terça-feira, 9 de julho de 2013

Erik na batalha, ao infinito e além!

Dias se passaram sem que eu conseguisse escrever mais. A vida em casa, indo ao hospital, não tem sido muito propícia à escrita. Tenho priorizado dormir mais cedo, pois no dia seguinte, encarar a linha amarela tem sido um tormento com sono. Confesso que fechei os olhos e levei buzinaços quando o trânsito parava. Gente, tenho levado de 2 a 3h para cumprir os 50km que separam a minha casa do INCA! São longos períodos de puro tédio, esperando, esperando nos engarrafamentos... Tempo em que ora rezo, ora ouço notícias no rádio, ora choro, pensando em toda essa desgraceira, daí luto para afastar os pensamentos tristes, ora canto alguma música na MPB FM, daí me encho de esperança, olho para o retrovisor e vejo o Erik dormindo... ou vomitando, como hoje. Pela primeira vez ele vomitou. Fiquei desesperada, graças a Deus ainda estava na Estrada dos Bandeirantes e pude embicar numa mecânica para atendê-lo. Troquei toda a roupa dele, limpei a cadeirinha como deu, com lencinhos umedecidos (a invenção do século), dei água, me recuperei do susto e segui viagem. Ele dormiu o resto do caminho. Quando cheguei no estacionamento no centro e fui tirá-lo da cadeirinha... ele tinha vomitado novamente e eu não tinha nem visto! Vomitou dormindo! Tive que trocar toda a roupa dele DE NOVO, mas fiquei super-tensa, pensando em como fazer esses percursos sozinha, com ele no carro sem assistência no banco de trás. E se ele se engasga, meu Deus?! Pois é. Mas não tem outro jeito...

Algumas notícias desse período: na 6a feira passada tivemos consulta com o Dr. Alexandre Apa. O mais importante: confirmou-se a remissão da medula do Erik, depois do primeiro mês de tratamento. Isso é fundamental, comprova que ele tem uma excelente resposta à quimioterapia e confirma sua classificação de risco como "intermediária". Ele só não é baixo risco por causa da bifenotipia, por sua leucemia atingir tanto as células B como T, o que aumenta a probabilidade de recaídas futuras. Marcamos o segundo bloco de quimioterapia, para esta semana, no mesmo esquema: 4 dias ambulatoriais, 3 dias em casa, o que é um benção. Serão 4 semanas assim, mas o Dr. Apa acredita que ao todo levaremos de 5 a 6 semanas para cumprir os 4 blocos, pois a tendência é a imunidade dele cair demais e termos que adiar. É a média...

Ainda não temos resposta da compatibilidade da medula da Elena com a do irmãozinho. A espera por esta resposta é uma tortura... imagina se fosse uma emergência?! O que me disseram é que eles só tem dois equipamentos para realizar esses testes, e um quebrou. SUS, gente, SUS. É aí que as mazelas começam a aparecer. Adianta fazer força para aumentar o número de doações de medula, se o Hospital não tem como testá-las a tempo?! Como é que eles só tem 2 máquinas?! O INCA é o hospital de referência, caramba, e neste prédio onde fizemos a coleta, é a sede do CEMO, que administra o Banco Nacional de Medula Óssea... Puxa, quantas vidas estão dependendo disso?! PresidentE Dilma, Ministro Alexandre Padilha... parem de fazer demagogia com a importação de médicos sem diploma e EQUIPEM OS HOSPITAIS, pelamordedeus! Precisamos daqueles 20 centavos economizados em cada passagem de ônibus para comprar mais máquinas, novas e modernas, capacitar mais técnicos, biólogos, pesquisadores, cientistas, e correr com esse negócio! Como disse um cartaz, "NÃO SABEM O QUE FAZER COM 0,20? ENFIEM NO SUS!" Caramba! Segundo me explicaram no CEMO, estavam, na semana passada, concluindo as análises de maio, nem tinham chegado nas coletas realizadas em junho, e a Elena colheu sangue dia 05/06. Quem sabe ao final desta semana já teremos alguma resposta?! Será? Ou vamos ter que esperar virar uma emergência para esse resultado sair?!

Bom, fora isso, outra questão: consulta marcada com o médico para 8h de 6a. feira. Saio de casa às 6h15, para o quê tirei o Erik da cama às 5h30 e levantei às 5h. Cheguei um pouquinho adiantada: 7h50. Adivinhem a que horas fui atendida pelo Dr. Apa? Às 11h. Acontece que o "sistema" abre a marcação das consultas para a partir das 8h, quando teoricamente o médico deve chegar ao hospital (não sei informar a hora que ele chegou). Porém, ele primeiro passa nas enfermarias, depois sobe para o ambulatório, onde tinha meia dúzia de pacientes para atender. Agora me expliquem: não dava para fazer melhor, e respeitar um pouco mais a vida das pessoas e PRINCIPALMENTE, a vida do pobre paciente de 1 ano e 10 meses? Para quê dar prioridade para o bebê subir primeiro no elevador, se ele tem que ficar numa sala de espera por mais de 3 horas?! Tenho certeza que dá para o médico informar a recepção o horário que ele de fato estará disponível e agendar somente para esse horário. Questão de organização, vontade política de fazer mais e melhor. E não falo só por mim. Falo pelos outros pacientes que, na sala de espera, me viram fula da vida e disseram "ah, isso é assim mesmo... marcaram às 8h? Pode ter certeza que não vais sair daqui antes das 13h!". Eles vieram de ônibus. Levaram ainda mais tempo expondo seus pequenos filhos doentes à situações de risco e desconforto. Claro que eu posso, como todos os outros, simplesmente me conformar. Mas não me conformo. Acho inadmissível. Uma falta de respeito. Claro que reclamei com o Dr. Apa, mas ele fez graça, dizendo que quando eu estava internada estava de melhor humor, que ele podia me internar de novo... Dr. Apa, não é sua culpa, nem da secretária, recepcionista, enfermeira, administrador. É do sistema. E não falo do sistema software, que esse é facilmente adaptável. Falo do sistema de conformismo com o ruim, o medíocre, o "deixa assim, é assim mesmo, não vai mudar, é SUS, temos que aguentar, ficar na fila, esperar, ser pacientes, morrer numa maca no corredor, sem atendimento, é normal". Um sistema do qual fazem parte o médico, as enfermeiras, as secretárias, a administração do SUS, o Sr. Ministro da Saúde, a Exma. Sra. PresidentE, e também nós, pacientes. Sei que corro o risco, ao reclamar, ao me mostrar inconformada, de ser tratada com má vontade daqui para frente. Mas não acredito nisso. Sei que quem ler este texto, vai entender que TODOS nós, partes do sistema, precisamos nos INCONFORMAR com o ruim e fazer melhor. Não é por esse Brasil que estamos todos lutando nas ruas?

Buenas, voltemos ao Erik. Ele está bem, gente, está feliz da vida de estar em casa, querendo levantar e colocar o pé no chão. Infelizmente, o Dr. Walter Meohas, ortopedista, não o liberou para colocar o pé no chão. Ele está com o osso da tíbia proximal direita ainda rarefeita, e se colocar peso no pé, pode achatar aquela parte do osso "comida" pela leucemia e, com isso, prejudicar o crescimento da perna. Marcou novo raio-X para daqui 1 mês. Estou com muita dó, pois ele já não sente dor e está louco para ficar em pé. Hoje eu o deixei em cima do sofá, vendo TV, enquanto escrevia no Face. Pois em um segundo ele desceu do sofá. Quando vi dei um pulo, desesperada, e acabei colocando a tala nele novamente, com medo, muito medo, que isso se repetisse...

Outra notícia que me abalou hoje é que, saindo da quimio, passei na enfermaria para visitar os amigos. A Larissa tinha postado uma mensagem tristinha no Face e quis saber o que tinha acontecido. Pois é, acontece que ontem perdemos um paciente de 15 anos, estava no leito em frente ao dela. Todo amor do mundo para a mãezinha Márcia, que Nossa Senhora te console, querida, que possas colocar teu coração nas mãos de Deus, que lá em cima está recebendo teu guerreiro Guilherme... Que saibamos e possamos nos conformar com esses desfechos, por mais difíceis que eles sejam para nós, que daqui de baixo só enxergamos a dor, a tristeza... Amém. Sei que houve também um outro óbito na enfermaria da pediatria, mas não sei quem foi. E Larissa... não te deixe impressionar. Cada história é uma história, cada pessoa tem seu tempo. Deus abençoe todos que estão lá internados agora...

Como podem ver, está tudo bem... hehehehehe. Mãe tensa, braba, neurótica, vivendo momentos bipolares de neurose e depressão, sempre inconformada, leoa total. E cheia de amor para dar, pois o Erik tem sido cada vez mais carinhoso. Faz a alegria de todos que se aproximam dele, com suas gracinhas, com tudo que aprende. Dá "Oiêeee" quando entra no elevador, "Tchauuuuu" quando sai, abana, manda beijos, diz "...ado", querendo dizer "obrigado", direitinho, quando a gente atende um pedido dele. Tem aprendido palavras novas todos os dias. É um doce, inteligente, desenvolvido, bem humorado, inocente de tudo.

A Elena anda com ciúmes. Carinhosíssima, mas magoa-se por qualquer repreensão. Fica ofendida, abaixa a cabeça e sai correndo, triste. E eu a pego chorando no quarto, encolhida num cantinho. Agora, enquanto escrevo, ela está fazendo cafuné na minha cabeça... amo tanto, tanto, tanto esses dois. Que Deus não permita que nada de mal lhes aconteça.

Num próximo post vou falar ainda da Síndrome de Li-Fraumeni. Estamos participando de um estudo genético, pois nossa história familiar bate com os padrões desta Síndrome. São14 casos diretos para o Erik, pasmem, considerando-se que vivemos agora com 4 simultâneos, o que é azar demais para uma família só, precisa haver alguma outra explicação... Mas isso é assunto para muito chope, portanto, fica prá próxima...

6 comentários:

  1. Valéria, não a conheço, mas já a admiro. Um amigo de um amigo postou no FB o link para o seu blog e acabei abrindo. Primeiro queria prestar a vc minha solidariedade: como mãe me coloco no seu lugar e posso imaginar perfeitamente o que vc sente. Depois queria te agradecer pelas palavras. Sou médica e conheço de perto a dura realidade que vc conta (ainda que pra mim seja bem mais fácil, pois lido com isso profissionalmente). Não trabalho com Hemato/Onco, trabalho em uma UTI Neonatal, mas passei por estágios nesta área durante minha residência e tenho muitos amigos que trabalham com esta especialidade.
    Em tempos atuais nossa auto-estima anda muito abaixo do que vc possa imaginar. Todos os dias nós médicos nos sentimos desrespeitados, usados, desvalorizados. E vc foi perfeita em sua análise crítica: o que precisa mudar é o sistema. As autoridades precisam entender isso! Obrigada pelas suas palavras! Vindas de uma pessoa que não conheço, mas que se mostrou tão humana, lúcida, equilibrada - são um alento! Vc ganhou minha admiração e uma amiga a mais para torcer pela recuperaçao do seu filhote e pela alegria da sua família! Regina

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    1. Obrigada, Regina! Continue firme na tua profissão, que é muito mais do que um trabalho, um serviço: é uma vocação. Uma UTI Neonatal deve exigir demais do equilíbrio de uma pessoa. Admiro muito, muito, mas muito mesmo esse trabalho de vocês. Acho que eu não teria condições emocionais de lidar todos os dias com as perdas inevitáveis... Siga assim, com amor e dedicação... O mundo precisa de vocês. Nós precisamos.

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  2. Valéria! Obrigada de novo! Sim, é uma vocação para maioria de nós e amo o que faço. Vc falou uma grande verdade :"precisamos nos INCONFORMAR com o ruim e fazer melhor". Tenho certeza que vc não vai ter a antipatia e animosidade dos profissionais de saúde por causa da sua postura - pelo contrário, o "privilégio"de atendermos pessoas como vc no SUS é poder compartilhar com vcs (pessoas inteligentes, com senso crítico, formadoras de opinião) como o sistema é frágil, como somos engessados, como é difícil mudar e melhorar. Sua postura é irrepreensível! Como "paciente", como jornalista, como cidadã e PRINCIPALMENTE como mãe! Sorte dos seus filhos!!!
    Vc está em excelentes mãos! Mas por uma destas coincidências da vida, apesar de formada na UFRJ, hoje moro em Curitiba, que tem um dos centros de referência na área. Se precisar de qquer coisa, podemos manter contato...
    Meus melhores desejos e pensamentos p vcs! Regina

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  3. Valéria, através da página do FB de um amigo, cheguei até seu blog e quero deixar patente minha admiração por você e que és "guerreira" que toda mãe. Não deve ser fácil, falo como mãe também. Torço por vocês pais e pelo Erik e que vençam esta batalha. Outro dia, vi em uma entrevista que em momentos desta batalha devemos ter 3Fs de: FÉ, FORÇA E FOCO..Que Deus os abençoe. Grande beijo

    Tive a oportunidade de conhecê-la, há alguns anos no filme O Livro Vermelho, trabalhei na maquiagem.

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  4. Cada vez que leio seu blog, vejo que ser mãe é algo divino, faz com que seja tirada forças de onde nem imaginamos, coragem e fé que muitas vezes foram esquecidas .... adoro ser mãe e me inspiro na sua força, cada vez que tenho uma pequena dificuldade .

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  5. Valeria
    estava ansiosa por noticias de vcs
    parabéns pela tua força , não sei o que eu faria no seu lugar
    como pode demorar tanto tempo esta resposta sobre a compatibilidade ? é revoltante ,a espera na consulta , sem palavras
    continuo aqui sempre acompanhando , me emociono com vc, me revolto com vc ,me canso imaginado seus dias , enfim muita força ,coragem para vencer esta luta
    que Deus esteja sempre ao seu lado
    beijos

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