Coragem Erik!
Blog que acompanha a batalha do nosso pequeno Erik, de 1 ano e 9 meses, contra a Leucemia. Escrito durante a nossa internação no INCA-RJ.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Carta de uma mãe para e sobre os médicos do seu filho
Ao ver o esforço dos médicos que tratam do Erik – seja da sua leucemia, no INCA – Instituto Nacional do Câncer, seja no consultório particular em que ele foi diagnosticado – fico sempre me perguntando o que os fez escolher tamanha responsabilidade. É preciso coragem para enfrentar uma missão tão, mas tão intensa, na vida profissional. Enfrento essa responsabilidade na minha vida pessoal, ao ser mãe, mas na vida profissional... bem, como jornalista, como roteirista, como escritora, sei que posso influenciar pessoas e que as ideias têm um grande poder sobre a humanidade, visto fatos recentes, como o dos cartunistas do Charlie, na França, até com poder de vida ou morte. Mas vamos guardar as proporções. Ainda que um jornalista possa atingir milhões com sua voz, um médico pode salvar – ou não – uma vida. E a vida de um filho, para uma mãe, vale por uma multidão. E ser mãe do Erik para mim é infinitamente mais importante e relevante do que ser jornalista.
Sendo assim, é como mãe que escrevo, com meu coração triplicado – aquele que bate por mim, que divido com meu marido, Edson, e um outro que bate só pelo Erik, e outro ainda, todo pela Elena.
Voltemos aos médicos, a quem dedico especialmente este post. Ser médico sempre foi uma espécie de sacerdócio, ao meu ver. Uma missão, mais do que uma profissão. Desde a época em que dissecavam os primeiros cadáveres e faziam seus primeiros estudos de anatomia, até os dias de hoje, com todo laser, ultrassom e microscópios avançadíssimos, com todo o recurso pós-penicilina e da poli quimioterapia. A tecnologia avança, eles ganham mais recursos, mais ferramentas, mais medicamentos. Mas é o olho clínico, o interesse, a disposição, o comprometimento, a compaixão, que fazem toda a diferença na constituição de um Médico, com letra maiúscula. É aquele olhar que vai além do prontuário, do resultado dos exames, da instituição com que trabalham, da política interna do hospital, dos recursos financeiros, do orgulho e da vaidade pessoal. É o olhar que enxerga a pessoa, e com ela, as suas circunstâncias, que faz com que o bacharel em medicina possa ser chamado de Médico.
Tenho encontrado Médicos de verdade ao longo destes dois anos de peregrinação contra e leucemia infantil. Médicos que são pessoas, que tem suas limitações e suas qualidades, e que estão também presos às suas circunstâncias, sejam pessoais, sejam institucionais. Isso é compreensível, e é o fato de serem humanos, tão demasiadamente humanos, que sua escolha pela medicina me parece ainda mais corajosa. Não se trata de escolher fazer medicina em um hospital perfeito, em um país perfeito, sob condições perfeitas, com os melhores medicamentos e melhores equipamentos. Trata-se de enfrentar todas as imperfeições do sistema, e ainda assim, abraçar a medicina, para dar o seu melhor, para encarar o coração sobressaltado de mães e pais, diante da doença de um filho.
Tenho feito críticas às políticas institucionais e à política pública de saúde. Algumas pessoas se ressentem, sentindo-se pessoalmente criticadas. É preciso esclarecer para todos – para elas e para quem mais ler o que eu escrevo – que entendo as circunstâncias. Com todo o meu intelecto, se é que me sobrou algum, entendo bem as circunstâncias e admiro a coragem de quem as enfrenta, mesmo assim. Sou grata, infinitamente grata àqueles que se dedicam a tratar de crianças que anos atrás estariam condenadas, e mesmo daquelas cujas chances são mínimas e até inexistentes, ainda hoje, com todos os avanços da medicina, e que eles tratam ainda assim, com toda a dedicação. Vocês são heróis. E são heróis todos os dias, ao olhar nos olhos de mães como eu e dar boas e más notícias. Posso imaginar o quanto vocês precisam se blindar emocionalmente, para atender a próxima mãe, ali na sala de espera, tão ansiosa, tão desesperada, tão difícil, às vezes tão acuada e agressiva (como eu, tantas vezes). Deve ser um esforço hercúleo, que não tenho certeza de que eu seria capaz de fazer. Vocês fazem o impossível e por isso, tem a minha admiração total.
Mas eu tenho um papel, que assumi, no mesmo dia em que entendi a extensão da doença do meu filho. É um papel que eu nunca pedi para ter, que começa na minha vida como mãe, mas que se derrama pela minha vida de jornalista, que envolve a minha vida de pessoa, de mulher e de cidadã. Meu papel é manter o senso crítico, a lucidez, a clareza, o discernimento. Não me peçam para abandonar essas metas pessoais jamais! E se, em algum momento, eu as estiver perdendo, enevoada pelas emoções em que estou submersa, me tragam de volta à luz. Armada com essas armas, meu papel é perseguir insistentemente o que houver de melhor no tratamento do câncer, para o meu filho e para todos os outros que vierem com e depois dele, pois me solidarizo com todas as mães que carregam dois corações, como eu. Esse é o meu voto, e junto com esse voto, levo o Erik comigo, pois foi com as suas mãozinhas inocentes que ele me trouxe para cá.
Não serei complacente, nem conivente, nem compreensiva com as más circunstâncias da saúde pública brasileira, ou mesmo com o descaso institucional, ou ainda com o mau serviço prestado aqui e ali, quando um ou outro se esquece da importância do que faz e põe em risco a vida de alguém. Afinal, é bom lembrar que sistemas, públicos ou privados, são compostos pela ação contínua e coordenada de pessoas e que é muito fácil, cômodo e útil, tirar de si a culpa pelo que acontece e coloca-la no coletivo. A disposição ou a falta dela, de um funcionário de hospital, qualquer um – seja de uma camareira, de uma faxineira, de uma secretária, de um segurança, de um técnico em enfermagem, de um enfermeiro, de um pesquisador, de uma analista no laboratório, do maqueiro, do arquivista de prontuários... de todos os profissionais de saúde... ou de um Médico - pode significar um coração de mãe parando de bater, junto com outro coração que ela será obrigada a enterrar.
A crítica é necessária, é saudável, deve ser feita, aceita e bem compreendida. Não costuma ser pessoal, mas em geral é um convite para aqueles que se sentem responsáveis fazerem mais do que estão fazendo, fazerem melhor, e lembrarem-se do porque estão aonde estão, porque escolheram estar aonde estão, fazendo o que fazem, para pessoas que, como eu, depositam em suas mãos o seu próprio coração.
Serei específica, para que este texto não fique genérico demais e deixe mais maus entendidos. O INCA – Instituto Nacional do Câncer –, onde tratamos o Erik, é um hospital de excelência, um hospital referência no tratamento de câncer. Para isso foi criado, e tem uma história de respeito atrás de si. Ainda outro dia uma pessoa me procurou pelo Facebook pois o pai tinha sido diagnosticado com leucemia, me perguntando para onde eu achava que ela devia leva-lo. Não tive dúvidas em recomendar o INCA e o recomendo agora, publicamente. As razões que me fizeram escolher o INCA são ainda as mesmas pelas quais mantenho meu filho – meu coração – sendo tratado lá: reúne em um único centro todas as especialidades necessárias para tratar um paciente de câncer; tem a política de tratamento integral do paciente e sua família; é um instituto de pesquisa, portanto atrai pesquisadores e profissionais interessados no que há de mais moderno no tratamento do câncer; concentra a maior quantidade de casos e portanto seus profissionais tem uma experiência excepcional sobre uma massa crítica de pacientes com o mesmo problema, coisa rara em qualquer hospital geral... Vejam meu filho: prontuário 5.115.004. Cinco milhões tratados antes dele. É uma experiência indiscutível, muito, muito valiosa. É para ser o melhor dos mundos no tratamento de câncer.
Porém, minha recomendação do INCA tem o seu “mas”, como todos os lugares sempre terão. Assim como tudo que é público, sofre com as políticas governamentais, sofre com a defasagem tecnológica, vítima que é das decisões políticas do que é prioritário e do que não é... E é claro que isso tudo causa uma desmotivação dos seus profissionais – aos poucos, alguns vão abandonando o INCA em busca de instituições onde possam exercer melhor aquilo que estudaram; vê-se menos investimento na pesquisa e qualificação de profissionais; vê-se mais indicação política e menos meritocracia; e claro, vê-se menos destino de verbas por parte do Ministério da Saúde/Governo Federal. Não preciso aqui nem me posicionar a favor ou contra o governo atual, mas temos que considerar os anos em sequência de descaso com a saúde pública e de investimento em políticas populistas e demagógicas, e cujos interesses estão muito mais relacionados à política internacional do que às necessidades brasileiras (nem preciso dizer: sim, estou falando do programa Mais Médicos, a quem um dia dedicarei um artigo inteiro; e sim, estou falando dos bilhões desviados da Petrobrás, e que bem poderiam estar destinados à uma rede de atendimento ao câncer espalhada por todo o País, mas estão nas mãos de uns poucos corruptos...).
Um outro problema é a outra face do seu tamanho: ser um grande hospital pode ser bom pelas razões que expus antes, mas também pode causar uma impessoalidade desastrosa. Não reclamo aqui do carinho com que somos tratados: tanto o Erik como todos nós, da família, só temos elogios à dedicação amorosa dos profissionais com que cruzamos. Quantos abraços sinceros e apertados recebemos nos momentos mais difíceis das nossas vidas! Porém, eventuais erros tornam-se facilmente desprovidos de paternidade. Não há um santo que assuma culpa. A culpa é constantemente atribuída ao “sistema”, ao Governo, a quem quer que seja. O exame demorou para ser agendado? A fila para o centro cirúrgico é enorme, causando meses de atraso na retirada de um cateter sujeito à infecção? Não tem cadeiras na sala de espera e a espera é maior do que 4 horas, fazendo com que os pacientes debilitados e imunodeprimidos durmam sentados no chão? O agendamento de consultas é feito desconsiderando o horário em que o médico de fato vai estar disponível, provocando esperas desnecessárias para o paciente? O telefone toca e ninguém atende? O medicamento está em falta? Encontrei um doador entre 100.000 pessoas para o meu filho, mas faltou leito para fazer o transplante e ele morreu antes de conseguir? O equipamento para exames está defasado e não compram insumos para aquele novo, que está guardado no almoxarifado? A medicação disponível traz mais efeitos colaterais do que a encontrada no mercado porque o SUS ainda não licitou o novo medicamento lançado? Só tem fraldas de adulto no setor de pediatria? A criança saiu do centro cirúrgico às 15h, depois de 18h de jejum, e esqueceram de mandar a refeição até o dia seguinte? A culpa é do sistema.
Não tenho dúvidas de que os sistemas são falhos. Foram criados por seres humanos e merecem ser criticados e revisados diariamente, para se readequarem às necessidades dos próprios seres humanos. E é missão de cada um, parte deste sistema, fazer crítica e autocrítica, permanente, para melhorar, melhorar sempre. E dispor-se a encontrar a falha, aonde quer que ela esteja, na malha do sistema, para resolvê-la. Pois essa é a sua missão, salvar vidas, dar um atendimento decente para os seus pacientes. Não é assim? Acredito que seja. Luto para que seja. Não me entendam mal, pelo contrário: sintam-me ao seu lado nesta luta, que sei que é de cada um de vocês também. Como vítima direta do sistema, como parte consciente do sistema, como pessoa com voz, cabe-me apontar, criticar, gritar, publicar, espernear, rugir, a cada vez que uma falha destas me causar prejuízo. Pelo bem do meu filho, pelo bem de todos os filhos. Ver e calar é ser conivente. E eu faço o voto de não sê-lo.
Quero que o INCA seja o melhor hospital de câncer do País. Quero que Lula e Dilma venham se tratar no INCA, certos de que estarão melhor atendidos do que no Sírio Libanês, ainda que no cardápio não sirvam caviar. Afinal, acreditem em mim: quem teme o câncer não teme um frango assado nem um arroz de quartel, nem se importa em dividir o quarto com outros 3 pacientes e 3 acompanhantes, num único banheiro. A hotelaria é o que menos importa. Quero sim é que cada profissional que trabalha lá seja valorizado pelo que faz, pois cada um deles tem muito, muito valor para mim. Quero que os bons sejam promovidos, os maus demitidos, e que cada um se responsabilize de verdade por aquilo que faz: prestar o melhor serviço de atendimento ao paciente com câncer e seu familiar. Quero para o INCA o melhor, o melhor mesmo, sempre. E para isso, é preciso criticá-lo. É preciso não ter perdão pelos erros, pelo descaso, pela simples demora – atrás de cada pequena falha, um erro fatal pode ser esquecido. Tempo, por exemplo, para quem trata um câncer, é o bem mais precioso que existe, e ele deve ser preservado e valorizado. Rapidez, agilidade: coisas que me conquistaram logo que entrei, sem que ninguém soubesse quem eu era nem de onde vinha. O Erik passou pela triagem numa 5ª. feira, na 6ª. feira estava fazendo mielograma e implantando o cateter, no sábado iniciou o tratamento. E isso foi fundamental para a sua boa resposta ao tratamento. E por isso, por isso só, já quero aqui demonstrar minha total gratidão ao INCA. Que essa agilidade seja uma regra para todos. Infelizmente, muitos dirão que eu apenas tive sorte, que esperaram muitas semanas. Não foram poucos os relatos que colhi neste sentido. Não quero que seja sorte de alguns e azar de outros, quero que seja regra para todos.
Uma pessoa me disse que se sentia magoada pelas minhas críticas, que veste a camiseta da instituição, que se sente injustiçada. Discuti na minha cabeça esse assunto, por dias, preocupada em ter sido injusta com alguém visivelmente tão leal. Imagino o quão boa essa pessoa é naquilo que faz e que de fato, não deve merecer críticas feitas à instituição como se fossem feitas para si. Por outro lado, ela é sim, parte do sistema falho, e ao meu ver, precisa manter o senso crítico sobre o todo. Da minha parte, visto primeiro a camiseta do Erik, depois a de todos os outros pacientes e seus familiares, depois a de todos os profissionais que trabalham no INCA e, depois, a camiseta da instituição, do sistema. Vamos na ordem do particular ao universal. A camiseta do Governo, acreditem em mim, não visto não. Visto a camiseta do Brasil, país cheio de recursos e com um povo maravilhoso, mas que é complacente demais. Meu amor pelo Erik é incondicional, mas quando ele faz algo errado, eu o critico, o puno, o educo. Estendo essa mesma prática maternal a todos os elos desta cadeia: do particular ao universal.
O que peço a cada profissional do INCA – em especial, a cada médico – é que não se deixem, em momento algum, cegar pela instituição, não se permitam esquecer o que os faz tão especiais, depositários que são do meu coração e do coração de todas as mães que os procuram. Lutem para que o INCA não se perca, para que não seja refém da política, da má gestão. Vocês são responsáveis pelo trabalho que fazem: não acobertem os erros, não se calem. Vocês são o sistema. Lutem para melhorar. Lutem, não baixem a guarda, não desanimem. Vocês têm muito mais força do que acreditam, mesmo quando são acometidos da impotência horrorosa diante de um caso pelo qual se dedicaram e que se perdeu... nas malhas do sistema. Não se deixem abater. Estarei lado a lado com vocês, vestindo meu pijaminha azul escrito INCA e empunhando a mesma bandeira da luta contra o câncer, todas as vezes que for necessário.
E antes que alguém venha com alguma ideia absurda: não, não tenho pretensões políticas. Luto as lutas humanas e diárias, como todos nós, enfrentando o caos institucional brasileiro. Luto pelo que me parece certo, sendo passível de erro, como todo mundo. Meu único interesse é ver meu filho curado. Sim, porque já ouvi essa maledicência também: de que eu tinha com certeza alguma pretensão pessoal para estar me envolvendo e me dispondo a ir à mídia para falar dos problemas do INCA. Que queria aparecer. Ora, a mídia é minha casa, trabalho com isso, o que não me faz nem melhor nem pior do que ninguém, mas com certeza me imuniza da necessidade de aparecer, muito mais nessas condições, que nada me favorecem, pelo contrário, me fragilizam. A mídia, quando se dispõe a me dar ouvidos, é apenas o meio de que disponho, pois pouco acredito na Ouvidoria de instituições públicas, desculpem-me os ouvidores pela minha falta de fé. Sei bem, por muitas e muitas experiências próprias, que as “autoridades”, aquelas que tem o poder de mudar o rumo das coisas, estão mais preocupadas com o julgamento da mídia do que com o Ministério Público. É a ferramenta que conheço e da qual farei uso sempre que um problema verificado pessoalmente na saúde pública se tornar pauta de interesse público. E o câncer é um assunto de interesse público, afinal de contas. Eu poderia ser uma juíza, uma advogada, uma médica – e ter meu filho diagnosticado com câncer sendo tratado no INCA. Usaria dos meus recursos – todos que houvessem – para garantir o melhor para o seu tratamento. Mas eu sou uma jornalista. Minha única arma é a palavra.
Há quem diga, inclusive dentro da minha família, que eu exponho demais ao Erik com essa luta. Que ainda vou acabar prejudicando a ele, que ainda encontrarei alguém pelo caminho que se ressinta das críticas e o prejudique de alguma forma. Não posso acreditar nisso, assim como não posso me calar. Confio nas pessoas. Sei que se elas realmente lerem o que escrevi, entenderão a mensagem, o convite que estou fazendo, a real intenção de lutar pelo melhor. Sei que vão ler também como mães e pais, filhos e filhas, que se colocarão no meu lugar, que sabem que um dia talvez também precisem contar com o INCA para tratarem de alguém que lhes for caro. Sei que vão se alinhar comigo. Não busco inimigos, mas aliados nesta batalha.
Aliás, como não há causa descoberta pela ciência para a leucemia, Deus deve ter alguma coisa a ver com isso: me colocou aí, garanto a vocês, muito contra a minha vontade. Não foi minha escolha, podem estar certos. Minha vida era bem melhor antes deste advento e, tão logo eu possa me afastar de tudo isso como parte envolvida, como fonte primária de informação, estarei bem longe. No entanto, é minha escolha não me despir do que aprendi até aqui, nem virar as costas para o abismo que descobri existir: essa vertigem, de ter um filho com câncer, de ser impotente, de não ter o controle sobre as variáveis, estou certa de que não sai do nosso corpo jamais. Essa causa será minha para sempre, espero, com toda a fé, que ao lado de um filho cada vez mais saudável e vitorioso. Vitória essa que terei orgulho de atribuir à competência e aos esforços do INCA e toda sua equipe, equipe essa que sei ser capaz de vencer seus pesares, contornando mesmo as circunstâncias mais adversas.
Valéria Chalegre
14/02/2015
domingo, 16 de novembro de 2014
Erik: 5 meses de atualizações
Foram cinco meses sem escrever. Estou realmente em dívida com quem vinha acompanhando a história do Erik e sua luta contra a leucemia. Tentarei coloca-los ao par dos últimos acontecimentos…
Nas fotos vocês podem ver o Erik com seus cabelos de volta, depois de tê-los perdido com a quimio; o primeiro corte de cabelo com a amiga Danielle Carneiro; ele a irmãzinha Elena indo ao casamento dos amigos queridos Seani e Jaque; a Elena florzinha; Erik e a Elena prontos para a festinha de aniversário de uma amiguinha dela; ele comigo (com cara de cansada, sempre); Erik com o papai Edson, seu pai-herói... Enfim, algumas fotinhos deste período.
Escrever às vezes é doloroso, e às vezes, quando vivemos muitas coisas no mesmo período, não dá vontade de compartilhar tudo. Tem coisas que é melhor guardar prá gente, maturar, deixar criar corpo e entendimento, para então externar. Algumas coisas envolvem decisões sérias, que é melhor que sejam tomadas em particular, envolvem muitas pessoas, são delicadas… Espero que entendam…
No último post eu estava em pânico, pois o exame de doença residual mínima (DRM) do Erik tinha dado positivo. Pois então. Ocorre que um DRM positivo pode significar que a doença provavelmente vai reincidir, e ser portanto indicativo da necessidade de um transplante de medula óssea. O Erik ainda não tinha completado 3 anos, e o INCA não faz transplante em crianças menores de 3 anos. Em princípio, porque eles não tem uma equipe de pediatria hematológica especializada em transplante para atender lactentes, com suas necessidades específicas.
O que fizemos? Eu e o Edson aproveitamos que tínhamos reuniões de trabalho para serem feitas em SP, encontramos lá com meu pai, e conseguimos uma entrevista com um médico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, um dos maiores especialistas em transplante de medula óssea do país e do mundo. Agradeço a alguns amigos que intercederam por mim, abrindo-nos esta porta. Trata-se do Dr. Vanderson Rocha, chefe do serviço de transplante do Sírio Libanês, da USP e também do Centro de Medula Óssea Europeu. Ele não mora no Brasil, vem de Oxford, onde é professor, apenas uma vez por mês. Valeu cada centavo do preço da consulta particular. Uma equipe nos atendeu inicialmente, com 3 médicos, que fizeram toda a anamnese e preencheram os dados do Erik no computador. Depois ele chegou. Os outros médicos ficaram em pé, atrás dele, enquanto ele lia tudo e fazia perguntas pontuais. Pegou os dados genéticos do Erik e com sua senha especial, acessou o Banco Mundial de Medula Óssea, com 24 milhões de doadores. O resultado da consulta foi imediato: o Erik conta com mais de 170 doadores compatíveis no mundo, a maioria na Alemanha (deve ser consequência do seu sangue Erdmann e de uma população especialmente sensível à doação de medula, pois eles tem um dos maiores bancos de medula do mundo). Tive um rompante de emoção e chorei feito criança, com o Edson e meu pai, cada um de um lado, emocionados também. Dá para entender o que significa ter a certeza de que não faltarão doadores para o seu filho? É como receber uma resposta de Deus às tuas preces, um seguro de que ainda teremos essa chance! Foi um momento muito especial.
Na sequencia, o médico explicou que o DRM já não é mais, na Europa, o exame mais adequado para se definir ou não um transplante, e que era uma pena que não tivéssemos feito o primeiro exame do Erik no sistema europeu, pois lá o processo é de análise genética e muito mais preciso, mas é preciso que os exames subsequentes sejam comparados ao do diagnóstico no mesmo sistema, portanto não poderíamos mais contar com esse recurso. Recursos que o Brasil ainda não conta. Então ele afirmou que seria melhor que fizéssemos lá no Sírio um novo mielograma com DRM, para termos uma análise de outro laboratório que não o do INCA, para podermos comparar os resultados. Ficamos mais uma semana em SP, e colhemos lá o exame numa sexta-feira. Na 2a. já tínhamos o resultado: deu negativo! Para nosso alívio total, evidentemente. Conversamos com o médico novamente por telefone, e ele nos recomendou mantermos nosso tratamento no INCA, que estava adequado e suficiente para tratar o caso do Erik, e que repetíssemos por mais 3x o exame mensalmente. Combinamos que se, no futuro, tivéssemos outro resultado positivo, voltaríamos a consultá-lo sobre as possibilidades de transplante no Sírio Libanês.
Um transplante no Sírio Libanês pode custar algo em torno de 850 mil a 1,5 milhão de reais. É uma fortuna. Não teríamos como arcar com isso, mesmo que vendêssemos tudo que temos. Como temos plano de saúde, precisaríamos contar que eles bancassem o tratamento, o que consta como compromisso do plano no contrato que assinamos. Infelizmente, sabemos que a relação com os planos de saúde em situações de tratamento de alto custo não são fáceis, e que além de encontrar bons médicos para nos atender, temos também que contar com bons advogados, pois essas autorizações costumam ocorrer abaixo de liminares. Mas... como se diz na minha terra, não está morto quem peleia, e não iríamos nos deixar deter diante disso, se essa fosse a melhor chance para salvar nosso menino, não é mesmo? Eu digo para vocês: pela vida dos meus filhos, vou ao inferno e volto de lá com ele nos braços. É isso que as mães (e os pais) fazem.
Voltei ao Rio, ao INCA, e apresentei os resultados para o médico que lá nos atende, Dr. Alexandre Apa. Ele ficou satisfeito com o resultado ter sido negativo, mas também surpreso com a nossa iniciativa de levá-lo em outro hospital. Disse que precisávamos decidir aonde pretendíamos tratar o Erik, para que não houvesse duplicidade de decisões. Concordei, afirmando que seguiríamos com ele, mas perguntei: - Dr., diga-me uma coisa: é normal que um resultado de DRM oscile deste jeito? Positivo-negativo-positivo-negativo? A doença oscila? Claro que ele teve que responder que não, que era mais provável, como eu supunha, que o resultado do exame do INCA tenha sido equivocado. Um falso-positivo. Perguntei se seria possível revisar esse resultado, para ficarmos mais seguros, mas não é: a análise tem que ser feita com o material fresco. Existe o fato também de que o equipamento que é usado para essa análise, no INCA, está ultrapassado, tem apenas 4 cores, embora eles já tenham comprado a máquina de 8 cores, que não está em operação ainda porque não dispõe de equipe treinada para opera-la (!!!). O equipamento está lá NA CAIXA, sem ser usado!!!! Achei isso bastante grave, pois quase que mandamos o Erik para um transplante desnecessário, com base num resultado errado! Entendam o seguinte: um transplante significa enfrentar 50% de chance de sobrevida. É algo extremamente agressivo, só faz sentido se estamos enfrentando chances menores do que essas no tratamento quimioterápico. Dá para entender a gravidade da situação?
É certo que iríamos repetir o exame em 30 dias no próprio INCA, por recomendação do próprio Dr. Apa, mas passamos um mês de cão aguardando para repetir esse exame, avaliando a possibilidade de nos mudarmos para São Paulo, sob a sombra de que talvez o Erik não tivesse doador… Ah, sim, tem isso ainda para comentar: ao chegar na consulta, o Dr. Apa estava contente em me dar uma excelente notícia que ele tinha tido do CEMO (Centro de Transplante de Medula Óssea): tinham encontrado UM doador para o Erik. Tirei o relatório do Sírio da bolsa, com os 170 doadores listados ao redor do mundo. Ocorre que o INCA tem por padrão PRIMEIRO consultar APENAS o banco nacional de doadores, REDOME, que conta com 4 milhões de doadores. Afinal, sai mais barato para o SUS a pesquisa interna e o uso de material nacional, do que pagar todas as despesas de um doador da Alemanha, por exemplo.
Não sei se vocês sabem, mas os doadores são ranqueados em função da sua compatibilidade com o paciente: o ideal é achar um doador 100% compatível, sendo que abaixo de 70% de compatibilidade (ou algo assim), o transplante não é seguro, devido às altas chances de rejeição e doenças enxerto-hospedeiro. Eu me pergunto: vocês acham que se o doador aqui do Brasil for 70% compatível, enquanto haveria outros, no exterior, que fossem, por exemplo, 90% compatíveis, o SUS faria a busca internacional, mesmo assim? Eles escolheriam o melhor ou o mais barato? Tenho engulhos só de pensar.
Outro aspecto: a resposta que levei poucos minutos para obter no Sírio, levou 1 mês no INCA. E se esse doador que encontraram lá no INCA não estivesse mais disponível? Estivesse com dados desatualizados, tivesse morrido, tivesse contraído hepatite neste meio tempo? Quanto tempo mais levaríamos para descobrir um novo doador, localizá-lo, fazer os exames necessários? O tempo para alguém que precisa de transplante é fundamental, pode ser a diferença entre a vida e a morte. Significou a morte para vários amigos do Erik por quem pedi que vocês rezassem neste meio tempo. Crianças que tinham já a necessidade de transplante pré-definida desde o diagnóstico, e que levaram um ano para ter o doador realmente disponível e o leito reservado. Só que neste meio tempo, a doença reincidiu e não respondeu mais à quimioterapia... Para que o transplante possa ser feito com segurança, é preciso que a medula esteja em remissão. A doença não pode estar circulando pelo corpo do paciente. Não vou listar os nomes dos anjinhos que se foram, em respeito às suas famílias, por quem me condoí junto e que agora estão inconsoláveis. Preocupam-me agora, no entanto, os outros tantos que esperam por doador, sem encontrar, há ANOS. Estarão eles buscando realmente nos bancos internacionais? Ou estão deixando o tempo passar para ver se surge alguém no Brasil, mais baratinho, para doar?
Por que cargas d’água, eu me pergunto, o SUS não tem acesso online e imediato ao Banco Mundial de Doadores? É mais caro?! Caramba, AONDE ELES ESTÃO DESPERDIÇANDO O DINHEIRO QUE PAGAMOS? Na Petrobrás?!
Por que eles não dão ao médico assistente as cartas, para que ele decida com critérios clínicos, qual o melhor doador? Tenho pena dos médicos no INCA, pois ficam de mãos amarradas diante de coisas que não estão sob sua alçada. Precisam acreditar no resultado dos exames que recebem, que não são feitos com o melhor equipamento disponível. Precisam acreditar no resultado de pesquisas que não são as melhores possíveis, mas apenas as mais baratas, decididas por burocratas distantes do drama dos pacientes. É lastimável.
Sem contar com a limitação estadual que o REDOME tem agora para as doações, estaduais. Existem tetos estaduais para receber doações. Mas isso merece um post à parte, farei, bem detalhado e embasado. Apenas para dar a dica: em Minas Gerais, por exemplo, eles não estão mais recebendo doações de medula óssea, pois atingiram o teto estadual de doações. Temos famílias desesperadas lá, esperando por um doador e fazendo campanhas para levar gente para doar, mas os hemocentros não as estão recebendo! Acreditem, esse é outro escândalo da saúde, embasado em argumentos financeiros.
Bom, voltando ao Erik. Fiquei de repetir o exame em 1 mês, pela opinião do Dr. Vanderson. Na opinião do Dr. Apa, só seria necessário repeti-lo em 3 meses. Optei por descobrir aonde, no Rio, com o meu plano, eu conseguiria fazer um exame mais qualificado. Consegui no Fundão, na UFRJ. Colhi o exame na ProntoBaby, com o Dr. Daniel Aranha (hematologista e pediatra de primeira categoria, por sinal), pelo meu plano, e mandei para análise no Fundão, UFRJ, onde tem a máquina de 8 cores. De lá, eles mandaram o resultado para avaliação do Euroflow, na Espanha, com quem tem correspondência. Pela graça de Deus, deu negativo novamente. Nem posso dizer para vocês sobre a nossa felicidade, minha e do Edson, e de toda a nossa família, diante destes resultados.
É claro que não estamos livres ainda. Isso demora, estaremos sob a espada de uma possível reincidência durante muitos anos.
Mas, neste momento, o Erik está ótimo, se desenvolvendo, falando da hora que acorda à hora que vai dormir, me deixando louca. Esse menino precisa muito entrar na escola! É arteiro que só ele. Como é de se esperar, aos 3 anos de idade, passa o dia me testando, aprendendo a diferença entre o certo e o errado. Deixa a mim, à irmãzinha Elena, ao papai Edson, à dinda Gilza, e a todos, de cabelo em pé. Vira e mexe, vai de castigo, para pensar sobre as artes que apronta.
Aprontou uma terrível esses dias, na companhia da Elena e de uma vizinha da mesma idade. Foram brincar na esteira de corrida. Levaram um tombo terrível, e o Erik conseguiu esfolar o braço e o rosto, uma queimadura de 2o. grau. A Elena também se machucou feio na perna, mas menos grave. Maior e mais ágil, conseguiu se proteger melhor. Ouvimos os gritos da nossa casa! Fomos correndo, eu e Edson, para resgatar os dois esfolados e aos prantos. Lá fomos nós para o pronto-socorro, preocupados que as plaquetas estivessem baixas e que a aventura resultasse numa hemorragia perigosa. Afinal, ele ainda toma quimioterapia diariamente, e seguirá neste tratamento até metade do ano que vem. Mas, ele estava ótimo... foram vários dias de curativos, cuidados especiais, sangramentos leves, ligações para o pediatra... Que sufuco!
Noutro dia ele se trancou no banheiro. Estávamos os dois sozinhos em casa. Foi uma comédia, pensando agora, mas passei maus bocados até conseguir a ajuda de um funcionário do vizinho, que apareceu aqui com uma ferramenta incrível, chamada “chave-de-fenda”, rsrsrsrsrs. Eu tinha tentado usar uma antes de chama-lo, mas sem resultado. Ele veio e com um “cleck”, liberou o meu monstrinho, que brincava alegremente dentro do banheiro há cerca de uma hora...
Neste meio tempo, tivemos eleições no Brasil e vimos novamente o povo reeleger Dilma Roussef e o Partido dos Trabalhadores. O que significa que o povo ainda acredita que ela está fazendo o melhor pelo Brasil, pela educação, pela saúde... pelo INCA. Um hospital de referencia, no qual acreditei e depositei a vida do meu filho. Um hospital fundamental para o tratamento do câncer no País, muito bem concebido por Getúlio Vargas há quase 80 anos. Mas que hoje sofre com esse tipo de política que narrei aqui, gerenciado por gente indicada por políticos na seu incansável comércio de cargos. Assistimos a uma debandada de profissionais de qualidade, à falta de equipamentos necessários, ao abandono da prática de pesquisa por falta de investimentos.
Como disse, vi mortes desnecessárias, vidas jovens que poderiam ter sido poupadas com o esforço certo na hora certa. Neste tempo convivendo com essa instituição, tive a triste oportunidade de assistir muitas tristes perdas. E vejam, sigo achando que eles contam com uma equipe heroica, submetida à condições extremas de trabalho, que fazem muitos pequenos e grandes milagres todos os dias. Sou muito grata aos médicos e enfermeiros, aos técnicos, a todos lá dentro. De verdade. O INCA merece mais atenção do Governo Federal, precisa de investimentos sérios e atenção redobrada. O combate ao câncer é uma questão de política pública, sobretudo, que jamais poderá ser resolvida no âmbito privado com a atenção que precisa. Lembremos que o câncer infantil é a principal causa de morte natural em crianças nos estados do sul e sudeste brasileiros, assim como nos países desenvolvidos (sabiam disso?).
Mudando de assunto. Da minha parte e do Edson, estamos tentando reestruturar nossa vida profissional, da qual fiquei afastada por um ano e meio, praticamente. Sim, uma leucemia infantil na família desestrutura muitas esferas da vida. São muitos baques paralelos, situações materiais para resolver, difíceis e estressantes. Mas a família segue unida, e isso, ah, isso não tem preço. Afinal, para quem está vencendo uma leucemia infantil, qualquer outra batalha é fichinha.
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Pesadelo: DRM positivo. Informações sobre doação de medula óssea.
27 Dezembro: 0,09
07 Março: 0,00
30 Maio: 0,13.
A linha de corte - para definirmos se é "positivo" ou "negativo" para a doença é 0,01. Ou seja, estamos positivo-negativo-positivo.
Esse resultado pode ter sofrido alguma alteração em função da infecção recente que ele teve. Precisamos acompanhar mais de perto e ele vai repetir o exame em 30 dias (em vez de em 90 dias). O que importa, segundo o médico, é observarmos a tendência, a curva - e não apenas um resultado isolado. Ainda assim, por precaução, o médico o incluiu na busca por doadores de medula óssea. No momento, nada mais a fazer. A quimio de manutenção, oral, em casa, se mantém igual. Nada a fazer, se não esperar e rezar, rezar muito.
Bem, sempre há algo mais a se fazer, além de rezar, portanto, eu imploro a todos: DOEM MEDULA ÓSSEA. Pode ser que nosso pequeno precise... E se ele de fato vier a precisar, o pior que pode acontecer é passarmos anos esperando por um doador. A compatibilidade é rara (1 doador compatível para cada 20 mil habitantes). Para cobrirmos a necessidade de doações, precisaríamos de muito mais doadores - e temos apenas cerca de 4 milhões no Brasil.
Conto com as orações e as ações de todos: compartilhem meu pedido de doação.
Para quem tem dúvidas sobre como doar medula óssea, aí vai:
Caso você decida doar
1. Você precisa ter entre 18 e 54 anos de idade e estar em bom estado geral de saúde (não ter doença infecciosa ou incapacitante).
2. Onde e quando doar
É possível se cadastrar como doador voluntário de medula óssea nos Hemocentros nos estados. No Rio de Janeiro, além do Hemorio, o INCA também faz a coleta de sangue e o cadastramento de doadores voluntários de medula óssea de segunda a sexta-feira, de 8h às 12h. Não é necessário agendamento. Para mais informações, ligue para (21) 3207-1064.
3. Como é feita a doação
Será retirada por sua veia uma pequena quantidade de sangue (5ml) e preenchida uma ficha com informações pessoais.
Seu sangue será tipificado por exame de histocompatibilidade (HLA), que é um teste de laboratório para identificar suas características genéticas que podem influenciar no transplante. Seu tipo de HLA será incluído no cadastro.
Seus dados serão cruzados com os dos pacientes que precisam de transplante de medula óssea constantemente. Se você for compatível com algum paciente, outros exames de sangue serão necessários.
Se a compatibilidade for confirmada, você será consultado para confirmar que deseja realizar a doação. Seu atual estado de saúde será avaliado.
A doação é um procedimento que se faz em centro cirúrgico, sob anestesia peridural ou geral, e requer internação por um mínimo de 24 horas. Nos primeiros três dias após a doação pode haver desconforto localizado, de leve a moderado, que pode ser amenizado com o uso de analgésicos e medidas simples. Normalmente, os doadores retornam às suas atividades habituais depois da primeira semana. O Transplante de Medula Óssea é a única esperança de cura para muitos portadores de leucemias e outras doenças do sangue.
Um doador de medula óssea deve manter seu cadastro sempre atualizado. Caso haja alguma mudança, preencha este formulário.
O ERIK E SEUS AMIGOS AGRADECEM!
Fonte: INCA - Instituto Nacional do Câncer
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/orientacoes/site/home/informacoes_sobre_doacao_de_medula_ossea?id=8032a28047bb2ff69f1cdf254b8b0222&WCM_Page.ResetAll=TRUE&CACHE=NONE&CONTENTCACHE=NONE&CONNECTORCACHE=NONE&SRV=Page
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Erik passa bem após retirada do cateter
segunda-feira, 14 de abril de 2014
Semente de escândalo no INCA
Deixe-me explicar aos leigos: o cateter é uma espécie de canudo que é implantado no braço da criança e leva a medicação por uma veia de alto calibre diretamente ao coração. É uma grande invenção e foi muiiiito útil durante todo o tratamento, evitando que ele fosse furado a cada medicação, a cada coleta de sangue, e também protegendo assim as veias de baixo calibre, que não suportam a quimioterapia. Porém, o cateter é uma bomba relógio, como falei, porque se entra por ali alguma bactéria oportunista, essa também é levada diretamente ao coração e espalhada em minutos por toda a corrente sanguínea, podendo provocar, por exemplo, uma bacteremia e uma alta chance de óbito em poucas horas. Uma vez não mais necessário para o tratamento, o cateter deve ser retirado com o máximo de urgência, evitando esse potencial efeito colateral.
COMO PODE SÓ TER VAGA PARA DAQUI A 80 DIAS?! A retirada é um procedimento simples, leva minutos. Não fosse o Erik um bebê, poderia ser retirado até no ambulatório, com anestesia local. Mas, no caso dele, é necessária mais uma anestesia geral... É inacreditável que, mesmo depois da portaria que obriga o início do tratamento em no máximo 60 dias esses disparates continuem a ocorrer ( http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/agencianoticias/site/home/noticias/2013/tempo_de_espera_nao_pode_ultrapassar_sessenta dias ).
Entendam: FALTAM PROFISSIONAIS qualificados nos quadros do INCA. Abriu-se concurso para 580 vagas, aproximadamente, mas isso apenas REPÕE os profissionais perdidos com o fim do último contrato com a Fundação do Câncer, não chega a aumentar os quadros para atender à demanda crescente dos casos de câncer, inclusive entre crianças. Faltam enfermeiros, técnicos, médicos, leitos. Os que trabalham são esgoelados. A conquista das 30 horas como jornada máxima para os enfermeiros foi aprovada em todos os hospitais, MENOS PARA O INCA. A razão provável é a falta de profissionais para cobrir essas 10 horas a menos. Afinal, quem quer trabalhar com câncer? Quem quer trabalhar com câncer infantil? Faltam candidatos qualificados. Falta treinamento. FALTA! Faltam políticas públicas, falta disposição do governo para resolver.
Hoje tentei marcar a manutenção do cateter do Erik, visto que ele ainda não foi retirado. Essa manutenção deve ser semanal, até a sua retirada. No entanto, só tem vaga para dia 25/04 à tarde. Ele fez a última dia 10/04. Ao fazer a nova manutenção, estará há duas semanas sem injetar heparina no cateter, o que aumenta substancialmente as chances do cateter entupir, e de uma bactéria se instalar... O ambulatório do cateter, no INCA, funciona só pela manhã na maioria dos dias. Uma enfermeira se aposentou, 30 anos de casa, e eles estão com falta de pessoal.
E é assim, minha gente, que os escândalos se criam. Depois morre uma criança por causa de uma coisa assim - DEPOIS DE VENCER O CÂNCER, MORRE DE INFECÇÃO - e ninguém quer assumir a culpa! Por favor, eu e o Edson Erdmann, meu marido, pai do Erik, depois de todo o sufoco que passamos juntos ao tratarmos do Erik no Rio e colocarmos o evento de reinauguração do Beira Rio em Porto Alegre em pé, peço que repassem. Esse ano que passou foi muito duro. Tínhamos em mãos o trabalho da nossa vida, e ao mesmo tempo, a vida do nosso filho em jogo. Conseguimos, mas Deus sabe o sacrifício que foi.
Não é pelo Erik. O Erik nós vamos resolver, nem que seja num hospital particular, no Rio ou em Porto Alegre. Felizmente temos essa alternativa, embora seja direito dele, como qualquer brasileiro, ser atendido no hospital referência do câncer, que ajudo a sustentar, há 40 anos pagando uma das maiores cargas tributárias do mundo. Mas é por todos que estão lá, passivamente e sem voz, aguardando a sua vez, resignados nas salas de espera, nas filas. Vejo isso todos os dias. E é INACEITÁVEL. Divulgue-se!
sexta-feira, 21 de março de 2014
REMISSÃO
Vejam como está o Erik agora, abraçado na maninha Elena... Essa foto foi no carnaval, na casa da praia da Vovó Mayra. Papai Edson que tirou.
Quanto tempo se passou desde o último post! Meses! 06/12, foi a última vez que escrevi, e agora já estamos em 20/03. O legal de ler diários é que a gente se dá conta de que "tudo passa, na vida tudo finda... a dor maior e a ilusão mais linda..." Recomendo sempre que as pessoas escrevam diários, e que sempre antes de escrever, leiam seu último relato... é incrível como o Sr. Tempo é capaz de dar perspectiva ao nosso sofrimento.
Foram meses de um certo limbo, algo entre o céu e o inferno, tentativas de ser feliz com uma espécie de sombra, permanente, sobre as nossas cabeças. O Erik passou BEM, feliz, correndo de lá prá cá, dando muitas risadas deliciosas, brincando sempre. Ele tem uma energia transbordante. Tivemos sim algumas internações a mais.
É preciso contar que no início de janeiro recebemos o resultado do 1o DRM - Doença Residual Mínima, e que ele acusou 0,09 de células doentes. A linha de corte - para que se possa dizer se é positivo ou negativo - é 0,01. Portanto, ainda estávamos "positivos" para a doença, mas com um resultado global muito bom. Afinal, quando ele deu entrada no hospital, em maio de 2013, esse número era 94. De 94 para 0,09 é um incrível avanço, graças a uma terapia quimioterápica acertada. O estado geral era ótimo, e o médico definiu que deveríamos repetir esse exame trimestralmente.
Neste meio tempo, tivemos mais uma internação, por vômitos, provavelmente uma virose. Ganhei da médica da emergência uma garrafinha de água de Fátima, que ela trouxe para dar a um paciente. Tenho benzido o Erik com ela... Será que podemos dizer que além da "terapia quimioterápica acertada", o Erik também pode contar com uma "corrente de orações acertada", que contou com tantas e tantas pessoas? Creio que sim. Tivemos gente fazendo promessas, correntes de oração, remédio de São Cosme e Damião, e tudo mais. Vou postar aqui a carta que ele recebeu, transcrita num centro espírita, ao fim deste post.
Vamos ao resultado do último DRM, feito semana passada, e cujo resultado obtive hoje:
"Foram analisadas cerca de 700.000 células nucleadas totais. Predominância de linfócitos B maduros. Não foi observado o perfil imunofenotípico compatível com a LLA-B do diagnóstico. Sugestivo de remissão. Correlacionar com dados clínicos e outros dados laboratoriais."
Isso significa, para nós, leigos que: NÃO SE OBSERVA MAIS DOENÇA PRESENTE NO SANGUE DO ERIK. Podemos pagar promessas, acender nossas velas, cair de joelhos, estourar a champagne, nos abraçarmos, uns aos outros, nesta rede de amigos fraternos em que tanto nos apoiamos. OBRIGADA. GRATIDÃO, a todos vocês, em meu nome, em nome do Edson, em nome da Elena... E principalmente em nome do nosso pequeno Erik.
Vamos esclarecer: os médicos NÃO FALAM EM CURA, como já expliquei no post anterior. É preciso deixar isso claro. O Erik continua em tratamento, por mais 1 ano e 3 meses, tomando quimioterapia oral, em casa, e vai continuar repetindo esse exame a cada 3 meses. Esse resultado pode alterar, eventualmente. A doença é agressiva, pode ter se escondido, pode se replicar. A sombra não se dissipa tão facilmente. MAS, não vamos colocar "MAS", como diz o Edson. Vamos comemorar. E daqui a 3 meses vamos comemorar de novo, e de novo, e tantas vezes mais, a cada dia que nos levantarmos e encontrarmos essa criança iluminada dando gargalhadas...
Muitos outros, neste meio tempo, se perderam. Não vou nomeá-los, sei o quanto a dor de cada família é dilacerante, e tenho sofrido a cada notícia dessas. Especialmente, tenho acompanhado a dor da minha irmã... Nesta semana fazem 7 meses que nosso Gabico se foi... e isso tem acabado com ela, dia após dia. Mas ela vai se reerguer, pois todos nós temos as nossas missões... precisamos dar significado às coisas que acontecem conosco, tenho dito isso repetidamente. Agora é hora das mães que sofreram suas perdas encontrarem significado para a dor, para poderem seguir em frente.
Da minha parte, saibam que o que aconteceu com o Erik me transformou para sempre. Não quero perder, dentro de mim, a força que descobri ter, nem a alegria pelas vitórias, mesmo as mais pequenas. Quero cumprir minhas promessas também: elas não foram barganhas, não dependem da nossa vitória. São transformações: a certeza de que sempre estarei disponível para as mães que sofrem por seus filhos.
Deixo com vocês uma carta que recebemos para o Erik, uma carta psicografada em um centro espírita.
"QUE A PAZ DO SENHOR ESTEJA CONVOSCO!
MUITAS ENCARNAÇÕES SÃO NECESSÁRIAS P Q POSSAMOS RESGATAR FALTAS Q O PASSADO OCULTA. A BENÇÃO DA REENCARNAÇÃO NOS TRAZ O ESQUECIMENTO NECESSÁRIO P Q POSSAMOS APRENDER A AMAR. O AMOR DE MÃE Q PARE E TRAZ AO MUNDO UM NOVO SER É CAPAZ DE CURAR AS FERIDAS MAIS PROFUNDAS DA ALMA Q SOFRE A DOR DO CORPO , MAS Q VEM DE TEMPOS PASSADOS. A DOENÇA É A GRANDE OPORTUNIDAD P Q POSSAMOS APRENDER A DAR O DEVIDO VALOR ÀQUILO Q REALMENTE MERECE SER VALORIZADO. NO CORPO ENFERMO HABITA A ALMA SÃ Q SABE SUPORTAR RESIGNADA ÁS INTEMPÉRIES Q O TEMPO RESERVA P A ATUAL EXISTÊNCIA. A PEQUENA CRIANÇA Q ORA SUSCITA CUIDADOS TEM A TAREFA DE REUNIR A FAMÍLIA Q SE PROPOZ AO AJUSTE NECESSÁRIO P SEGUIR A CAMINHO DA EVOLUÇÃO NO MUNDO MAIOR.. QUANDO PAIS E FILHOS ORAM E COMUNGAM DE UM MESMO PENSAMENTO DE ESPERANÇA E FÉ, PROPORCIONAM AO PLANO ESPIRITUAL A NECESSÁRIA CONDIÇÃO P Q SEJA REALIZADA A APLICAÇÃO DE FLUÍDOS SALUTARES À RESTITUIÇÃO DA SAÚDE. QUANDO O APRENDIZADO SE COMPLETAR A PROVA SERÁ EXTINTA COMO Q AUTOMATICAMENTE. DEUS NOSSO PAI É QUEM ESTÁ NO COMANDO E SABE DO Q NECCESSITAMOS. UTILIZAR A ÁGUA FLUÍDA POSSIBILITA Q SEJAM APLICADAS AS MEDICAÇÕES ESPIRITUAIS NECESSSÁRIAS P O ATUAL MOMENTO FÍSICO. A LUTA PELA VIDA DEVE SER REFORÇADA E NUNCA ESMORECER. O CAMINHO NÃO TEM FIM, POIS A VIDA NA TERRA É APENAS UMA PEQUENA PARCELA DO Q É A VIDA EM DIFERENTES FASES, SEJA NO PLANO FÍSICO OU NO PLANO ESPIRITUAL. NO ENTANTO DEVEMOS MANTER A FÉ EM DEUS Q JAMAIS DESAMPARA A QUALQUER UM DE SEUS FILHOS. ERICK ESTÁ SOB A PROTEÇÃO DA CORRENTE DE STA TEREZINHA E SÃO JOAÕ BATISTA E ESSES MENTORES DEVEM SER LEMBRADOS EM MOMENTOS DE ORAÇÃO.
UM ABRAÇO CARINHOSO DO IRMÃO DE SEMPRE, SEU SERVO NA PAZ DO SENHOR.. EDEVALDO
PSICOGRAFADA EM SESSÃO MEDIÚNICA DE 10-12-13 NA SOCIEDADE ESPÍRITA PAZ E AMOR -PORTO ALEGRE" (Sic)
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Sobre mártires e anjos possíveis
Depois disso, o médico vai marcar a próxima fase: a tão esperada "Manutenção". Perguntei a eles - Dr. Alexandre Apa e Dra. Luciana Brito - se isso significava que ele tinha sido "curado" e que agora bastava "mantermos" a cura. Eles prontamente disseram que NÃO. Cura não era a palavra certa, embora desejada. "Significa que a medula dele entrou em remissão... Cura é algo de que você vai poder falar depois de encerrado o controle, em cinco anos". "Cinco anos a contar do diagnóstico, a contar do início da manutenção ou do final da manutenção?", perguntei. "Cinco anos a contar do final da manutenção", explicou a Dra. Luciana. "Ou seja, sete anos depois do diagnóstico, pois agora ainda faltam 1 ano e 6 meses de manutenção... quando ele tiver 9 anos, portanto. É isso?". "Aí você vai poder respirar aliviada... mas depois de 3 anos em manutenção já é quase um indicativo que não vai mais voltar", ela tentou ainda me consolar. Uma infância inteira com essa sombra sobre nós, é isso que significa. E eu já soube de 3 ou 4 casos em que a doença voltou quando a criança estava no 4o ano de manutenção... Medo.
Nestas últimas 2 semanas passamos 6 dias internados. Vi muita coisa, de novo. Desta vez a internação estava lotada. No meu quarto tinha uma adolescente de 16 anos que retornava depois de 1 ano de tratamento... Não cheguei a ouvir a voz dela, ela ficou quieta os três dias em que estive lá. Ao seu lado estava uma menininha de uns 8 anos, não cheguei a saber qual era a doença dela, mas afetou sua fala e sua capacidade de engolir, além de ter deformado as suas pernas... Ao meu lado, no outro berço, uma mãe recém-chegada, recebeu o diagnóstico há menos de um mês. A menina não parecia bem, mas a quimioterapia é poderosa no início e reverte muitos dos sintomas iniciais. Vi isso acontecer com o Erik, disse para ela, que lamentava a sonda nasogástrica. O Erik também usou nas primeiras semanas. No outro quarto visitei o Fábio Henrique, em reincidência da doença, filho da minha amiga Thauana, que não está conseguindo mais ficar lá... a sua irmã a tem substituído, ela tem outros 3 filhos de quem cuidar... está esgotada, e não é para menos. Ao seu lado, conheci a Ana Clara, 3 aninhos, vinda com a mãe há apenas 8 dias de Rio Branco, no Acre... Lá não existe tratamento para leucemia, e quando ela foi diagnosticada, a prefeitura pagou a passagem das duas para o Rio de Janeiro, onde ela desembarcou e pegou um táxi para o INCA. Ainda estava sob total susto com a situação, imaginem! Deixou em Rio Branco seu filho mais velho, um menino de 6 anos, que ficará pelo menos 6 meses sem ver, na casa de parentes. Diz que chora de saudades dele. Em frente ao Fábio Henrique estava a Duda, em mais uma internação, ela que tem 12 anos e doces olhos... E ao seu lado um leito de que evitei me aproximar até o último momento. Lá estava um menino de cerca de 13 anos, que não cheguei a conhecer antes. Ele fez o transplante há 6 meses, depois de 10 longos anos de tratamento e espera por um doador. Não deu certo. A doença voltou.
Na última noite, três mães entraram no nosso quarto lotado (4 pacientes, 4 acompanhantes, 16m2 e um banheiro). "Somos mãezinhas da UTI e queríamos orar com vocês", uma delas disse, e com nosso assentimento, chamou as outras. Elas colocaram música evangélica num notebook e uma delas começou uma oração que falava diretamente à Deus, pedindo pela saúde de todos. Ao final, a primeira mãe disse: "Quero dar o meu testemunho... estou hoje completando 45 dias de UTI, com meu filhinho de 1 ano e meio. Hoje os médicos vieram falar comigo e me disseram que não há mais nada que possam fazer pelo meu filho. Pois é quando os médicos nada mais podem fazer que Deus pode ainda entrar em ação... E o meu Deus pode, com a Sua vontade, se for da Sua vontade, num piscar de olhos, salvar o meu filho. Se eu não tivesse a minha fé, eu estaria enlouquecendo agora, mas como tenho fé, tenho Deus em minha vida, eu estou firme!". É claro que quando ela acabou de falar eu não podia conter minhas lágrimas, segurando a mãozinha do Erik. Levantei e a abracei, dizendo tudo que se poderia dizer numa situação dessas... "Deus tem um plano para ti, querida, continue ajudando as outras mães...".
No dia seguinte vim em casa e a babá do Erik, Tereza, foi ficar com ele. Tinha contas para pagar, mas confesso, que principalmente, precisava de ar. Dormi, paguei contas, tomei um banho demorado... vi a Elena, minha queridinha.
Ao voltar na 5a. feira para o hospital, com travesseiro e manta, resignada em ficar, se necessário, tive a notícia da alta. Pude arrumar tudo, pegar minhas coisas, pegar meu filhote e, mais uma vez, colocar o pijama azul no Expurgo, na esperança de não precisar mais vesti-lo. Voltei no quarto do Fábio Henrique, Ana Clara, Duda e Pedro, para entregar a encomenda que a mãe da Ana Clara havia me feito - um DVD portátil. Não pude mais ignorar o leito do Pedro. Ele estava no oxigênio, a enfermeira ao seu lado, a mãe debruçada sobre ele. Fui abraça-la. "O transplante era minha última esperança", ela disse. "Mantenha a mente forte", eu sussurrei, sabendo que a minha própria mente anda despedaçada...
Oh, meu Deus, quanto sofrimento. Não consigo me despir de tudo isso. Como manter a fé, como manter a serenidade, como manter a esperança? Como ser feliz novamente? Eu talvez devesse me afastar, não me envolver, não perguntar, evitar esses abraços. Preservar a mim mesma, a minha sanidade. Mas não posso. Simplesmente não posso.
Preciso contar outra coisa, anterior. Voltem no tempo. Eu fui sábado ao INCA achando que era o último dia, mas o Erik estava febril... na emergência autorizaram a quimioterapia, a última de todas, e disseram que febril não era com febre, e que isso deveria ser efeito da própria quimio, que eu voltasse para casa e ficasse atenta. Voltei. Encontrei o Edson e a Elena no caminho - eles tinham ido a uma festa de aniversário de um colega da Elena no shopping - demos mais algumas voltas e, quando chegamos em casa, o Erik estava realmente com febre. Coloquei-o no carro e voltei para o INCA. É preciso explicar que minha casa fica a 50km do INCA e que o trânsito anda simplesmente infernal mesmo nos sábados, domingos, feriados e horários alternativos. Fui numa velocidade média de 20km/h, levei mais 2h para chegar lá novamente. Constatada a febre, eles fizeram um hemograma, um raio-x do tórax, fizeram um antibiótico venoso e, como os exames dele estavam bons, pude voltar para casa, por volta de 23h. Mais duas horas de trânsito. A ordem era voltar no domingo e na 2a. para mais duas doses de antibiótico preventivo. Numa criança normal, uma febre de 38,4o. seria tratada como uma possível virose sem nenhum tratamento. Numa criança sob efeito de quimioterapia, com diagnóstico de leucemia e usando um cateter, usa-se logo um antibiótico venoso capaz de tratar uma meningite. Ok. No sábado à noite o Edson viajou de volta para Porto Alegre, deixando a Elena na casa dos nossos queridos vizinhos, que têm nos ajudado sempre (gratidão).
Domingo recebi um telefonema. Era uma mulher, chamada Ângela, amiga/conhecida da babá, Tereza. Ela soubera da situação do Erik, viu a sua foto no celular da Tereza e se sentiu compelida a entrar em contato comigo e pedir autorização para conhece-lo e orar por ele. Bom, eu disse que precisava ir ao hospital novamente naquele dia e que ela poderia me encontrar lá, se quisesse. Ela foi. Uma senhora, cerca de 50 anos, baixinha, perfume forte, olhos claros, óculos. Ficou comigo durante a administração do antibiótico do Erik e disse que podia me acompanhar até em casa, para que eu não voltasse sozinha com ele. Disse que esse era o seu ministério - ajudar - e que eu não me preocupasse com nada. Sentou-se ao meu lado no carro e veio comigo, conversando, até Vargem Grande. Falei, falei, falei, falei, e ela me escutou muito. Falei do Lucas, meu primo, falecido há um ano, do meu sobrinho, Gabriel, falecido há poucos meses, da dor de todas as mães que estava sendo insuportável para mim, do quanto eu pensava em Maria, mãe de Jesus, e no Sim que ela deu, etc, etc, etc, e como questionava Deus e seu poder nestes momentos... Ao chegarmos, já de noite, na Estrada dos Bandeirantes, próximo à entrada do bairro, eu disse que o ideal era que ela descesse ali, próxima a uma parada de ônibus, para não ter depois que voltar à pé pela minha rua, que é escura. Ela concordou, mas pediu então para orar, pois era para isso que ela tinha vindo. Ela rezou por todos. Rezou pela minha irmã, rezou pelos meus tios, pais do Lucas, para que tivessem paz, e claro, pela cura, pela certeza de cura do Erik. E olhou nos meus olhos e disse, firmemente: "Minha filha, tu nunca mais vais dizer que estás sozinha. Eu estou contigo, Deus me enviou para te apoiar no que for preciso, estás entendendo? Você pode me ligar a qualquer hora, do dia ou da noite. Para mim não existe mau tempo, nem lonjura, nem custos. Não importa se for simplesmente para sentar ao teu lado e te fazer companhia. Deus sempre me provê do que eu preciso para cumprir o meu Ministério. E eu estou contigo." Dizendo isso ela se levantou e foi embora...
Nem preciso dizer o quanto essa experiência mexeu comigo, me tocou profundamente. Vocês lembram, aqueles que lêem o meu blog desde o início, de uma vez que eu estava no Hospital Pasteur, aguardando por uma ressonância magnética que o Erik estava fazendo? Haviam me dito que demoraria 40min mas demorou quase duas horas. Rezei muito para Nossa Senhora. Muito. Uma Novena inteira de Ave Maria. De repente, uma senhora da limpeza me abordou, me deu água, me disse para sentar, e aguardou comigo o tempo todo que faltava para o exame ficar pronto... e me falou sobre "milagre"... ela contou que tinha sido diagnosticada com HIV e que depois de dois anos os exames passaram a dar negativo, e que eu nunca deveria perder a fé. Ela cuidou de mim, me tratou com um carinho materno, muito consolador. O nome dela era Ângela.
Essas situações são mais do que especiais e principalmente me mostram como há gente BOA neste mundo. Gente simplesmente boa. Anjos possíveis. Não me explica porque de tanta dor, porque ser mãe às vezes significa - literalmente - suportar esse calvário tão cruel. Se Deus está ciente disso tudo, que razões ele pode ter para permitir tamanho sofrimento? Mas quem sou eu para questionar? A verdade é que essa fé que as pessoas encontram as mantém em pé, as mantém sãs. Respeito. Elas são melhores do que eu.
Acho que quem está com febre, hoje, sou eu. Sinto como se um caminhão tivesse me atropelado, todos os meus músculos, nervos, articulações, doem.
Num próximo post vou falar mais sobre os médicos. Que coragem é essa, capaz de enfrentar a dor nos olhos de uma mãe e dizer-lhe que não há mais nada a fazer? Abençoados sejam. Pois é por serem capazes de suportar isso que também são capazes de salvar os que podem ser salvos... Serei eternamente grata, Dr. Alexandre Apa, Dra. Luciana Brito, Dra. Márcia, todos os residentes. Que Deus guie as mãos de vocês e os mantenham sãos e firmes nesta missão.
Não estranhem que eu não pareça coerente com a minha fé e minhas dúvidas misturadas, com a minha coragem e meu medo, com a minha força e minha fraqueza. Dane-se a coerência. O sentido disso tudo deve estar muito além do que podemos compreender e supor coerente.