Hoje grandes emoções.
Comecei o dia sobressaltada por pesadelos, sonhos confusos. Sonhei que era obrigada a matar pessoas, por uma espécie de máfia. Primeiro era eu, depois não era eu, depois era eu de novo. Isso se passava em Porto Alegre, e eu tinha que fugir, e fugia pelo meio de uma antiga favela que existia à beira do Guaíba, onde hoje é a frente do Museu Iberê Camargo. Aí tinha o Guaíba, e lá estava eu com o Erik, e o Erik mergulhava no rio, brincando, mas ele submergia e eu ficava apavorada, pois não conseguia vê-lo, no rio barrento e sujo. De repente, ele voltava à superfície, e então mergulhava novamente, e eu me arrependia de não tê-lo tirado da primeira vez. E então eu procurava refúgio em meio aos casebres, para escabar da gangue que me obrigava a matar pessoas. Enfim, imagina o psiquê da pessoa aqui. Estou meio doidona, decerto. Mas diz um post do facebook hoje que ser normal é a meta dos fracassados, então, esta sou eu, que além de ter pesadelos doidos, os conta em posts públicos. Psicólogos de plantão, façam-me um favor: NÃO EM ANALISEM. Não há nada para analisar.
Enfim, estava preocupada com o horário para acordar, pois hoje pela manhã deveríamos ser os primeiros a subir para o centro cirúrgico. Mas... foram passando as horas e nada do maqueiro vir nos buscar. Fui perguntar o que acontecia (Erik de jejum, já reclamando), e então me caiu a ficha da gravidade da tal bactéria que o Erik pegou, a Clostridium Difícilis, que nos manteve no isolamento. O pessoal do centro cirúrgico deixa por último quem está em isolamento, por precaução de contato. Quando fomos finalmente chamados, subimos em elevador travado só para nós, não pude ficar na sala de espera com os outros, mas como não tinham onde nos colocar, nos puseram num cantinho cercada de biombos. Ao nosso lado, uma mulher chorava copiosamente, com muita dor de cabeça e medo de tomar morfina pela primeira vez.
Desta vez, me achei esperta: levei um livro de poemas da Cecília Meireles, que amo de paixão, para ler, mas... percebi que todos os poemas de que eu gostava falavam de morte, despedidas eternas, sofrimento... Bem, assim são os poetas. Ela escreve divinamente. Ainda vou compartilhar aqui os poemas que mais gosto e mais me dizem coisas nestes momentos.
Entrevista com a anestesista, sempre as mesmas perguntas. Alertei a essa - que era a primeira vez que eu via - que ele precisava, depois do procedimento, ficar pelo menos meia-hora na horizontal, para a quimioterapia ter o efeito esperado e espalhar-se igualmente pela coluna e que, da última vez, ele acordou da anestesia logo em seguida e foi muito difícil mantê-lo parado. Ela então disse que coordenaria a dose para ele dormir um pouco a mais. Ele foi levado para o centro cirúrgico e o anestesiaram no meu colo. Já disse como odeio vê-lo adormecer... Cantei para ele baixinho, para que sentisse minha presença, até que me mandaram sair.
Fui para a sala de espera novamente, e na TV estava o raio de um jornal comandado por uma mulher sensacionalista que explorava a dor de uma mãe que há 6 meses mantinha o quarto do filho intacto, desde que ele desaparecera. Felizmente a enfermeira se tocou que aquilo não era programa para quem estava naquela sala e trocou o canal. Não demorou muito e, em seguida, o Erik foi liberado - procedimento rápido. Não pudemos ir para a sala de recuperação, novamente por causa da precaução de contato. Fomos direto levados para o nosso quarto... Ele dormiu uma hora e meia, a anestesista caprichou mesmo na dose.
A a médica residente me explicou que de agora em diante, por causa deste episódio, todas as vezes que internarmos, teremos que ficar em isolamento. Ainda não aceitei isso muito bem, pois... como vai ser então quando, na próxima fase do tratamento, voltarem as quimios ambulatoriais? Não vamos poder frequentar o ambulatório? O Erik não vai mais poder ir na brinquedoteca? Mesmo depois de curado, depois de todo o antibiótico? Então essa bactéria é multiresistente? Mas se fosse, então o antibiótico não estaria fazendo efeito... enfim, fiquei confusa. Acho que preciso tirar essa informação à limpo... Perguntei se não podíamos ter alta ainda hoje, na volta do centro cirúrgico, mas eles preferiram me manter aqui por mais 24h, pelo menos, para observação. Fiquei muito frustrada. Queria que passássemos o final de semana em casa. Há 10 dias que não vejo o Edson... São 10 dias longe da Elena, com apenas um dia de intervalo em que fui em casa. Deprê.
Pedi então para a enfermeira que olhasse o Erik enquanto eu tomava um banho, e expliquei que precisava também comprar fraldas para ele... Ela se propôs a levá-lo para o centro de enfermagem enquanto eu tomava banho e descia um pouco para ir na farmácia. Foi um respiro sair, mesmo que por um minuto... Mas, na minha volta, ele havia vomitado. Estava feliz da vida, com 3 balões coloridos, fazendo farra e tirando fotos na enfermagem (o que me leva a crer que a coisa do isolamento é assim... relativa...), todo vomitado. Que beleza. Deve ter sido a dose extra de anestesia!
Bom, o Erik também precisava de banho. Organizei a banheira, enchi de água, trouxe ele, e, no meio do banho, novo episódio de vômito, dentro da banheira. Que legal. Tirei ele o tanto que deu, troquei a roupa de cama, coloquei ele na cama limpinha, de roupa nova, passei todos os soros por dentro da camisa. Ele pediu suco... dei um suco de uva que estava aqui e... na seqüência (desculpem, adoro tremas e sou revoltada com a reforma ortográfica que baniu essas queridas) um vomitão gigante pintou de suco de uva toda a roupa de cama e ele inteiro, inclusive o curativo do cateter.
Beleza. Chamei a enfermeira, montei de novo a banheira, dei banho, troquei mais uma vez a roupa de cama, a enfermeira trocou o cateter, eu passei tudo pela manga da nova camiseta e coloquei ele sentadinho para ver tv... e me virei, para estender a toalha no varalzinho da varanda. A copeira trouxe a janta, colocou na mesinha aos pés do berço e o Erik se entusiasmou e engatinhou, dentro do berço: "Papá, papá!!!". Adivinhem o que aconteceu?! Desconectou o plug do soro do cateter e em vez de entrar soro, saiu sangue, muito sangue, por todo berço! Dei um grito de susto, pulei para o lado dele, peguei o caninho e apontei para cima, jorrando sangue tipo chafariz, chamei o colega de quarto para que gritasse pelas enfermeiras, ele saiu gritando: "O Erik está sangrando!!!", no mesmo momento eu, pela primeira vez, apertei o botão vermelho de emergência... e achei o plug do soro, ao mesmo tempo que a enfermeira entrava e me dizia: "Pluga isso aí!" e eu pluguei, e o sangue parou. Minhas pernas bambearam. Confesso que, com essa, fiquei nervosa. De verdade.
Enquanto elas discutiam se o cateter tinha sido contaminado ou não, o Erik não parava de gritar: "Papá, papá!". Dei a comida dele na cama ensanguentada, para ele se tranquilizar, ao mesmo tempo que a enfermeira refazia o curativo do cateter, torcendo para que não tivesse sido contaminado e me dizendo que também tinha ficado bamba, achando que ele estava vomitando sangue, já que ele havia vomitado 3 vezes, e que já tinha se imaginado chamando a emergência da CTI para o Erik... Ave Maria. Nem quero pensar nisso. Todos os dias passo pela frente do CTI e vejo as mães na porta, chorando. Respirei fundo, troquei toda a roupa de cama novamente, jantei minha janta fria, e cá estou. Exausta.
Recebi a visita de uma amiga, uma dessas amigas que a gente faz nestas situações malucas. Conversamos sobre como podemos, estando aqui, não nos deixarmos atingir, tocar, influenciar, umas pelas dores das outras. É impossível. Ela estava emocionada, pois se encheu de esperança tendo conhecido outra criança que teve o mesmo Linfoma Não-Hodking que o seu filho, que é um lifoma raro, e essa criança se curou... Ela estava abalada emocionalmente, desde a semana passada, quando me viu receber a notícia do falecimento do Gabriel, e não tinha entendido porque eu estava chorando, achou que era algo com o Erik. Ficaram todos abalados aqui, depois que eu sai para viajar para o enterro, pois cada sucesso e cada fracasso mexe com todas nós, nossos medos e nossas esperanças. Todas estas histórias estarão para sempre nos meus sonhos e meus pesadelos.
Meu pai-monge recebeu um contato de uma amiga que a Bia fez no hospital, que também perdeu a filha há alguns meses e ainda não se conforma. Ela pedia ajuda espiritual. Choro por ela, e a tenho no meu coração... Ela vai conseguir superar, por mais difícil que seja.
Estou cercada de histórias, e NÃO CONSIGO SER INDIFERENTE. Mas dói em mim, cada uma delas, como se fossem minhas. SÃO minhas.
Chorei ontem, com uma mãe que veio aqui, conhecer o Erik. Ela disse que ficou muito tempo internada neste mesmo quarto em que estou, e que o filho dela, de 1 ano e meio, morreu há 6 meses, não resistiu. E ela desde então não tinha mais vindo no hospital, mas então decidiu vir visitar, pois tinha conhecido e se apegado a tanta gente... Na verdade, parecia ela própria meio alma penada...
Hoje soube de outra mãe amiga, preocupada com o seu filho. Além de estar com leucemia, ele é autista. Estão tentando "zerar" a medula dele, para que possa receber uma medula nova, de um doador que já existe, mas a medula não zera... E a carga de quimio está pesada demais...
E hoje vieram me apresentar uma menina que teve também LLA, como o Erik, mas que agora está no controle, curada, depois de um transplante bem sucedido. Uma história de sucesso.
E hoje aquela outra mãe, que está agora no 21o. dia do transplante do filho, veio aqui apenas para me dar um beijo. O filho dela já está aguardando para ter alta, basta que volte a comer, a medula pegou, deu certo o transplante... E fico tão feliz, tão feliz por ela.
Não me elogiem. Este blog não deve servir para alimentar minha vaidade, pelo contrário... Ele apenas me torna mais uma, uma que tem voz, porque se uns escrevem, outros dão injeções, outros limpam o chão vomitado de alguém, outros entregam a roupa limpa, outros trazem a refeição, outros dão diagnósticos, e muitas, muitas mães enxugam lágrimas de medo e enchem o coração de esperança a cada sucesso. E somos todos iguais, cada um no seu ofício, cumprindo seu destino. E vaidade é uma ferida, orgulho é uma chaga.
Paizinho, obrigada. Obrigada por abraçar essas missões. A minha missão, minha história. Nossa história. Nossas histórias.
O que será que eu vou sonhar essa noite, gente?!
Blog que acompanha a batalha do nosso pequeno Erik, de 1 ano e 9 meses, contra a Leucemia. Escrito durante a nossa internação no INCA-RJ.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Dia de isolamento
Nove da noite e o Erik está tomando a última mamadeira do dia, reforçada com aveia, depois de um dia de muito agito. Difícil contê-lo no berço, com o cateter ativado. Ele quer ficar em pé o tempo todo, e isso dá refluxo de sangue no acesso da veia, um saaaaco.
Estou cansada, entediada, querendo parar, querendo dormir, querendo sair correndo e fugiiiiir. Caí de sono o dia inteiro. No momento seguinte, penso que tudo que quero é ele agitado assim, querendo brincar, sem febre, ainda que a diarréia continue... Tadinho, não merece uma mãe de saco cheio e sem paciência. Culpa. Mas eu imitei o Patati Patatá uma dezena de vezes, com os fantoches e tudo... Ele ama isso, abraça os bonecos, é a coisa mais querida... Além disso, hoje ele teve fisioterapia pela manhã; andou comigo dentro do quarto quase meia-hora, e eu correndo atrás dele desembaraçando ele dos fios e carregando o suporte do soro. Depois teve professora, trazendo livrinho e contando histórias... E visita da amiga Layla.
Foram muitas fraldas de cocô, hoje, e vários potinhos Nestlé (ele não está aceitando a comida do hospital). Ele não dormiu, e isso significa que não pude tomar banho, imaginem a situação!
Amanhã temos centro cirurgico, mielograma e intratecal. Acordaremos cedo, portanto, e terei umas duas horas de espera entre a sala de preparo e recuperação. Vou estar caindo de sono. Estou sem energia até para ver a novela.
Já falei com a Elena, que está em casa com a Dona Tereza, nossa nova babá, espernando o papai voltar de Porto Alegre. Minha boneca! Ela diz "Mamãe, eu te amo mais!", e eu me derreto toda.
Mas agora o Erik terminou a mamadeira e virou de lado para dormir. E eu vou fazer o meeeesmo. Uma noite inteira, sem sonhos, só dormindo. Aí... chega a enfermeira. Tá na hora do antibiótico, é oral, tem que acordá-lo para dar. E depois pingar umas gotinhas de colírio no olho. Tadinho. Choradeira. Mas ele é bonzinho, e no que termina, pede um abraço, depois se joga no travesseiro, pede a "pepeta" e fecha os olhinhos para dormir de novo.
Amor sem limites.
Estou cansada, entediada, querendo parar, querendo dormir, querendo sair correndo e fugiiiiir. Caí de sono o dia inteiro. No momento seguinte, penso que tudo que quero é ele agitado assim, querendo brincar, sem febre, ainda que a diarréia continue... Tadinho, não merece uma mãe de saco cheio e sem paciência. Culpa. Mas eu imitei o Patati Patatá uma dezena de vezes, com os fantoches e tudo... Ele ama isso, abraça os bonecos, é a coisa mais querida... Além disso, hoje ele teve fisioterapia pela manhã; andou comigo dentro do quarto quase meia-hora, e eu correndo atrás dele desembaraçando ele dos fios e carregando o suporte do soro. Depois teve professora, trazendo livrinho e contando histórias... E visita da amiga Layla.
Foram muitas fraldas de cocô, hoje, e vários potinhos Nestlé (ele não está aceitando a comida do hospital). Ele não dormiu, e isso significa que não pude tomar banho, imaginem a situação!
Amanhã temos centro cirurgico, mielograma e intratecal. Acordaremos cedo, portanto, e terei umas duas horas de espera entre a sala de preparo e recuperação. Vou estar caindo de sono. Estou sem energia até para ver a novela.
Já falei com a Elena, que está em casa com a Dona Tereza, nossa nova babá, espernando o papai voltar de Porto Alegre. Minha boneca! Ela diz "Mamãe, eu te amo mais!", e eu me derreto toda.
Mas agora o Erik terminou a mamadeira e virou de lado para dormir. E eu vou fazer o meeeesmo. Uma noite inteira, sem sonhos, só dormindo. Aí... chega a enfermeira. Tá na hora do antibiótico, é oral, tem que acordá-lo para dar. E depois pingar umas gotinhas de colírio no olho. Tadinho. Choradeira. Mas ele é bonzinho, e no que termina, pede um abraço, depois se joga no travesseiro, pede a "pepeta" e fecha os olhinhos para dormir de novo.
Amor sem limites.
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Carta à Beatriz
Beatriz, com Elena, minha filha, e meu sobrinho Gabriel.
Minha bisavó se chamava Beatriz. Ela viveu em Maceió, Alagoas, no início do século passado... Não a conheci. Mas a tenho muito, muito presente em mim, pelas histórias contadas pela minha vó Eronides... Ela impressionava minha tia Anne ainda menina, quando ela soltava seus cabelos para dormir, no quarto que dividiam nas férias passadas em Pelotas, Rio Grande do Sul. Ela que me conta: "A vó Beatriz sentava na beira da cama de costas para mim e escovava lentamente seus longos negros cabelos de índia - como esclarecia minha mãe. O fazia com cuidado e por muito tempo. Depois, com a mão esquerda segurava-o como se quizesse fazer com ele um rabo de cavalo mais perto da nuca e com o dedo indicador da mão direita o enrolava no comprimento rapidamente. Com muita agilidade fazia o que chamava de cocó, enrolando tudo em círculos que se sobrepunham, escondendo a ponta dos fios embaixo do coque. E, com um único longo grampo prendia tudo e assim ficava o seu penteado perfeito durante todo o dia".
Esta minha bisavó viveu bastante, e teve 23 filhos. Essa sempre foi uma conta impressionante para mim, pois para ter 23 filhos - nenhum gêmeo, todos nascidos de parto natural, fora os eventuais abortos - ela teve que engravidar uma vez por ano, dos 16, quando casou, aos quase 50, quando teve o último. Passou a vida fértil dela toda grávida! Mal terminava de amamentar um e já estava grávida do próximo... "A verdade é que muito raramente tinha sua menstruação pois ou estava gestante ou amamentando. Este período ela denominava "estar doente": ficava de repouso, não comia frutas cítricas, a comida não era temperada, cebola e alho eram evitados, não lavava os cabelos, não usava roupa clara...", conta tia Anne. Pois é. Destes 23 filhos, 20 morreram na infância, vítimas de doenças diversas, sem cura na primeira década de 1900. Morriam de disenteria, sarampo, catapora, caxumba, gripe, pneumonia, infecções das mais diversas. A minha avó Eronides me contava que não lembrava da mãe que não fosse grávida, e que não lembrava de ano que não tivesse ao menos um nascimento e uma morte. Era assim na família dela, mas também em toda a comunidade. Sua "diversão" era sentar-se à janela de casa, para ver as procissões de caixõezinhos brancos, passando.
Sobraram apenas 3 filhos, dentre eles a minha vó, mulher forte, "marrenta", como se diz aqui no Rio. Ela mesma perdeu 5 filhos, 4 filhos do primeiro casamento e um adotado, todos quando ainda vivia no nordeste. Dos filhos que teve no sul, do segundo casamento, pensou em dar o nome de Beatriz à mais nova. De novo é tia Anne que me conta: "Sabes que tua tia Nida deveria ter sido batizada com o nome de Ana Beatriz (somando o nome das suas duas avós) e... teu avô foi contra, pois seria uma carga muito pesada para a caçula da família?" Ao fim da própria vida, minha avó Eronides teve Alzheimer, e algumas das suas alucinações eram flashbacks claros dos filhos perdidos...
Pois dizem que quando eu era criança tive um período que dei para ter amigas invisíveis e "encarnar" personalidades. Uma das preferidas era "Beatriz". Eu enchia a boca de ar e dizia que quem estava ali era a Beatriz, o que deixava boquiaberta a minha tia Helena, espírita.
Quando minha mãe engravidou pela 3a. vez, já no seu segundo casamento, pensou em vários nomes para a filha que ia nascer. Fez uma lista. Mas, na hora que viu minha irmã pequeninha, em seu colo, deixou todas as opções de lado e decidiu, sem pestanejar, que o nome dela seria Beatriz, deixando surpreso meu padrasto, Chico.
Não me pareceu acaso, portanto, que minha sogra também se chamasse Beatriz. Acho que tenho um carma com esse nome, com essa força, com essas histórias. Minha sogra faleceu há 2 anos, no mesmo mês do nascimento do Erik. A vida é isso, esse ciclo infinito de nascimento e morte, dia e noite, luz e sombra, força e fraqueza, saúde e doença. "A vida é dualidade", disse-me hoje meu pai-monge. Uma moeda de duas faces, e a gente só consegue ver uma face de cada vez, portanto precisa viver intensamente a face que nos está sendo mostrada. Mas, para não enlouquecer, é preciso sempre lembrar-se que a outra face está lá, do outro lado, e que a veremos novamente em seguida...
Por isso tudo, este post é uma carta à Beatriz, neste momento, à minha Beatriz viva, minha irmãzinha. E é uma carta de Mãe para Mãe. De uma Mãe com um filho doente para uma Mãe que acaba de perder o seu. Uma carta de irmã para irmã. Uma carta para Beatriz.
Bia,
Nesta semana perdestes teu filho. Vi tua "implosão" de sentimento, mana, tua dignidade diante do sofrimento indizível, vi isso e nada pude fazer para te consolar. Todos a tua volta queriam te consolar dessa dor sem consolo, e tudo que senti e que certamente todos sentiram foi uma impotência imensa...
Falando sobre nomes, sua força e significado, queria te lembrar de quando escolhestes para o teu menino o nome de Gabriel. Tinhas apenas 18 anos quando ele nasceu, eras uma menina, ainda inocente e assustada, um tanto revoltada com esse viés do destino, e naquela ocasião, no teu quarto, te lembrei que Maria também tinha tido um filho assim jovem, e que Gabriel era o nome do anjo que anunciou sua missão na vida. Lembras disso? Há não muito tempo atrás, escrevi um post sobre o Sim de Maria, pois entendi que todas as mães, cedo ou tarde, acabam por dizer esse "Sim", um sim que carrega sacrifício e libertação, que implica em aceitar uma missão.
É impressionante como o tempo acabou provando ser forte esta missão que aceitastes. Eu lembro de como foi difícil para ti. Tinhas tantos planos! Cursar medicina, viver os teus 20 anos, namorar, viajar, curtir a noite, os amigos... A tua missão de mãe, sem o apoio de um pai com quem compartilhar o dia a dia, foi das mais árduas. E tu a tomastes como tua, sem deixar que ninguém interferisse, sem dividi-la. Quase que rosnavas quando alguém queria te ajudar, dividir contigo. Era coisa tua, uma questão de honra, te sentias constrangida e orgulhosa, não deixavas que chegássemos muito perto... Tu cuidastes, tu educastes, tu amastes. Amastes aquele menininho sem limites. Foram 12 anos de vida dedicada às necessidades desta criança.
No mesmo ano em que o Gabi nasceu, o teu pai se foi... E foi também uma perda enorme para ti, pois eu sei que ele era teu colo... e como esse colo te fez falta. Enfrentastes tudo, todos, e fostes Mãe com letra maiúscula. A infância do Gabi teve seus desafios desde o princípio. Ele era um menino voluntarioso, dono de uma energia inesgotável, que muitas e muitas vezes enfrentou suas bronquites, crises de vômito, e outras situações resultado da peraltice: lembra da vez que ele saltou o muro da casa do avô e caiu de barriga sobre as ponteiras da grade? Ui. Não gosto nem de lembrar. Estava sempre aprontando! Inteligente, vivaz, questionador. Um desafio grande de educação, e tu lá, sem te deixar abalar. Ou se te abalavas, guardavas isso para ti. Quantas vezes ouvi teu suspiro contido, tu que sempre fostes de poucas palavras...? Quantos programas perdestes, quantas vezes tivestes que adiar teus próprios planos? Que peso teve este teu Sim, minha irmã...!
E a tua paciência com o pai do Gabi, o Rafael. Faz pouco tempo que eu o conheci, pois faz pouco tempo que ele se rendeu e se aproximou... E sei o quanto ele está mudado, o quanto assumiu a responsabilidade pelo filho, ainda que isso tenha sido recente... Poderias tê-lo afastado, poderias tê-lo processado, até, exigido direitos, essas coisas. Todos - inclusive eu - te recomendaram isso. Dissestes que não. Fostes simplesmente paciente e incansável, acolhendo inclusive os filhos dele, com outras mulheres, dentro da tua casa, para que não deixassem de conviver entre si. Promovestes a amizade linda entre o Gabi e o irmão mais velho, Matheus. Tua serenidade e dedicação não teve limites. Destes tudo de ti, tudo. Sabe-se lá quanto tudo isso te custou...!
Quando o Gabi adoeceu pela primeira vez - eu me lembro exatamente do momento em que recebi esta notícia - fiquei pasma em como as provas não paravam de se apresentar para ti. "Que fardo, meu Deus!", foi o que pensei... Tu fostes em frente. Estavas prestes a terminar a faculdade, mas adiastes teus planos mais uma vez para estar ao lado dele, em todos, todos os momentos. Foram três anos, desde o diagnóstico, até o seu falecimento, na última 6a. feira, dia 16/08/2013. Três anos de sofrimento, é verdade, mas também três anos de muito amadurecimento.
Tu te tornastes uma Mulher. Uma Beatriz, digna daquela minha bisavó, que nem é tua bisavó (somos filhas de pais diferentes e essa Beatriz de que falo é minha bisavó por parte de pai), mas que é impossível não pensar na semelhança. Ela viveu isso - de perder um filho - 20 vezes. Vinte vezes! Vinte doenças, vinte derrotas, vinte enterros! Naquela época isso era tão comum que imagino que as pessoas até encarassem diferente... Mas, ao mesmo tempo, sabemos que a dor de perder um filho é incomensurável, insuportável, inesquecível, insuperável, em todos os tempos, em todas as culturas, em todas as raças, em toda a história. A dor de Maria é mitológica: encarna esse sofrimento para que tenhamos um pouco mais de compreensão sobre aceitar nosso papel no mundo. Um papel de generosidade, de doação do corpo, do tempo, da juventude, da própria vida, para um filho. Tu fizestes isso, mana, sem titubear. Vivestes este mito pessoalmente. Não és a única, pequena, mas fizestes a tua história magistralmente.
O Gabriel é - mitologicamente e realisticamente falando - o teu anjo da anunciação particular. Ele veio, não tenho dúvidas, para anunciar a tua missão. Cumpristes uma parte dela, cuidando dele, aproximando-o do pai, amadurecendo e florescendo como mulher, mas a tua missão não acabou aqui, com a partida dele. Tu sabes disso. Na verdade, eu arriscaria dizer que tudo, até agora, foi só a tua preparação. A tua verdadeira missão, minha irmã, começa AGORA. Tens muita coisa, muita vida ainda pela frente, muita história ainda para escrever. Muitas batalhas para lutar. Não pense que será fácil, só porque essa batalha terminou; é agora que começa a tarefa de estender a tua força, essa musculatura moral que adquiristes, às batalhas de tantas outras mulheres, mundo afora. A começar por mim, que me inspiro em ti, e estou vivendo também minha própria batalha. Saibas que te tenho como exemplo, tu, minha irmãzinha mais nova, minha bonequinha. Inspirada em ti, não vou desistir, nem por um segundo, não vou esmorecer, não vou perder a fé nem a esperança. Nosso Erik vai vencer a doença. Vai resistir. E vai fazê-lo com a lembrança viva do Gabi dentro de nós. Choro, agora, ao escrever isso, pois penso que temos um anjo no céu para nos ajudar a vencer... O Gabi deve estar lá, montado num skate fazendo manobras radicais nas nuvens, questionando Deus de tudo, intrigado com as questões de verdade e mentira, e certamente nos mandando força para continuarmos em frente aqui em baixo.
Voa, Bia. Voa alto. Agora é tua hora, tua vez, e eu sei que, sendo a tua vez, ainda vais te dedicar a trabalhar com oncologia pediátrica, na tua área que é a nutrição (nutrir, alimentar, curar). Vais trabalhar neste meio tão difícil e doloroso, mas que se contém perdas, às vezes, também contém a chance da cura, contém a vida. Saibas que não perdestes o Gabriel; ganhastes o Gabriel e um sentido para a tua vida. Muita gente, mana, muita gente não tem sentido para a sua vida. Isso é uma dádiva, e tu a tens. O Gabriel te deu isso. É uma vitória, não um fracasso. Ele estará para sempre em nós.
Saiba que é teu filhote lindo, anjo Gabriel, este teu guia, que te chama para esse vôo, para encarar a vida e toda a sua dualidade, sem deixar de sorrir, sem deixar de chorar quando preciso, mas sem se deixar abater. Resiliente, capaz de se levantar a cada queda. Ele não te escolheu à toa. É porque és muito, muito especial. Lamenta, sim, quando tiveres que lamentar, toma teu fôlego, que mereces, tira as tuas férias, te energiza, te recupera. E depois vai, irmã, vai abraçar a tua Vida. Acredito em ti.
Conta comigo, sempre. E me empresta essa tua força, que vou precisar!
Tua irmã e admiradora,
Valéria
Minha bisavó se chamava Beatriz. Ela viveu em Maceió, Alagoas, no início do século passado... Não a conheci. Mas a tenho muito, muito presente em mim, pelas histórias contadas pela minha vó Eronides... Ela impressionava minha tia Anne ainda menina, quando ela soltava seus cabelos para dormir, no quarto que dividiam nas férias passadas em Pelotas, Rio Grande do Sul. Ela que me conta: "A vó Beatriz sentava na beira da cama de costas para mim e escovava lentamente seus longos negros cabelos de índia - como esclarecia minha mãe. O fazia com cuidado e por muito tempo. Depois, com a mão esquerda segurava-o como se quizesse fazer com ele um rabo de cavalo mais perto da nuca e com o dedo indicador da mão direita o enrolava no comprimento rapidamente. Com muita agilidade fazia o que chamava de cocó, enrolando tudo em círculos que se sobrepunham, escondendo a ponta dos fios embaixo do coque. E, com um único longo grampo prendia tudo e assim ficava o seu penteado perfeito durante todo o dia".
Esta minha bisavó viveu bastante, e teve 23 filhos. Essa sempre foi uma conta impressionante para mim, pois para ter 23 filhos - nenhum gêmeo, todos nascidos de parto natural, fora os eventuais abortos - ela teve que engravidar uma vez por ano, dos 16, quando casou, aos quase 50, quando teve o último. Passou a vida fértil dela toda grávida! Mal terminava de amamentar um e já estava grávida do próximo... "A verdade é que muito raramente tinha sua menstruação pois ou estava gestante ou amamentando. Este período ela denominava "estar doente": ficava de repouso, não comia frutas cítricas, a comida não era temperada, cebola e alho eram evitados, não lavava os cabelos, não usava roupa clara...", conta tia Anne. Pois é. Destes 23 filhos, 20 morreram na infância, vítimas de doenças diversas, sem cura na primeira década de 1900. Morriam de disenteria, sarampo, catapora, caxumba, gripe, pneumonia, infecções das mais diversas. A minha avó Eronides me contava que não lembrava da mãe que não fosse grávida, e que não lembrava de ano que não tivesse ao menos um nascimento e uma morte. Era assim na família dela, mas também em toda a comunidade. Sua "diversão" era sentar-se à janela de casa, para ver as procissões de caixõezinhos brancos, passando.
Sobraram apenas 3 filhos, dentre eles a minha vó, mulher forte, "marrenta", como se diz aqui no Rio. Ela mesma perdeu 5 filhos, 4 filhos do primeiro casamento e um adotado, todos quando ainda vivia no nordeste. Dos filhos que teve no sul, do segundo casamento, pensou em dar o nome de Beatriz à mais nova. De novo é tia Anne que me conta: "Sabes que tua tia Nida deveria ter sido batizada com o nome de Ana Beatriz (somando o nome das suas duas avós) e... teu avô foi contra, pois seria uma carga muito pesada para a caçula da família?" Ao fim da própria vida, minha avó Eronides teve Alzheimer, e algumas das suas alucinações eram flashbacks claros dos filhos perdidos...
Pois dizem que quando eu era criança tive um período que dei para ter amigas invisíveis e "encarnar" personalidades. Uma das preferidas era "Beatriz". Eu enchia a boca de ar e dizia que quem estava ali era a Beatriz, o que deixava boquiaberta a minha tia Helena, espírita.
Quando minha mãe engravidou pela 3a. vez, já no seu segundo casamento, pensou em vários nomes para a filha que ia nascer. Fez uma lista. Mas, na hora que viu minha irmã pequeninha, em seu colo, deixou todas as opções de lado e decidiu, sem pestanejar, que o nome dela seria Beatriz, deixando surpreso meu padrasto, Chico.
Não me pareceu acaso, portanto, que minha sogra também se chamasse Beatriz. Acho que tenho um carma com esse nome, com essa força, com essas histórias. Minha sogra faleceu há 2 anos, no mesmo mês do nascimento do Erik. A vida é isso, esse ciclo infinito de nascimento e morte, dia e noite, luz e sombra, força e fraqueza, saúde e doença. "A vida é dualidade", disse-me hoje meu pai-monge. Uma moeda de duas faces, e a gente só consegue ver uma face de cada vez, portanto precisa viver intensamente a face que nos está sendo mostrada. Mas, para não enlouquecer, é preciso sempre lembrar-se que a outra face está lá, do outro lado, e que a veremos novamente em seguida...
Por isso tudo, este post é uma carta à Beatriz, neste momento, à minha Beatriz viva, minha irmãzinha. E é uma carta de Mãe para Mãe. De uma Mãe com um filho doente para uma Mãe que acaba de perder o seu. Uma carta de irmã para irmã. Uma carta para Beatriz.
Bia,
Nesta semana perdestes teu filho. Vi tua "implosão" de sentimento, mana, tua dignidade diante do sofrimento indizível, vi isso e nada pude fazer para te consolar. Todos a tua volta queriam te consolar dessa dor sem consolo, e tudo que senti e que certamente todos sentiram foi uma impotência imensa...
Falando sobre nomes, sua força e significado, queria te lembrar de quando escolhestes para o teu menino o nome de Gabriel. Tinhas apenas 18 anos quando ele nasceu, eras uma menina, ainda inocente e assustada, um tanto revoltada com esse viés do destino, e naquela ocasião, no teu quarto, te lembrei que Maria também tinha tido um filho assim jovem, e que Gabriel era o nome do anjo que anunciou sua missão na vida. Lembras disso? Há não muito tempo atrás, escrevi um post sobre o Sim de Maria, pois entendi que todas as mães, cedo ou tarde, acabam por dizer esse "Sim", um sim que carrega sacrifício e libertação, que implica em aceitar uma missão.
É impressionante como o tempo acabou provando ser forte esta missão que aceitastes. Eu lembro de como foi difícil para ti. Tinhas tantos planos! Cursar medicina, viver os teus 20 anos, namorar, viajar, curtir a noite, os amigos... A tua missão de mãe, sem o apoio de um pai com quem compartilhar o dia a dia, foi das mais árduas. E tu a tomastes como tua, sem deixar que ninguém interferisse, sem dividi-la. Quase que rosnavas quando alguém queria te ajudar, dividir contigo. Era coisa tua, uma questão de honra, te sentias constrangida e orgulhosa, não deixavas que chegássemos muito perto... Tu cuidastes, tu educastes, tu amastes. Amastes aquele menininho sem limites. Foram 12 anos de vida dedicada às necessidades desta criança.
No mesmo ano em que o Gabi nasceu, o teu pai se foi... E foi também uma perda enorme para ti, pois eu sei que ele era teu colo... e como esse colo te fez falta. Enfrentastes tudo, todos, e fostes Mãe com letra maiúscula. A infância do Gabi teve seus desafios desde o princípio. Ele era um menino voluntarioso, dono de uma energia inesgotável, que muitas e muitas vezes enfrentou suas bronquites, crises de vômito, e outras situações resultado da peraltice: lembra da vez que ele saltou o muro da casa do avô e caiu de barriga sobre as ponteiras da grade? Ui. Não gosto nem de lembrar. Estava sempre aprontando! Inteligente, vivaz, questionador. Um desafio grande de educação, e tu lá, sem te deixar abalar. Ou se te abalavas, guardavas isso para ti. Quantas vezes ouvi teu suspiro contido, tu que sempre fostes de poucas palavras...? Quantos programas perdestes, quantas vezes tivestes que adiar teus próprios planos? Que peso teve este teu Sim, minha irmã...!
E a tua paciência com o pai do Gabi, o Rafael. Faz pouco tempo que eu o conheci, pois faz pouco tempo que ele se rendeu e se aproximou... E sei o quanto ele está mudado, o quanto assumiu a responsabilidade pelo filho, ainda que isso tenha sido recente... Poderias tê-lo afastado, poderias tê-lo processado, até, exigido direitos, essas coisas. Todos - inclusive eu - te recomendaram isso. Dissestes que não. Fostes simplesmente paciente e incansável, acolhendo inclusive os filhos dele, com outras mulheres, dentro da tua casa, para que não deixassem de conviver entre si. Promovestes a amizade linda entre o Gabi e o irmão mais velho, Matheus. Tua serenidade e dedicação não teve limites. Destes tudo de ti, tudo. Sabe-se lá quanto tudo isso te custou...!
Quando o Gabi adoeceu pela primeira vez - eu me lembro exatamente do momento em que recebi esta notícia - fiquei pasma em como as provas não paravam de se apresentar para ti. "Que fardo, meu Deus!", foi o que pensei... Tu fostes em frente. Estavas prestes a terminar a faculdade, mas adiastes teus planos mais uma vez para estar ao lado dele, em todos, todos os momentos. Foram três anos, desde o diagnóstico, até o seu falecimento, na última 6a. feira, dia 16/08/2013. Três anos de sofrimento, é verdade, mas também três anos de muito amadurecimento.
Tu te tornastes uma Mulher. Uma Beatriz, digna daquela minha bisavó, que nem é tua bisavó (somos filhas de pais diferentes e essa Beatriz de que falo é minha bisavó por parte de pai), mas que é impossível não pensar na semelhança. Ela viveu isso - de perder um filho - 20 vezes. Vinte vezes! Vinte doenças, vinte derrotas, vinte enterros! Naquela época isso era tão comum que imagino que as pessoas até encarassem diferente... Mas, ao mesmo tempo, sabemos que a dor de perder um filho é incomensurável, insuportável, inesquecível, insuperável, em todos os tempos, em todas as culturas, em todas as raças, em toda a história. A dor de Maria é mitológica: encarna esse sofrimento para que tenhamos um pouco mais de compreensão sobre aceitar nosso papel no mundo. Um papel de generosidade, de doação do corpo, do tempo, da juventude, da própria vida, para um filho. Tu fizestes isso, mana, sem titubear. Vivestes este mito pessoalmente. Não és a única, pequena, mas fizestes a tua história magistralmente.
O Gabriel é - mitologicamente e realisticamente falando - o teu anjo da anunciação particular. Ele veio, não tenho dúvidas, para anunciar a tua missão. Cumpristes uma parte dela, cuidando dele, aproximando-o do pai, amadurecendo e florescendo como mulher, mas a tua missão não acabou aqui, com a partida dele. Tu sabes disso. Na verdade, eu arriscaria dizer que tudo, até agora, foi só a tua preparação. A tua verdadeira missão, minha irmã, começa AGORA. Tens muita coisa, muita vida ainda pela frente, muita história ainda para escrever. Muitas batalhas para lutar. Não pense que será fácil, só porque essa batalha terminou; é agora que começa a tarefa de estender a tua força, essa musculatura moral que adquiristes, às batalhas de tantas outras mulheres, mundo afora. A começar por mim, que me inspiro em ti, e estou vivendo também minha própria batalha. Saibas que te tenho como exemplo, tu, minha irmãzinha mais nova, minha bonequinha. Inspirada em ti, não vou desistir, nem por um segundo, não vou esmorecer, não vou perder a fé nem a esperança. Nosso Erik vai vencer a doença. Vai resistir. E vai fazê-lo com a lembrança viva do Gabi dentro de nós. Choro, agora, ao escrever isso, pois penso que temos um anjo no céu para nos ajudar a vencer... O Gabi deve estar lá, montado num skate fazendo manobras radicais nas nuvens, questionando Deus de tudo, intrigado com as questões de verdade e mentira, e certamente nos mandando força para continuarmos em frente aqui em baixo.
Voa, Bia. Voa alto. Agora é tua hora, tua vez, e eu sei que, sendo a tua vez, ainda vais te dedicar a trabalhar com oncologia pediátrica, na tua área que é a nutrição (nutrir, alimentar, curar). Vais trabalhar neste meio tão difícil e doloroso, mas que se contém perdas, às vezes, também contém a chance da cura, contém a vida. Saibas que não perdestes o Gabriel; ganhastes o Gabriel e um sentido para a tua vida. Muita gente, mana, muita gente não tem sentido para a sua vida. Isso é uma dádiva, e tu a tens. O Gabriel te deu isso. É uma vitória, não um fracasso. Ele estará para sempre em nós.
Saiba que é teu filhote lindo, anjo Gabriel, este teu guia, que te chama para esse vôo, para encarar a vida e toda a sua dualidade, sem deixar de sorrir, sem deixar de chorar quando preciso, mas sem se deixar abater. Resiliente, capaz de se levantar a cada queda. Ele não te escolheu à toa. É porque és muito, muito especial. Lamenta, sim, quando tiveres que lamentar, toma teu fôlego, que mereces, tira as tuas férias, te energiza, te recupera. E depois vai, irmã, vai abraçar a tua Vida. Acredito em ti.
Conta comigo, sempre. E me empresta essa tua força, que vou precisar!
Tua irmã e admiradora,
Valéria
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Turbilhão da vida, Erik internado, semana difícil, lutas e esperanças
Erik dorme. Estamos no INCA, internamos hoje, mais uma vez. Na verdade, viemos na 3a. feira para internar, mas a imunidade dele estava baixa demais e o Dr. Alexandre Apa achou que duas injeções em casa seriam suficientes para fazer subir a imunidade e permitir a internação para a primeira etapa da quimio desta fase de "intensifcação". Fizemos uma injeção ainda na 3a., aqui no ambulatório mesmo, para pegar mais uma dose na farmácia e voltar para casa. Ontem dei a primeira injeção da minha vida em casa! Tremi de medo, mas acho que passei no teste.
Hoje voltamos na esperança de que ele já estivesse suficientemente forte para começar a quimio, mas não estava... A imunidade baixou mais ainda! E ainda teve um agravante: desde ontem o Erik está com os olhos muito vermelhos e inchados, e o médico diagnosticou um quadro viral de conjuntivite. Consequências de quem está sem defesas e pega qualquer coisa que tenha passado por perto. O médico então decidiu não esperar mais para internar, assim ele pôde dar mais uma dose de medicação para aumentar a imunidade já no soro, supervisionada aqui no hospital, e acompanhar a evolução dessa virose.
Ficamos no isolamento, com precaução de contato... Agora, a internação que deveria ter sido de 3à à 6a, e garantiria que eu já estivesse em casa para passar o final de semana em família, provavelmente vai durar uma semana... enfim, é isso que quero dizer com "estar disponível", e saber que cada vez que venho aqui não sei quando saio... Estou enfiada no meu pijaminha azul do INCA, embaixo das cobertas... pois faz um frio danado para o Rio de Janeiro...
Sei que ficou meio confuso, mas estou cansada demais para revisar. Espero que entendam o que aconteceu.
Nesta 3a. feira também enterramos uma amiga querida, Silvaninha Amorim, esposa do nosso amigão Sadil Breda, cinegrafista de mão cheia, diretor de fotografia talentoso. E mãe dos queridos e talentosos Pedro e Luísa Breda. A Silvana lutava contra o câncer há 5 anos. Tinha sido dada como curada no final do ano passado, mas apareceu de novo... desta vez no pulmão. Ela faleceu durante um procedimento... e deixa muitas, muitas saudades. Quem leu os posts desde o início deve lembrar que eu contei aqui a visita dela ao Erik, na nossa primeira internação. Foi um momento importante, daqueles em que duas pessoas se olham nos olhos e entendem uma a outra. Fico feliz que tenhamos tido essa oportunidade... Vai em paz, Silvana... Cuida de tudo aí de cima! Faz um lobby com Deus, prá que o Erik vença essa luta...! Iluminastes todos à tua volta, criastes filhos maravilhosos e fizestes uma família linda. Foi uma bela vida, amiga...
Minha irmãzinha Bia está neste momento no Hospital das Clínicas, em Porto Alegre, com o filho, Gabriel, de 12 anos, internado. Ele luta contra o câncer há 3 anos, mas a última reincidência foi particularmente agressiva e as metástases se espalharam... A situação do Gabi é realmente delicada, e sabemos que precisamos estar preparados para os próximos acontecimentos... Embora isso seja quase impossível. Minha irmã é uma guerreira, uma pessoa iluminada, generosa, determinada, consciente, incansável. Uma Mãe, no sentido mais amplo da palavra, com letra maiúscula e todos os méritos. Tenho muito orgulho dela, e sei que vai superar toda essa provação e retomar sua vida, com a certeza de que deu tudo de si, fez o melhor que pode, cumpriu sua missão com louvor, amou sem reservas um filho lindo e inteligente, ativo e cheio de energia, e o fez nos momentos alegres e também nos mais difíceis. Bia, eu te amo, te amo e te amo. Conte sempre comigo, a vida toda, como irmã e amiga. Queria poder estar aí, segurando a tua mão; sei que querias também segurar a minha... mas a vida nos colocou nessa situação inusitada, de estarmos as duas ao mesmo tempo na mesma luta. Isso não nos afasta, nos aproxima e permite que a gente se entenda... Sou tua fã, tu me inspiras a ser uma pessoa melhor.
Exausta. Rezem, amigos, rezem por nós: pela Silvaninha, pela família Breda; pelo Gabriel, pela Bia; pela minha mãe, que agora está lá, ao lado da minha irmã e enfrenta ela mesma um tumor na hipófise (acho que anda até esquecida do próprio problema); e por favor, rezem pelo Erik, para que ele vença, e por mim, para que eu tenha serenidade. Preciso de serenidade, sanidade, lucidez, paz de espírito, confiança, e preciso não ter pena de mim, de nós, preciso ir em frente, sem esmorecer, sem titubear, sem perder a fé, sem questionar Deus.
E doem suas medulas, por favor. Além de rezar, é tudo que vocês podem fazer: e acreditem, é muito, e é importante.
Hoje voltamos na esperança de que ele já estivesse suficientemente forte para começar a quimio, mas não estava... A imunidade baixou mais ainda! E ainda teve um agravante: desde ontem o Erik está com os olhos muito vermelhos e inchados, e o médico diagnosticou um quadro viral de conjuntivite. Consequências de quem está sem defesas e pega qualquer coisa que tenha passado por perto. O médico então decidiu não esperar mais para internar, assim ele pôde dar mais uma dose de medicação para aumentar a imunidade já no soro, supervisionada aqui no hospital, e acompanhar a evolução dessa virose.
Ficamos no isolamento, com precaução de contato... Agora, a internação que deveria ter sido de 3à à 6a, e garantiria que eu já estivesse em casa para passar o final de semana em família, provavelmente vai durar uma semana... enfim, é isso que quero dizer com "estar disponível", e saber que cada vez que venho aqui não sei quando saio... Estou enfiada no meu pijaminha azul do INCA, embaixo das cobertas... pois faz um frio danado para o Rio de Janeiro...
Sei que ficou meio confuso, mas estou cansada demais para revisar. Espero que entendam o que aconteceu.
Nesta 3a. feira também enterramos uma amiga querida, Silvaninha Amorim, esposa do nosso amigão Sadil Breda, cinegrafista de mão cheia, diretor de fotografia talentoso. E mãe dos queridos e talentosos Pedro e Luísa Breda. A Silvana lutava contra o câncer há 5 anos. Tinha sido dada como curada no final do ano passado, mas apareceu de novo... desta vez no pulmão. Ela faleceu durante um procedimento... e deixa muitas, muitas saudades. Quem leu os posts desde o início deve lembrar que eu contei aqui a visita dela ao Erik, na nossa primeira internação. Foi um momento importante, daqueles em que duas pessoas se olham nos olhos e entendem uma a outra. Fico feliz que tenhamos tido essa oportunidade... Vai em paz, Silvana... Cuida de tudo aí de cima! Faz um lobby com Deus, prá que o Erik vença essa luta...! Iluminastes todos à tua volta, criastes filhos maravilhosos e fizestes uma família linda. Foi uma bela vida, amiga...
Minha irmãzinha Bia está neste momento no Hospital das Clínicas, em Porto Alegre, com o filho, Gabriel, de 12 anos, internado. Ele luta contra o câncer há 3 anos, mas a última reincidência foi particularmente agressiva e as metástases se espalharam... A situação do Gabi é realmente delicada, e sabemos que precisamos estar preparados para os próximos acontecimentos... Embora isso seja quase impossível. Minha irmã é uma guerreira, uma pessoa iluminada, generosa, determinada, consciente, incansável. Uma Mãe, no sentido mais amplo da palavra, com letra maiúscula e todos os méritos. Tenho muito orgulho dela, e sei que vai superar toda essa provação e retomar sua vida, com a certeza de que deu tudo de si, fez o melhor que pode, cumpriu sua missão com louvor, amou sem reservas um filho lindo e inteligente, ativo e cheio de energia, e o fez nos momentos alegres e também nos mais difíceis. Bia, eu te amo, te amo e te amo. Conte sempre comigo, a vida toda, como irmã e amiga. Queria poder estar aí, segurando a tua mão; sei que querias também segurar a minha... mas a vida nos colocou nessa situação inusitada, de estarmos as duas ao mesmo tempo na mesma luta. Isso não nos afasta, nos aproxima e permite que a gente se entenda... Sou tua fã, tu me inspiras a ser uma pessoa melhor.
Exausta. Rezem, amigos, rezem por nós: pela Silvaninha, pela família Breda; pelo Gabriel, pela Bia; pela minha mãe, que agora está lá, ao lado da minha irmã e enfrenta ela mesma um tumor na hipófise (acho que anda até esquecida do próprio problema); e por favor, rezem pelo Erik, para que ele vença, e por mim, para que eu tenha serenidade. Preciso de serenidade, sanidade, lucidez, paz de espírito, confiança, e preciso não ter pena de mim, de nós, preciso ir em frente, sem esmorecer, sem titubear, sem perder a fé, sem questionar Deus.
E doem suas medulas, por favor. Além de rezar, é tudo que vocês podem fazer: e acreditem, é muito, e é importante.
sábado, 10 de agosto de 2013
Vida louca vida...
Linda minha família na varanda de casa, não? É uma vida louca essa. Tudo ao mesmo tempo agora. Sinto-me numa montanha russa de emoções, tendo que alternar estados de humor em minutos, horas. A minha vida é bipolar. Problema é que eu não sou. Costumo ter um humor estável (tá bom, exceto quando estou de TPM).
Temos tido sucessos profissionais - bem quando não posso participar deles como gostaria, como foi o caso da JMJ e agora com o fechamento do contrato do Internacional. Fui para Porto Alegre neste final de semana passado, para visitar o Gabriel, meu sobrinho de 12 anos recém cumpridos, filho da minha irmã. Ele há 3 anos luta contra um Sarcoma de Ewing, e agora, está atravessando uma fase difícil, lutando contra uma recidiva agressiva, hospitalizado. Ao mesmo tempo que eu estou com meu filho com leucemia, minha irmã está também nesta mesma luta. Minha mãe está com os dois netos em tratamento de câncer. Não é louco? Pois saí do hospital das Clínicas em POA na 3a. feira direto para a assinatura do contrato com o Inter, no Beira Rio, com direito a bolo e espumante. Haja coração. Batalhamos por este projeto desde o ano passado, é uma conquista muito importante, particularmente para o Edson, que ansiava por esta vitória. Como disfarçar minha cara inchada de tanto chorar?
Para completar, nesta mesma semana era para termos recebido a última parcela dos serviços prestados para a JMJ. Quem acreditaria que a Igreja Católica Apostólica Romana não iria honrar com seus compromissos?! Pois acreditem. Não honrou. Estão nos devendo cerca de 30% do orçamento, hoje com já 12 dias de atraso. Estou eu, depois de desmontada a produção do projeto, com a pemba de pagar as pessoas sem dinheiro suficiente, dando explicação, pedindo a compreensão de todos. Uma barbaridade.
Vocês já ouviram falar que o cérebro do homem e da mulher são diferentes, que os homens põe cada coisa numa caixa e as mulheres vêem tudo interligado? Pois é. Não consigo separar o meu estado de espírito em caixinhas. Ele é um só. É um emaranhado de emoções contaminadas umas pelas outras. Um verdadeiro curto-circuíto. Pobre do Edson. Não tem como me aguentar mesmo. Isso que ele é emocional, muito mais do que a maioria dos homens. Mas ele diz que não consigo ser feliz quando uma coisa boa acontece, porque ponho peso demais no que está acontecendo de ruim e não me permito ser feliz. Talvez. Sei lá. Vou pensar mais sobre isso. Será que todo o tempo, em todas as vidas, coisas boas e ruins acontecem ao mesmo tempo e temos que aprender a ser felizes nesta alternância de problemas e alegrias? Ou será que realmente tenho vivido coisas extraordinariamente opostas mesmo? Enfim, sou eu, ou é a vida?
Mas vamos às notícias do Erik, que há tempos estou devendo. Pois ele terminou a fase da Indução, com total sucesso. Ontem, sexta-feira, tivemos a consulta que encerra esta fase. Obteve a remissão da medula óssea, tendo passado por estes dois meses de tratamento sem nenhuma intercorrência, nem uma febrezinha. Surpreendeu os médicos. Digo que, se vocês estão rezando, orando, recitando mantras ou o que for que estejam fazendo, há de estar sendo ouvido lá de cima, pois ele realmente está se recuperando maravilhosamente bem. O raio-X da perna é testemunha: o tumor que começou tudo, regrediu, o osso está se reconstituindo e ele já foi liberado para andar! Isso é fantástico. Está andando de perninhas abertas, como se tivesse recém apeado do cavalo, mas ESTÁ ANDANDO. Três meses imobilizado, pobrezinho. Etapa vencida! O médico já liberou a próxima fase de tratamento, chamada Intensificação, que também é composta por um remédio forte prá caramba. Não sabemos como ele vai reagir... Serão 4 internações de 3 a 4 dias. No primeiro dia eles fazem os exames, liberam a quimio, que, conectada ao cateter, leva 24h pingando na corrente sangüinea. Depois ficam fazendo exames, com 48 e 72h, para só quando os parâmetros sangüineos voltarem ao normal, liberarem ele para voltar para casa. Aí, maravilha: são 15 dias em casa, de folga. Com a imunidade baixa, obviamente, enfrentando uma série de restrições alimentares e de contato. Claro que imagino que uma semana depois tenhamos que voltar para fazer exame de sangue e consulta, para monitorar, mas reduzirei bastante minhas idas ao INCA.
A notícia ruim é que a medula da Elena, infelizmente, não é compatível com o Erik. Isso me deixou bastante frustrada, esperava que ela pudesse vir a salvar o irmãozinho... E tínhamos tomado tantas precauções, como o congelamento do cordão umbilical ao nascer, dos dois! Pois não vai nos servir de nada, no momento. A natureza não colaborou... Eram 25% de chance dela ser compatível... Vocês sabem que tem mães que ficam tendo outros filhos até que um seja compatível com o primeiro? Teve um caso no INCA, que me contaram, de uma mulher que teve 4 filhos até que o último foi compatível com o primeiro, doente e precisando. Quantos anos de espera e tentativa! Já imaginaram o sufoco? Todas estas gestações passadas dentro do hospital, acompanhando o tratamento do filho doente... E essas crianças todas, dadas para outros criarem, praticamente, visto que o filho doente absorve a mãe integralmente... Mas nosso médico está otimista, achando que o Erik talvez não venha a precisar do transplante e a quimioterapia seja suficiente... Por precaução, vai cadastrá-lo já no banco de medula, para ver se encontramos alguém compatível que fique "na reserva", caso seja necessário. Agora sim, precisamos que o máximo de pessoas doem. A cada 20 mil doadores, temos 1 chance... É uma meta alta! Portanto, doem, doem, doem...
E, parafraseando o Papa Francisco, rezem por mim. Estou precisando. Estamos precisando.
Temos tido sucessos profissionais - bem quando não posso participar deles como gostaria, como foi o caso da JMJ e agora com o fechamento do contrato do Internacional. Fui para Porto Alegre neste final de semana passado, para visitar o Gabriel, meu sobrinho de 12 anos recém cumpridos, filho da minha irmã. Ele há 3 anos luta contra um Sarcoma de Ewing, e agora, está atravessando uma fase difícil, lutando contra uma recidiva agressiva, hospitalizado. Ao mesmo tempo que eu estou com meu filho com leucemia, minha irmã está também nesta mesma luta. Minha mãe está com os dois netos em tratamento de câncer. Não é louco? Pois saí do hospital das Clínicas em POA na 3a. feira direto para a assinatura do contrato com o Inter, no Beira Rio, com direito a bolo e espumante. Haja coração. Batalhamos por este projeto desde o ano passado, é uma conquista muito importante, particularmente para o Edson, que ansiava por esta vitória. Como disfarçar minha cara inchada de tanto chorar?
Para completar, nesta mesma semana era para termos recebido a última parcela dos serviços prestados para a JMJ. Quem acreditaria que a Igreja Católica Apostólica Romana não iria honrar com seus compromissos?! Pois acreditem. Não honrou. Estão nos devendo cerca de 30% do orçamento, hoje com já 12 dias de atraso. Estou eu, depois de desmontada a produção do projeto, com a pemba de pagar as pessoas sem dinheiro suficiente, dando explicação, pedindo a compreensão de todos. Uma barbaridade.
Vocês já ouviram falar que o cérebro do homem e da mulher são diferentes, que os homens põe cada coisa numa caixa e as mulheres vêem tudo interligado? Pois é. Não consigo separar o meu estado de espírito em caixinhas. Ele é um só. É um emaranhado de emoções contaminadas umas pelas outras. Um verdadeiro curto-circuíto. Pobre do Edson. Não tem como me aguentar mesmo. Isso que ele é emocional, muito mais do que a maioria dos homens. Mas ele diz que não consigo ser feliz quando uma coisa boa acontece, porque ponho peso demais no que está acontecendo de ruim e não me permito ser feliz. Talvez. Sei lá. Vou pensar mais sobre isso. Será que todo o tempo, em todas as vidas, coisas boas e ruins acontecem ao mesmo tempo e temos que aprender a ser felizes nesta alternância de problemas e alegrias? Ou será que realmente tenho vivido coisas extraordinariamente opostas mesmo? Enfim, sou eu, ou é a vida?
Mas vamos às notícias do Erik, que há tempos estou devendo. Pois ele terminou a fase da Indução, com total sucesso. Ontem, sexta-feira, tivemos a consulta que encerra esta fase. Obteve a remissão da medula óssea, tendo passado por estes dois meses de tratamento sem nenhuma intercorrência, nem uma febrezinha. Surpreendeu os médicos. Digo que, se vocês estão rezando, orando, recitando mantras ou o que for que estejam fazendo, há de estar sendo ouvido lá de cima, pois ele realmente está se recuperando maravilhosamente bem. O raio-X da perna é testemunha: o tumor que começou tudo, regrediu, o osso está se reconstituindo e ele já foi liberado para andar! Isso é fantástico. Está andando de perninhas abertas, como se tivesse recém apeado do cavalo, mas ESTÁ ANDANDO. Três meses imobilizado, pobrezinho. Etapa vencida! O médico já liberou a próxima fase de tratamento, chamada Intensificação, que também é composta por um remédio forte prá caramba. Não sabemos como ele vai reagir... Serão 4 internações de 3 a 4 dias. No primeiro dia eles fazem os exames, liberam a quimio, que, conectada ao cateter, leva 24h pingando na corrente sangüinea. Depois ficam fazendo exames, com 48 e 72h, para só quando os parâmetros sangüineos voltarem ao normal, liberarem ele para voltar para casa. Aí, maravilha: são 15 dias em casa, de folga. Com a imunidade baixa, obviamente, enfrentando uma série de restrições alimentares e de contato. Claro que imagino que uma semana depois tenhamos que voltar para fazer exame de sangue e consulta, para monitorar, mas reduzirei bastante minhas idas ao INCA.
A notícia ruim é que a medula da Elena, infelizmente, não é compatível com o Erik. Isso me deixou bastante frustrada, esperava que ela pudesse vir a salvar o irmãozinho... E tínhamos tomado tantas precauções, como o congelamento do cordão umbilical ao nascer, dos dois! Pois não vai nos servir de nada, no momento. A natureza não colaborou... Eram 25% de chance dela ser compatível... Vocês sabem que tem mães que ficam tendo outros filhos até que um seja compatível com o primeiro? Teve um caso no INCA, que me contaram, de uma mulher que teve 4 filhos até que o último foi compatível com o primeiro, doente e precisando. Quantos anos de espera e tentativa! Já imaginaram o sufoco? Todas estas gestações passadas dentro do hospital, acompanhando o tratamento do filho doente... E essas crianças todas, dadas para outros criarem, praticamente, visto que o filho doente absorve a mãe integralmente... Mas nosso médico está otimista, achando que o Erik talvez não venha a precisar do transplante e a quimioterapia seja suficiente... Por precaução, vai cadastrá-lo já no banco de medula, para ver se encontramos alguém compatível que fique "na reserva", caso seja necessário. Agora sim, precisamos que o máximo de pessoas doem. A cada 20 mil doadores, temos 1 chance... É uma meta alta! Portanto, doem, doem, doem...
E, parafraseando o Papa Francisco, rezem por mim. Estou precisando. Estamos precisando.
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