domingo, 16 de novembro de 2014

Erik: 5 meses de atualizações


Foram cinco meses sem escrever. Estou realmente em dívida com quem vinha acompanhando a história do Erik e sua luta contra a leucemia. Tentarei coloca-los ao par dos últimos acontecimentos…

Nas fotos vocês podem ver o Erik com seus cabelos de volta, depois de tê-los perdido com a quimio; o primeiro corte de cabelo com a amiga Danielle Carneiro; ele a irmãzinha Elena indo ao casamento dos amigos queridos Seani e Jaque; a Elena florzinha; Erik e a Elena prontos para a festinha de aniversário de uma amiguinha dela; ele comigo (com cara de cansada, sempre); Erik com o papai Edson, seu pai-herói... Enfim, algumas fotinhos deste período.

Escrever às vezes é doloroso, e às vezes, quando vivemos muitas coisas no mesmo período, não dá vontade de compartilhar tudo. Tem coisas que é melhor guardar prá gente, maturar, deixar criar corpo e entendimento, para então externar. Algumas coisas envolvem decisões sérias, que é melhor que sejam tomadas em particular, envolvem muitas pessoas, são delicadas… Espero que entendam…

No último post eu estava em pânico, pois o exame de doença residual mínima (DRM) do Erik tinha dado positivo. Pois então. Ocorre que um DRM positivo pode significar que a doença provavelmente vai reincidir, e ser portanto indicativo da necessidade de um transplante de medula óssea. O Erik ainda não tinha completado 3 anos, e o INCA não faz transplante em crianças menores de 3 anos. Em princípio, porque eles não tem uma equipe de pediatria hematológica especializada em transplante para atender lactentes, com suas necessidades específicas.

O que fizemos? Eu e o Edson aproveitamos que tínhamos reuniões de trabalho para serem feitas em SP, encontramos lá com meu pai, e conseguimos uma entrevista com um médico do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, um dos maiores especialistas em transplante de medula óssea do país e do mundo. Agradeço a alguns amigos que intercederam por mim, abrindo-nos esta porta. Trata-se do Dr. Vanderson Rocha, chefe do serviço de transplante do Sírio Libanês, da USP e também do Centro de Medula Óssea Europeu. Ele não mora no Brasil, vem de Oxford, onde é professor, apenas uma vez por mês. Valeu cada centavo do preço da consulta particular. Uma equipe nos atendeu inicialmente, com 3 médicos, que fizeram toda a anamnese e preencheram os dados do Erik no computador. Depois ele chegou. Os outros médicos ficaram em pé, atrás dele, enquanto ele lia tudo e fazia perguntas pontuais. Pegou os dados genéticos do Erik e com sua senha especial, acessou o Banco Mundial de Medula Óssea, com 24 milhões de doadores. O resultado da consulta foi imediato: o Erik conta com mais de 170 doadores compatíveis no mundo, a maioria na Alemanha (deve ser consequência do seu sangue Erdmann e de uma população especialmente sensível à doação de medula, pois eles tem um dos maiores bancos de medula do mundo). Tive um rompante de emoção e chorei feito criança, com o Edson e meu pai, cada um de um lado, emocionados também. Dá para entender o que significa ter a certeza de que não faltarão doadores para o seu filho? É como receber uma resposta de Deus às tuas preces, um seguro de que ainda teremos essa chance! Foi um momento muito especial.

Na sequencia, o médico explicou que o DRM já não é mais, na Europa, o exame mais adequado para se definir ou não um transplante, e que era uma pena que não tivéssemos feito o primeiro exame do Erik no sistema europeu, pois lá o processo é de análise genética e muito mais preciso, mas é preciso que os exames subsequentes sejam comparados ao do diagnóstico no mesmo sistema, portanto não poderíamos mais contar com esse recurso. Recursos que o Brasil ainda não conta. Então ele afirmou que seria melhor que fizéssemos lá no Sírio um novo mielograma com DRM, para termos uma análise de outro laboratório que não o do INCA, para podermos comparar os resultados. Ficamos mais uma semana em SP, e colhemos lá o exame numa sexta-feira. Na 2a. já tínhamos o resultado: deu negativo! Para nosso alívio total, evidentemente. Conversamos com o médico novamente por telefone, e ele nos recomendou mantermos nosso tratamento no INCA, que estava adequado e suficiente para tratar o caso do Erik, e que repetíssemos por mais 3x o exame mensalmente. Combinamos que se, no futuro, tivéssemos outro resultado positivo, voltaríamos a consultá-lo sobre as possibilidades de transplante no Sírio Libanês.

Um transplante no Sírio Libanês pode custar algo em torno de 850 mil a 1,5 milhão de reais. É uma fortuna. Não teríamos como arcar com isso, mesmo que vendêssemos tudo que temos. Como temos plano de saúde, precisaríamos contar que eles bancassem o tratamento, o que consta como compromisso do plano no contrato que assinamos. Infelizmente, sabemos que a relação com os planos de saúde em situações de tratamento de alto custo não são fáceis, e que além de encontrar bons médicos para nos atender, temos também que contar com bons advogados, pois essas autorizações costumam ocorrer abaixo de liminares. Mas... como se diz na minha terra, não está morto quem peleia, e não iríamos nos deixar deter diante disso, se essa fosse a melhor chance para salvar nosso menino, não é mesmo? Eu digo para vocês: pela vida dos meus filhos, vou ao inferno e volto de lá com ele nos braços. É isso que as mães (e os pais) fazem.

Voltei ao Rio, ao INCA, e apresentei os resultados para o médico que lá nos atende, Dr. Alexandre Apa. Ele ficou satisfeito com o resultado ter sido negativo, mas também surpreso com a nossa iniciativa de levá-lo em outro hospital. Disse que precisávamos decidir aonde pretendíamos tratar o Erik, para que não houvesse duplicidade de decisões. Concordei, afirmando que seguiríamos com ele, mas perguntei: - Dr., diga-me uma coisa: é normal que um resultado de DRM oscile deste jeito? Positivo-negativo-positivo-negativo? A doença oscila? Claro que ele teve que responder que não, que era mais provável, como eu supunha, que o resultado do exame do INCA tenha sido equivocado. Um falso-positivo. Perguntei se seria possível revisar esse resultado, para ficarmos mais seguros, mas não é: a análise tem que ser feita com o material fresco. Existe o fato também de que o equipamento que é usado para essa análise, no INCA, está ultrapassado, tem apenas 4 cores, embora eles já tenham comprado a máquina de 8 cores, que não está em operação ainda porque não dispõe de equipe treinada para opera-la (!!!). O equipamento está lá NA CAIXA, sem ser usado!!!! Achei isso bastante grave, pois quase que mandamos o Erik para um transplante desnecessário, com base num resultado errado! Entendam o seguinte: um transplante significa enfrentar 50% de chance de sobrevida. É algo extremamente agressivo, só faz sentido se estamos enfrentando chances menores do que essas no tratamento quimioterápico. Dá para entender a gravidade da situação?

É certo que iríamos repetir o exame em 30 dias no próprio INCA, por recomendação do próprio Dr. Apa, mas passamos um mês de cão aguardando para repetir esse exame, avaliando a possibilidade de nos mudarmos para São Paulo, sob a sombra de que talvez o Erik não tivesse doador… Ah, sim, tem isso ainda para comentar: ao chegar na consulta, o Dr. Apa estava contente em me dar uma excelente notícia que ele tinha tido do CEMO (Centro de Transplante de Medula Óssea): tinham encontrado UM doador para o Erik. Tirei o relatório do Sírio da bolsa, com os 170 doadores listados ao redor do mundo. Ocorre que o INCA tem por padrão PRIMEIRO consultar APENAS o banco nacional de doadores, REDOME, que conta com 4 milhões de doadores. Afinal, sai mais barato para o SUS a pesquisa interna e o uso de material nacional, do que pagar todas as despesas de um doador da Alemanha, por exemplo.

Não sei se vocês sabem, mas os doadores são ranqueados em função da sua compatibilidade com o paciente: o ideal é achar um doador 100% compatível, sendo que abaixo de 70% de compatibilidade (ou algo assim), o transplante não é seguro, devido às altas chances de rejeição e doenças enxerto-hospedeiro. Eu me pergunto: vocês acham que se o doador aqui do Brasil for 70% compatível, enquanto haveria outros, no exterior, que fossem, por exemplo, 90% compatíveis, o SUS faria a busca internacional, mesmo assim? Eles escolheriam o melhor ou o mais barato? Tenho engulhos só de pensar.

Outro aspecto: a resposta que levei poucos minutos para obter no Sírio, levou 1 mês no INCA. E se esse doador que encontraram lá no INCA não estivesse mais disponível? Estivesse com dados desatualizados, tivesse morrido, tivesse contraído hepatite neste meio tempo? Quanto tempo mais levaríamos para descobrir um novo doador, localizá-lo, fazer os exames necessários? O tempo para alguém que precisa de transplante é fundamental, pode ser a diferença entre a vida e a morte. Significou a morte para vários amigos do Erik por quem pedi que vocês rezassem neste meio tempo. Crianças que tinham já a necessidade de transplante pré-definida desde o diagnóstico, e que levaram um ano para ter o doador realmente disponível e o leito reservado. Só que neste meio tempo, a doença reincidiu e não respondeu mais à quimioterapia... Para que o transplante possa ser feito com segurança, é preciso que a medula esteja em remissão. A doença não pode estar circulando pelo corpo do paciente. Não vou listar os nomes dos anjinhos que se foram, em respeito às suas famílias, por quem me condoí junto e que agora estão inconsoláveis. Preocupam-me agora, no entanto, os outros tantos que esperam por doador, sem encontrar, há ANOS. Estarão eles buscando realmente nos bancos internacionais? Ou estão deixando o tempo passar para ver se surge alguém no Brasil, mais baratinho, para doar?

Por que cargas d’água, eu me pergunto, o SUS não tem acesso online e imediato ao Banco Mundial de Doadores? É mais caro?! Caramba, AONDE ELES ESTÃO DESPERDIÇANDO O DINHEIRO QUE PAGAMOS? Na Petrobrás?!

Por que eles não dão ao médico assistente as cartas, para que ele decida com critérios clínicos, qual o melhor doador? Tenho pena dos médicos no INCA, pois ficam de mãos amarradas diante de coisas que não estão sob sua alçada. Precisam acreditar no resultado dos exames que recebem, que não são feitos com o melhor equipamento disponível. Precisam acreditar no resultado de pesquisas que não são as melhores possíveis, mas apenas as mais baratas, decididas por burocratas distantes do drama dos pacientes. É lastimável.

Sem contar com a limitação estadual que o REDOME tem agora para as doações, estaduais. Existem tetos estaduais para receber doações. Mas isso merece um post à parte, farei, bem detalhado e embasado. Apenas para dar a dica: em Minas Gerais, por exemplo, eles não estão mais recebendo doações de medula óssea, pois atingiram o teto estadual de doações. Temos famílias desesperadas lá, esperando por um doador e fazendo campanhas para levar gente para doar, mas os hemocentros não as estão recebendo! Acreditem, esse é outro escândalo da saúde, embasado em argumentos financeiros.

Bom, voltando ao Erik. Fiquei de repetir o exame em 1 mês, pela opinião do Dr. Vanderson. Na opinião do Dr. Apa, só seria necessário repeti-lo em 3 meses. Optei por descobrir aonde, no Rio, com o meu plano, eu conseguiria fazer um exame mais qualificado. Consegui no Fundão, na UFRJ. Colhi o exame na ProntoBaby, com o Dr. Daniel Aranha (hematologista e pediatra de primeira categoria, por sinal), pelo meu plano, e mandei para análise no Fundão, UFRJ, onde tem a máquina de 8 cores. De lá, eles mandaram o resultado para avaliação do Euroflow, na Espanha, com quem tem correspondência. Pela graça de Deus, deu negativo novamente. Nem posso dizer para vocês sobre a nossa felicidade, minha e do Edson, e de toda a nossa família, diante destes resultados.

É claro que não estamos livres ainda. Isso demora, estaremos sob a espada de uma possível reincidência durante muitos anos.

Mas, neste momento, o Erik está ótimo, se desenvolvendo, falando da hora que acorda à hora que vai dormir, me deixando louca. Esse menino precisa muito entrar na escola! É arteiro que só ele. Como é de se esperar, aos 3 anos de idade, passa o dia me testando, aprendendo a diferença entre o certo e o errado. Deixa a mim, à irmãzinha Elena, ao papai Edson, à dinda Gilza, e a todos, de cabelo em pé. Vira e mexe, vai de castigo, para pensar sobre as artes que apronta.

Aprontou uma terrível esses dias, na companhia da Elena e de uma vizinha da mesma idade. Foram brincar na esteira de corrida. Levaram um tombo terrível, e o Erik conseguiu esfolar o braço e o rosto, uma queimadura de 2o. grau. A Elena também se machucou feio na perna, mas menos grave. Maior e mais ágil, conseguiu se proteger melhor. Ouvimos os gritos da nossa casa! Fomos correndo, eu e Edson, para resgatar os dois esfolados e aos prantos. Lá fomos nós para o pronto-socorro, preocupados que as plaquetas estivessem baixas e que a aventura resultasse numa hemorragia perigosa. Afinal, ele ainda toma quimioterapia diariamente, e seguirá neste tratamento até metade do ano que vem. Mas, ele estava ótimo... foram vários dias de curativos, cuidados especiais, sangramentos leves, ligações para o pediatra... Que sufuco!

Noutro dia ele se trancou no banheiro. Estávamos os dois sozinhos em casa. Foi uma comédia, pensando agora, mas passei maus bocados até conseguir a ajuda de um funcionário do vizinho, que apareceu aqui com uma ferramenta incrível, chamada “chave-de-fenda”, rsrsrsrsrs. Eu tinha tentado usar uma antes de chama-lo, mas sem resultado. Ele veio e com um “cleck”, liberou o meu monstrinho, que brincava alegremente dentro do banheiro há cerca de uma hora...

Neste meio tempo, tivemos eleições no Brasil e vimos novamente o povo reeleger Dilma Roussef e o Partido dos Trabalhadores. O que significa que o povo ainda acredita que ela está fazendo o melhor pelo Brasil, pela educação, pela saúde... pelo INCA. Um hospital de referencia, no qual acreditei e depositei a vida do meu filho. Um hospital fundamental para o tratamento do câncer no País, muito bem concebido por Getúlio Vargas há quase 80 anos. Mas que hoje sofre com esse tipo de política que narrei aqui, gerenciado por gente indicada por políticos na seu incansável comércio de cargos. Assistimos a uma debandada de profissionais de qualidade, à falta de equipamentos necessários, ao abandono da prática de pesquisa por falta de investimentos.

Como disse, vi mortes desnecessárias, vidas jovens que poderiam ter sido poupadas com o esforço certo na hora certa. Neste tempo convivendo com essa instituição, tive a triste oportunidade de assistir muitas tristes perdas. E vejam, sigo achando que eles contam com uma equipe heroica, submetida à condições extremas de trabalho, que fazem muitos pequenos e grandes milagres todos os dias. Sou muito grata aos médicos e enfermeiros, aos técnicos, a todos lá dentro. De verdade. O INCA merece mais atenção do Governo Federal, precisa de investimentos sérios e atenção redobrada. O combate ao câncer é uma questão de política pública, sobretudo, que jamais poderá ser resolvida no âmbito privado com a atenção que precisa. Lembremos que o câncer infantil é a principal causa de morte natural em crianças nos estados do sul e sudeste brasileiros, assim como nos países desenvolvidos (sabiam disso?).

Mudando de assunto. Da minha parte e do Edson, estamos tentando reestruturar nossa vida profissional, da qual fiquei afastada por um ano e meio, praticamente. Sim, uma leucemia infantil na família desestrutura muitas esferas da vida. São muitos baques paralelos, situações materiais para resolver, difíceis e estressantes. Mas a família segue unida, e isso, ah, isso não tem preço. Afinal, para quem está vencendo uma leucemia infantil, qualquer outra batalha é fichinha.

2 comentários:

  1. Não perde a fé nunca, minha amiga! NUNCA!!!!!! Beijos, Maria Alice

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  2. Preciso conversar com vc. Passo por uma luta igual a sua, mas no meu caso meu filho enfrenta uma recidiva e se prepara para um transplante. Se possivel entre em contato comigo? zhanne@gmail.com
    Muito obrigada

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