

Na primeira internação de MTX, o Erik chegou aqui com uma conjuntivite viral, lembram? Depois ele teve febre alta, sintomas de uma bacteremia e bastante diarreia, daí descobrimos que estava com uma bactéria boba, chamada Clostridium Dificili. Foi um susto, febrão e calafrios... Tomou antibiótico bonitinho e ficou tudo bem. Desta vez não tivemos nenhuma intercorrência.

Essa semana foi o aniversário do Erik. Minha mãe e minha irmã Bia vieram de Porto Alegre passar uns dias no Rio, o vovô Edgar também apareceu e comemoramos em casa, bem intimamente, na última 2a. feira. Na 3a. viemos para o hospital para a internação. Não tinha vaga... e nosso médico aqui, Dr. Alexandre Apa, estava possesso, pois a vaga reservada para o Erik na hematologia estava ocupada por um paciente da Pediatria. Ele deu o jeito dele, fizeram várias mudanças de leito e a vaga do Erik acabou saindo. Esse assunto merece um parênteses. Coisas políticas de hospital... Acontece que a hematologia pediátrica - onde são tratados os pacientes com leucemia e outras doenças do sangue - está subordinada ao setor de hematologia geral do hospital, que atende tanto crianças quanto adultos. Atualmente temos uma área só para crianças, mas os médicos atendem os dois setores... Não são pediatras, portanto, mas especializados em hematologia apenas. Já a oncologia pediátrica é um departamento específico, com uma chefia única. Os dois setores andam meio de birra um com o outro... Na hematologia pediátrica, temos 12 leitos, e na pediatria são 18. Na pediatria sempre faltam leitos, os casos são muito frequentemente mais graves e cascudos do que os da hematologia, e um setor invade o outro com frequência. Porém, os cânceres do sangue são graves, importantes, frequentes, e merecem cuidados especiais. Buenas, para resumir, ando pensando no que seria o mundo ideal... Puxa, são 50 mil casos de câncer hematológico diagnosticados por ano no Brasil. Não era de termos um hospital especializado nisso?! Uma ala com médicos hematologistas pediátricos?! Caramba. Esse é o hospital de referência do Governo Federal. Tem taaaanta coisa a ser feita. Tanta.

Enquanto esperávamos esse lance da vaga se definir, montamos na brinquedoteca a festinha de aniversário do Erik, com a presença da Galinha Pintadinha... Isso foi muiiiiito legal, mas teve um episódio tragicômico. A Galinha, com seu visor no bico, não viu o pobre do Erik correndo para abraça-lo. Ele levou um chute homérico e passou boa parte da festa chorando com medo dela, muito magoado. Dava pena de ver... rsrsrsrsrsrs tadinho do meu filho! Mas super-valeu. No final ele adorou. E as outras crianças curtiram bastante também, e deu para a Galinha ainda visitar os quartos e a CTI, para levar um pouquinho de alegria para os pacientes que não puderam sair dos seus leitos.

Neste meio tempo, desde a útima internação, vocês sabem que fui chamada por duas mães para conhecer uma moça que tinha recém sido internada com o filho. Imaginem só a situação. Ela estava grávida, de 7 meses, quando descobriu a doença do filho. Mora em Campos de Guaitacazes, com o marido, que já tinha um casamento anterior com 5 filhos. Ou seja, ele está partindo para o 7o. filho. É caixa numa loja. Ela está sozinha no Rio, pois para ele vir de lá, só perdendo o emprego, e daí eles vão viver do quê? Bom, a idéia das mães era organizarmos um chá de bebê para essa mãe, pois ela não tinha ainda enxoval para o bebê que iria nascer... E eu tinha tido uma vizinha de leito que também estava grávida, com o filho em uma rescidiva. Já tinha falado dela aqui, foi uma pessoa que me fez dar algumas risadas durante a nossa primeira internação. Cláudia, uma palhaça. Também grávida de 7 meses. Resolvi apelar para o Facebook e pedir doação de coisas para montar um chá de bebês para as duas. Vejam pelas fotos o resultado! A coisa foi crescendo, tive amigas novas que encamparam a causa, como a Bia La Greca, a Renata Real e os velhos parceiros para todas as guerras, como o Alemão, padrinho do Erik. Todos se mobilizaram, multiplicaram, e o milagre se fez. Juntamos coisas suficientes para 6 enxovais, e descobrimos outras mães necessitadas. Posto as fotos para ficarem registradas aqui.

Mas preciso contar como isso rolou, pois foi confuso prá caramba no dia! Marquei o tal do chá de bebês para ser feito na brinquedoteca. Daí descobri que no mesmo dia estava agendada uma festa de aniversário do Fábio Henrique, amiguinho do Erik e filho da minha já amigona Thauana, colega de várias internações. Combinamos nós duas de fazermos primeiro a festinha dele, às 15h, e depois o chá de bebê, aproveitando a mesma decoração. Tínhamos coisas que sobraram da festa do Erik e também coisas de decoração doadas pela amiga Danielle, da Festa das Comadres. Depois de alguma negociação entre vários setores (professora das crianças, enfermeira chefe, nutrição, mães), estava tudo combinado, na 4a, para que isso rolasse na 5a.

Na noite de quarta, um dos nossos colegas de quarto, começou a passar mal... e teve 3 convulsões ao longo da noite. Acabou indo para o CTI pelas 4h da manhã, depois de, durante uma convulsão, arrancar o acesso e provocar uma sangueira na sua cama. Ficamos todas muito envolvidas com a situação dele, e portanto, não dormimos... Muito estressante, muito triste, muito preocupante. Talvez tenha sido resultado da quimioterapia, ou da própria doença, mas o fato é que ele teve uma isquemia... Dureza. Estava acompanhado de uma prima, pois a mãe dele é uma pessoa muito nervosa. A família resolveu não informa-la durante esses episódios, pois de nada adiantaria (são do interior) fazê-la vir para, estando aqui, não conseguir lidar com a situação com tranquilidade. Decisão difícil, pensei na hora...

Pois então. No dia seguinte pela manhã fiquei recebendo várias doações que chegaram tardiamente - gente que morava mais perto do centro e preferiu vir entregar tudo aqui. Foram umas 3 pessoas em sequência. Aí veio o chefe geral da enfermagem... e me disse que na verdade não poderíamos fazer o que estávamos fazendo, que ele entendia a intenção e faria de tudo para encontrarmos uma solução, mas que a coisa tinha deixado de ser algo pequeno para se tornar um evento e que acabou chegando aos ouvidos dele... e que no hospital eles tinham uma série de regras que ele é obrigado a seguir. Todas as doações precisam ser protocoladas no INCA Voluntário, que é o setor responsável por isso, e que cadastra as pessoas que precisam e distribuem conforme acham mais adequado; que eles não podem autorizar eventos para distribuição de coisas nas dependências do INCA, pois isso vira uma tremenda bagunça e que ele então precisaria informar o pessoal do INCA Voluntário para encontrar uma solução. Em cerca de meia hora, chegou o Alemão com o carro lotado de coisas. Enquanto ele entrava no quarto, acompanhado da Bia La Greca, no mesmo momento em que uma das doadoras estava no quarto (pensem que é uma enfermaria com 4 leitos ocupados por pacientes e seus acompanhantes) cheia de sacolas, chegou o pessoal do INCA Voluntário, com o assessor de imprensa deles e mais o pessoal da enfermagem... neste exato momento, chegou a mãe do menino que tinha passado mal e viu o leito dele vazio. Ela teve um ataque, gritou muito e, na sequencia, desmaiou, tendo que ser atendida pela enfermagem, pela prima que cuidava do filho e também pela psicóloga que já estava de plantão, além do médico. Vocês conseguiram imaginar a cena? Confesso que eu tremia dos pés à cabeça nesta hora, foi muito punk!

Bom, a mãezinha essa foi atendida na sala de curativos, foi medicada, voltou a si, visitou o filho na enfermagem e acabou voltando com o seus familiares para casa - ela realmente não teria conseguido manejar a situação da noite anterior e a prima dela estava certa, era preferível que ela ficasse casa...

Quanto ao chá de bebê, foi lindo demais. O INCA Voluntário deu um jeito, claro - nos cedeu o saguão do auditório, no 8o andar. Como Deus provê tudo, filamos até o lanche - estava tendo um curso no auditório e o coffe break foi cedido para nós... rsrsrsrsrs... Mas ficou combinado que, das próximas, agiremos em conjunto. E já tenho outras missões - agora estou empenhada em ajudá-los a fechar o elenco da festa-show do dia das crianças, a ser realizada dia 08/10, das 12h às 16h. Precisamos de 2 números musicais que façam a festa da garotada... e doações de brinquedos novos para compor os presentes deles! A festa é para 300 pacientes e seus acompanhantes.

No Chá de Bebê, quatro das seis mães cadastradas compareceram (só uma estava com o filho internado), e eram pessoas que precisavam mesmo muito de ajuda. Vale dizer que a grávida que está com o filho internado também está internada na maternidade, pois teve pré-eclâmpsia. Foi substituída pelo marido, que está aqui cuidando do filho... Conseguiu férias de 15 dias na loja em que trabalha em Campos e veio... Como será depois, só Deus sabe...

Muitas das coisas doadas foram lindas, compuseram enxovais completíssimos e kits de fraldas muito bons. Elas - e ele - saíram daqui emocionadas e felizes. Pensei muito no que dizer na hora da distribuição e compartilho isso com vocês: aqui, nos tornamos irmãs, irmanadas pela mesma dor, pelas mesmas preocupações. Mas a vida é feita de dor e alegria, e junto da doença, novas vidas se formam, e precisamos celebrar a vida quando ela vem. Apesar de tudo que estamos passando, elas estão grávidas, gerando novas vidas para esse mundo maluco, e isso tem que ser comemorado, tem que ser um momento de alegria e felicidade. E o que fazem as irmãs quando uma engravida? Montam chás de fraldas. Dão mimos. Fazem vontades, mesmo as mais extravagantes. E isso é saúde, também, é a saúde da família, e promover saúde é nosso papel, protege nossos doentes.

Algumas pessoas estão insistindo em me elogiar. Não, não, não. Eu não sou especial. Quero dizer que a Luciana, a Rosana, a Thauana, a Rosângela, a Cielle, a Suzana, a Carla... todas estas, e muitas outras, foram responsáveis por este momento do chá de bebê, pelas festas de aniversário dos nossos filhos e por dar o pontapé inicial nesta corrente do bem que se formou. Elas foram incríveis, e o são em todos os momentos aqui, socorrendo umas às outras. Somos todas filhas de Maria, e é a necessidade que nos torna especiais. Nossa cruz, nossa missão, nossa benção. Isso nos torna irmãs, manas. Que elas saibam que podem contar comigo, e se eu tiver qualquer canal - qualquer um - que eu possa usar para ajuda-las, eu vou usar.

Esse não é um 7 de Setembro comum para mim. Não tem desfile, ouço bombas de protesto e sirenes de polícia somente à distância, mas estamos aqui cumprindo nosso papel de soldadas da família brasileira, cuidando de quem precisa de cuidado. Sigamos em marcha, portanto, cada um no seu posto. Seja qual for o seu posto (você sabe qual é?), cumpra o seu dever, cidadão...

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Hoje grandes emoções.

Comecei o dia sobressaltada por pesadelos, sonhos confusos. Sonhei que era obrigada a matar pessoas, por uma espécie de máfia. Primeiro era eu, depois não era eu, depois era eu de novo. Isso se passava em Porto Alegre, e eu tinha que fugir, e fugia pelo meio de uma antiga favela que existia à beira do Guaíba, onde hoje é a frente do Museu Iberê Camargo. Aí tinha o Guaíba, e lá estava eu com o Erik, e o Erik mergulhava no rio, brincando, mas ele submergia e eu ficava apavorada, pois não conseguia vê-lo, no rio barrento e sujo. De repente, ele voltava à superfície, e então mergulhava novamente, e eu me arrependia de não tê-lo tirado da primeira vez. E então eu procurava refúgio em meio aos casebres, para escabar da gangue que me obrigava a matar pessoas. Enfim, imagina o psiquê da pessoa aqui. Estou meio doidona, decerto. Mas diz um post do facebook hoje que ser normal é a meta dos fracassados, então, esta sou eu, que além de ter pesadelos doidos, os conta em posts públicos. Psicólogos de plantão, façam-me um favor: NÃO EM ANALISEM. Não há nada para analisar.

Enfim, estava preocupada com o horário para acordar, pois hoje pela manhã deveríamos ser os primeiros a subir para o centro cirúrgico. Mas... foram passando as horas e nada do maqueiro vir nos buscar. Fui perguntar o que acontecia (Erik de jejum, já reclamando), e então me caiu a ficha da gravidade da tal bactéria que o Erik pegou, a Clostridium Difícilis, que nos manteve no isolamento. O pessoal do centro cirúrgico deixa por último quem está em isolamento, por precaução de contato. Quando fomos finalmente chamados, subimos em elevador travado só para nós, não pude ficar na sala de espera com os outros, mas como não tinham onde nos colocar, nos puseram num cantinho cercada de biombos. Ao nosso lado, uma mulher chorava copiosamente, com muita dor de cabeça e medo de tomar morfina pela primeira vez.

Desta vez, me achei esperta: levei um livro de poemas da Cecília Meireles, que amo de paixão, para ler, mas... percebi que todos os poemas de que eu gostava falavam de morte, despedidas eternas, sofrimento... Bem, assim são os poetas. Ela escreve divinamente. Ainda vou compartilhar aqui os poemas que mais gosto e mais me dizem coisas nestes momentos.

Entrevista com a anestesista, sempre as mesmas perguntas. Alertei a essa - que era a primeira vez que eu via - que ele precisava, depois do procedimento, ficar pelo menos meia-hora na horizontal, para a quimioterapia ter o efeito esperado e espalhar-se igualmente pela coluna e que, da última vez, ele acordou da anestesia logo em seguida e foi muito difícil mantê-lo parado. Ela então disse que coordenaria a dose para ele dormir um pouco a mais. Ele foi levado para o centro cirúrgico e o anestesiaram no meu colo. Já disse como odeio vê-lo adormecer... Cantei para ele baixinho, para que sentisse minha presença, até que me mandaram sair.

Fui para a sala de espera novamente, e na TV estava o raio de um jornal comandado por uma mulher sensacionalista que explorava a dor de uma mãe que há 6 meses mantinha o quarto do filho intacto, desde que ele desaparecera. Felizmente a enfermeira se tocou que aquilo não era programa para quem estava naquela sala e trocou o canal. Não demorou muito e, em seguida, o Erik foi liberado - procedimento rápido. Não pudemos ir para a sala de recuperação, novamente por causa da precaução de contato. Fomos direto levados para o nosso quarto... Ele dormiu uma hora e meia, a anestesista caprichou mesmo na dose.

A a médica residente me explicou que de agora em diante, por causa deste episódio, todas as vezes que internarmos, teremos que ficar em isolamento. Ainda não aceitei isso muito bem, pois... como vai ser então quando, na próxima fase do tratamento, voltarem as quimios ambulatoriais? Não vamos poder frequentar o ambulatório? O Erik não vai mais poder ir na brinquedoteca? Mesmo depois de curado, depois de todo o antibiótico? Então essa bactéria é multiresistente? Mas se fosse, então o antibiótico não estaria fazendo efeito... enfim, fiquei confusa. Acho que preciso tirar essa informação à limpo... Perguntei se não podíamos ter alta ainda hoje, na volta do centro cirúrgico, mas eles preferiram me manter aqui por mais 24h, pelo menos, para observação. Fiquei muito frustrada. Queria que passássemos o final de semana em casa. Há 10 dias que não vejo o Edson... São 10 dias longe da Elena, com apenas um dia de intervalo em que fui em casa. Deprê.

Pedi então para a enfermeira que olhasse o Erik enquanto eu tomava um banho, e expliquei que precisava também comprar fraldas para ele... Ela se propôs a levá-lo para o centro de enfermagem enquanto eu tomava banho e descia um pouco para ir na farmácia. Foi um respiro sair, mesmo que por um minuto... Mas, na minha volta, ele havia vomitado. Estava feliz da vida, com 3 balões coloridos, fazendo farra e tirando fotos na enfermagem (o que me leva a crer que a coisa do isolamento é assim... relativa...), todo vomitado. Que beleza. Deve ter sido a dose extra de anestesia!

Bom, o Erik também precisava de banho. Organizei a banheira, enchi de água, trouxe ele, e, no meio do banho, novo episódio de vômito, dentro da banheira. Que legal. Tirei ele o tanto que deu, troquei a roupa de cama, coloquei ele na cama limpinha, de roupa nova, passei todos os soros por dentro da camisa. Ele pediu suco... dei um suco de uva que estava aqui e... na seqüência (desculpem, adoro tremas e sou revoltada com a reforma ortográfica que baniu essas queridas) um vomitão gigante pintou de suco de uva toda a roupa de cama e ele inteiro, inclusive o curativo do cateter.

Beleza. Chamei a enfermeira, montei de novo a banheira, dei banho, troquei mais uma vez a roupa de cama, a enfermeira trocou o cateter, eu passei tudo pela manga da nova camiseta e coloquei ele sentadinho para ver tv... e me virei, para estender a toalha no varalzinho da varanda. A copeira trouxe a janta, colocou na mesinha aos pés do berço e o Erik se entusiasmou e engatinhou, dentro do berço: "Papá, papá!!!". Adivinhem o que aconteceu?! Desconectou o plug do soro do cateter e em vez de entrar soro, saiu sangue, muito sangue, por todo berço! Dei um grito de susto, pulei para o lado dele, peguei o caninho e apontei para cima, jorrando sangue tipo chafariz, chamei o colega de quarto para que gritasse pelas enfermeiras, ele saiu gritando: "O Erik está sangrando!!!", no mesmo momento eu, pela primeira vez, apertei o botão vermelho de emergência... e achei o plug do soro, ao mesmo tempo que a enfermeira entrava e me dizia: "Pluga isso aí!" e eu pluguei, e o sangue parou. Minhas pernas bambearam. Confesso que, com essa, fiquei nervosa. De verdade.

Enquanto elas discutiam se o cateter tinha sido contaminado ou não, o Erik não parava de gritar: "Papá, papá!". Dei a comida dele na cama ensanguentada, para ele se tranquilizar, ao mesmo tempo que a enfermeira refazia o curativo do cateter, torcendo para que não tivesse sido contaminado e me dizendo que também tinha ficado bamba, achando que ele estava vomitando sangue, já que ele havia vomitado 3 vezes, e que já tinha se imaginado chamando a emergência da CTI para o Erik... Ave Maria. Nem quero pensar nisso. Todos os dias passo pela frente do CTI e vejo as mães na porta, chorando. Respirei fundo, troquei toda a roupa de cama novamente, jantei minha janta fria, e cá estou. Exausta.

Recebi a visita de uma amiga, uma dessas amigas que a gente faz nestas situações malucas. Conversamos sobre como podemos, estando aqui, não nos deixarmos atingir, tocar, influenciar, umas pelas dores das outras. É impossível. Ela estava emocionada, pois se encheu de esperança tendo conhecido outra criança que teve o mesmo Linfoma Não-Hodking que o seu filho, que é um lifoma raro, e essa criança se curou... Ela estava abalada emocionalmente, desde a semana passada, quando me viu receber a notícia do falecimento do Gabriel, e não tinha entendido porque eu estava chorando, achou que era algo com o Erik. Ficaram todos abalados aqui, depois que eu sai para viajar para o enterro, pois cada sucesso e cada fracasso mexe com todas nós, nossos medos e nossas esperanças. Todas estas histórias estarão para sempre nos meus sonhos e meus pesadelos.

Meu pai-monge recebeu um contato de uma amiga que a Bia fez no hospital, que também perdeu a filha há alguns meses e ainda não se conforma. Ela pedia ajuda espiritual. Choro por ela, e a tenho no meu coração... Ela vai conseguir superar, por mais difícil que seja.

Estou cercada de histórias, e NÃO CONSIGO SER INDIFERENTE. Mas dói em mim, cada uma delas, como se fossem minhas. SÃO minhas.

Chorei ontem, com uma mãe que veio aqui, conhecer o Erik. Ela disse que ficou muito tempo internada neste mesmo quarto em que estou, e que o filho dela, de 1 ano e meio, morreu há 6 meses, não resistiu. E ela desde então não tinha mais vindo no hospital, mas então decidiu vir visitar, pois tinha conhecido e se apegado a tanta gente... Na verdade, parecia ela própria meio alma penada...

Hoje soube de outra mãe amiga, preocupada com o seu filho. Além de estar com leucemia, ele é autista. Estão tentando "zerar" a medula dele, para que possa receber uma medula nova, de um doador que já existe, mas a medula não zera... E a carga de quimio está pesada demais...

E hoje vieram me apresentar uma menina que teve também LLA, como o Erik, mas que agora está no controle, curada, depois de um transplante bem sucedido. Uma história de sucesso.

E hoje aquela outra mãe, que está agora no 21o. dia do transplante do filho, veio aqui apenas para me dar um beijo. O filho dela já está aguardando para ter alta, basta que volte a comer, a medula pegou, deu certo o transplante... E fico tão feliz, tão feliz por ela.

Não me elogiem. Este blog não deve servir para alimentar minha vaidade, pelo contrário... Ele apenas me torna mais uma, uma que tem voz, porque se uns escrevem, outros dão injeções, outros limpam o chão vomitado de alguém, outros entregam a roupa limpa, outros trazem a refeição, outros dão diagnósticos, e muitas, muitas mães enxugam lágrimas de medo e enchem o coração de esperança a cada sucesso. E somos todos iguais, cada um no seu ofício, cumprindo seu destino. E vaidade é uma ferida, orgulho é uma chaga.

Paizinho, obrigada. Obrigada por abraçar essas missões. A minha missão, minha história. Nossa história. Nossas histórias.

O que será que eu vou sonhar essa noite, gente?!