sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Hoje grandes emoções.

Comecei o dia sobressaltada por pesadelos, sonhos confusos. Sonhei que era obrigada a matar pessoas, por uma espécie de máfia. Primeiro era eu, depois não era eu, depois era eu de novo. Isso se passava em Porto Alegre, e eu tinha que fugir, e fugia pelo meio de uma antiga favela que existia à beira do Guaíba, onde hoje é a frente do Museu Iberê Camargo. Aí tinha o Guaíba, e lá estava eu com o Erik, e o Erik mergulhava no rio, brincando, mas ele submergia e eu ficava apavorada, pois não conseguia vê-lo, no rio barrento e sujo. De repente, ele voltava à superfície, e então mergulhava novamente, e eu me arrependia de não tê-lo tirado da primeira vez. E então eu procurava refúgio em meio aos casebres, para escabar da gangue que me obrigava a matar pessoas. Enfim, imagina o psiquê da pessoa aqui. Estou meio doidona, decerto. Mas diz um post do facebook hoje que ser normal é a meta dos fracassados, então, esta sou eu, que além de ter pesadelos doidos, os conta em posts públicos. Psicólogos de plantão, façam-me um favor: NÃO EM ANALISEM. Não há nada para analisar.

Enfim, estava preocupada com o horário para acordar, pois hoje pela manhã deveríamos ser os primeiros a subir para o centro cirúrgico. Mas... foram passando as horas e nada do maqueiro vir nos buscar. Fui perguntar o que acontecia (Erik de jejum, já reclamando), e então me caiu a ficha da gravidade da tal bactéria que o Erik pegou, a Clostridium Difícilis, que nos manteve no isolamento. O pessoal do centro cirúrgico deixa por último quem está em isolamento, por precaução de contato. Quando fomos finalmente chamados, subimos em elevador travado só para nós, não pude ficar na sala de espera com os outros, mas como não tinham onde nos colocar, nos puseram num cantinho cercada de biombos. Ao nosso lado, uma mulher chorava copiosamente, com muita dor de cabeça e medo de tomar morfina pela primeira vez.

Desta vez, me achei esperta: levei um livro de poemas da Cecília Meireles, que amo de paixão, para ler, mas... percebi que todos os poemas de que eu gostava falavam de morte, despedidas eternas, sofrimento... Bem, assim são os poetas. Ela escreve divinamente. Ainda vou compartilhar aqui os poemas que mais gosto e mais me dizem coisas nestes momentos.

Entrevista com a anestesista, sempre as mesmas perguntas. Alertei a essa - que era a primeira vez que eu via - que ele precisava, depois do procedimento, ficar pelo menos meia-hora na horizontal, para a quimioterapia ter o efeito esperado e espalhar-se igualmente pela coluna e que, da última vez, ele acordou da anestesia logo em seguida e foi muito difícil mantê-lo parado. Ela então disse que coordenaria a dose para ele dormir um pouco a mais. Ele foi levado para o centro cirúrgico e o anestesiaram no meu colo. Já disse como odeio vê-lo adormecer... Cantei para ele baixinho, para que sentisse minha presença, até que me mandaram sair.

Fui para a sala de espera novamente, e na TV estava o raio de um jornal comandado por uma mulher sensacionalista que explorava a dor de uma mãe que há 6 meses mantinha o quarto do filho intacto, desde que ele desaparecera. Felizmente a enfermeira se tocou que aquilo não era programa para quem estava naquela sala e trocou o canal. Não demorou muito e, em seguida, o Erik foi liberado - procedimento rápido. Não pudemos ir para a sala de recuperação, novamente por causa da precaução de contato. Fomos direto levados para o nosso quarto... Ele dormiu uma hora e meia, a anestesista caprichou mesmo na dose.

A a médica residente me explicou que de agora em diante, por causa deste episódio, todas as vezes que internarmos, teremos que ficar em isolamento. Ainda não aceitei isso muito bem, pois... como vai ser então quando, na próxima fase do tratamento, voltarem as quimios ambulatoriais? Não vamos poder frequentar o ambulatório? O Erik não vai mais poder ir na brinquedoteca? Mesmo depois de curado, depois de todo o antibiótico? Então essa bactéria é multiresistente? Mas se fosse, então o antibiótico não estaria fazendo efeito... enfim, fiquei confusa. Acho que preciso tirar essa informação à limpo... Perguntei se não podíamos ter alta ainda hoje, na volta do centro cirúrgico, mas eles preferiram me manter aqui por mais 24h, pelo menos, para observação. Fiquei muito frustrada. Queria que passássemos o final de semana em casa. Há 10 dias que não vejo o Edson... São 10 dias longe da Elena, com apenas um dia de intervalo em que fui em casa. Deprê.

Pedi então para a enfermeira que olhasse o Erik enquanto eu tomava um banho, e expliquei que precisava também comprar fraldas para ele... Ela se propôs a levá-lo para o centro de enfermagem enquanto eu tomava banho e descia um pouco para ir na farmácia. Foi um respiro sair, mesmo que por um minuto... Mas, na minha volta, ele havia vomitado. Estava feliz da vida, com 3 balões coloridos, fazendo farra e tirando fotos na enfermagem (o que me leva a crer que a coisa do isolamento é assim... relativa...), todo vomitado. Que beleza. Deve ter sido a dose extra de anestesia!

Bom, o Erik também precisava de banho. Organizei a banheira, enchi de água, trouxe ele, e, no meio do banho, novo episódio de vômito, dentro da banheira. Que legal. Tirei ele o tanto que deu, troquei a roupa de cama, coloquei ele na cama limpinha, de roupa nova, passei todos os soros por dentro da camisa. Ele pediu suco... dei um suco de uva que estava aqui e... na seqüência (desculpem, adoro tremas e sou revoltada com a reforma ortográfica que baniu essas queridas) um vomitão gigante pintou de suco de uva toda a roupa de cama e ele inteiro, inclusive o curativo do cateter.

Beleza. Chamei a enfermeira, montei de novo a banheira, dei banho, troquei mais uma vez a roupa de cama, a enfermeira trocou o cateter, eu passei tudo pela manga da nova camiseta e coloquei ele sentadinho para ver tv... e me virei, para estender a toalha no varalzinho da varanda. A copeira trouxe a janta, colocou na mesinha aos pés do berço e o Erik se entusiasmou e engatinhou, dentro do berço: "Papá, papá!!!". Adivinhem o que aconteceu?! Desconectou o plug do soro do cateter e em vez de entrar soro, saiu sangue, muito sangue, por todo berço! Dei um grito de susto, pulei para o lado dele, peguei o caninho e apontei para cima, jorrando sangue tipo chafariz, chamei o colega de quarto para que gritasse pelas enfermeiras, ele saiu gritando: "O Erik está sangrando!!!", no mesmo momento eu, pela primeira vez, apertei o botão vermelho de emergência... e achei o plug do soro, ao mesmo tempo que a enfermeira entrava e me dizia: "Pluga isso aí!" e eu pluguei, e o sangue parou. Minhas pernas bambearam. Confesso que, com essa, fiquei nervosa. De verdade.

Enquanto elas discutiam se o cateter tinha sido contaminado ou não, o Erik não parava de gritar: "Papá, papá!". Dei a comida dele na cama ensanguentada, para ele se tranquilizar, ao mesmo tempo que a enfermeira refazia o curativo do cateter, torcendo para que não tivesse sido contaminado e me dizendo que também tinha ficado bamba, achando que ele estava vomitando sangue, já que ele havia vomitado 3 vezes, e que já tinha se imaginado chamando a emergência da CTI para o Erik... Ave Maria. Nem quero pensar nisso. Todos os dias passo pela frente do CTI e vejo as mães na porta, chorando. Respirei fundo, troquei toda a roupa de cama novamente, jantei minha janta fria, e cá estou. Exausta.

Recebi a visita de uma amiga, uma dessas amigas que a gente faz nestas situações malucas. Conversamos sobre como podemos, estando aqui, não nos deixarmos atingir, tocar, influenciar, umas pelas dores das outras. É impossível. Ela estava emocionada, pois se encheu de esperança tendo conhecido outra criança que teve o mesmo Linfoma Não-Hodking que o seu filho, que é um lifoma raro, e essa criança se curou... Ela estava abalada emocionalmente, desde a semana passada, quando me viu receber a notícia do falecimento do Gabriel, e não tinha entendido porque eu estava chorando, achou que era algo com o Erik. Ficaram todos abalados aqui, depois que eu sai para viajar para o enterro, pois cada sucesso e cada fracasso mexe com todas nós, nossos medos e nossas esperanças. Todas estas histórias estarão para sempre nos meus sonhos e meus pesadelos.

Meu pai-monge recebeu um contato de uma amiga que a Bia fez no hospital, que também perdeu a filha há alguns meses e ainda não se conforma. Ela pedia ajuda espiritual. Choro por ela, e a tenho no meu coração... Ela vai conseguir superar, por mais difícil que seja.

Estou cercada de histórias, e NÃO CONSIGO SER INDIFERENTE. Mas dói em mim, cada uma delas, como se fossem minhas. SÃO minhas.

Chorei ontem, com uma mãe que veio aqui, conhecer o Erik. Ela disse que ficou muito tempo internada neste mesmo quarto em que estou, e que o filho dela, de 1 ano e meio, morreu há 6 meses, não resistiu. E ela desde então não tinha mais vindo no hospital, mas então decidiu vir visitar, pois tinha conhecido e se apegado a tanta gente... Na verdade, parecia ela própria meio alma penada...

Hoje soube de outra mãe amiga, preocupada com o seu filho. Além de estar com leucemia, ele é autista. Estão tentando "zerar" a medula dele, para que possa receber uma medula nova, de um doador que já existe, mas a medula não zera... E a carga de quimio está pesada demais...

E hoje vieram me apresentar uma menina que teve também LLA, como o Erik, mas que agora está no controle, curada, depois de um transplante bem sucedido. Uma história de sucesso.

E hoje aquela outra mãe, que está agora no 21o. dia do transplante do filho, veio aqui apenas para me dar um beijo. O filho dela já está aguardando para ter alta, basta que volte a comer, a medula pegou, deu certo o transplante... E fico tão feliz, tão feliz por ela.

Não me elogiem. Este blog não deve servir para alimentar minha vaidade, pelo contrário... Ele apenas me torna mais uma, uma que tem voz, porque se uns escrevem, outros dão injeções, outros limpam o chão vomitado de alguém, outros entregam a roupa limpa, outros trazem a refeição, outros dão diagnósticos, e muitas, muitas mães enxugam lágrimas de medo e enchem o coração de esperança a cada sucesso. E somos todos iguais, cada um no seu ofício, cumprindo seu destino. E vaidade é uma ferida, orgulho é uma chaga.

Paizinho, obrigada. Obrigada por abraçar essas missões. A minha missão, minha história. Nossa história. Nossas histórias.

O que será que eu vou sonhar essa noite, gente?!

14 comentários:

  1. Vais sonhar sobre o amor!

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  2. Vc irá sonhar com flores em um lindo jardim, que trará paz em teu coração. Como mãe que também sou, dói muito ver o nosso filho sofrer. O sol nasce todos os dias dentro de nós e com o calor que ele emana, traz a esperança. Também passo por um problema desse em minha família. Meu único irmão que não é criança como o seu filhinho, mas é um jovem homem que tem seus filhos ainda adolescente para acompanhar. Ainda estamos no início da luta. Na próxima semana, está marcado um procedimento para colocar o catéter e assim começar a químeoterapia. Tenho sofrido muito. A certeza que tenho é que tem uma força muito grande que nos joga para frente.
    Grande beijoe que Deus os abençoe!

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  3. Irás sonhar com uma água morna e doce que é a água do Rio.Doce como minha Mãe Oxum, a quem peço todos os dias para que fortaleça e a Ajude nesse momento difícil(mas que humildemente sabe que não é só seu).Estamos juntas, torcendo e sabendo que um "guri", amado e forte como Érick, está fadado a ter um final muito feliz.Que a OXUM e OXALÁ, lhe tragam uma noite com, força para os novos dias que virão."grande beijo que Deus os abençõe.

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  4. Um beijo, Valéria e Edson. Estou sempre rezando por vocês e pelo Erik. Vai dar tudo certo.

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  5. Força, Prima. Energias positivas. Tudo vai melhorar.

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  6. Vai sonhar e acordar com a alta para poder irem pra casa...ver sua Elena, seu Marido e estarem todos juntos com seu Erik...tenha fe e força, næo sei como e possível, mas espero que consiga. Oro todos os dias por todos vcs que aí estão. Fiquem com Deus e levantem com Deus!

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  7. Agradeço por compartilhares tua história com tanta intensidade de verdade e amor. Está travessia ,com certeza terá vitória!!!

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  8. Amiga, eu não tive tempo de te visitar, mas queria muito ter ido pra te levar um pouquinho do meu amor e te abraçar forte pra gente trocar energia boa. A barra tem sido pesada, mas vc vai conseguir, como eu sempre te falo PENSAMENTO POSITIVO SEMPRE. Procure afastar, sempre que possível, as pessoas que não tiveram sucesso nos tratamentos, perderam seus filhos, vc não precisa disso agora. Por mais que elas sofram e mereçam o nosso apoio, deixe pra pessoas que estão de fora fazerem isso por elas. Vc só precisa de pessoas com energia limpa, pra te trazer boas notícias pra te levantar e fazer circular o que há de bom entre vocês. Com a sua irmã é diferente, é seu sangue, é outro papo. Fica bem e conte comigo sempre, sempre, sempre! Amo muito vcs!!! Dani Santoro.

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  9. Valéria, vai sonhar que está velhinha, rodeada dos netos do Eric e da Elena, lendo poemas de Cecília Meireles pra eles, numa casa cheia de amor e alegria. Vai sonhar que teus relatos ajudaram muita gente a lutar pelos que ama e a reinvindicar pela dignidade da saúde pública. Fiquei com Deus!! bjosssssss Mima

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  10. É Valeria é isso mesmo que vc escreveu no final do texto como cantava O Chorão história nossas histórias dias de luta dias de gloria com certeza nao os conheço mas sou gaucha como vc tenho um filho como vc e nao sei como deus me abriu a pagina do se marido li a historia de vcs de sua irma e me emocionou muito e agora sigo orando vai tudo dar certo tenha fé em deus....

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  11. estamos aqui para te ouvir, e ouvir todas as outras histórias que são nossas também. Estamos todos no mesmo barco. Meus, sempre, melhores pensamentos para o Erik, para as outras crianças, todas as mães e todos que trabalham para curá-los.

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  12. Valéria, as coisas trazem em si o problema e a solução. Ao mesmo tempo em que sofres, vês o sofrimento alheio e isso te traz humildade e compaixão. Ao mesmo tempo em que tens medo pelo teu próprio filho, consegues sentir alegria pelo sucesso das outras mães... E o que dizes no final, a respeito da vaidade, mostra o quanto tens aprendido com tudo isso. Essa é a grande lição de tudo isso, nos fazer ver que somos parte de um todo, que ninguém é melhor de que ninguém, mas ao mesmo tempo, todos somos especiais e que, se conseguimos a resiliência necessária, nos desapegando do ego que alimenta "essa vaidade" que descreves, conseguimos passar por tudo sem sentir tanto a dor que nos causa "essa chaga" que tu dizes. Coragem, querida, tudo vai passar, tudo passa. Teu pai, através do próprio blog e do seu, tem me ensinado muitas coisas e sou muito grata por vocês e estou orando por todos. Com amor, Daniela

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  13. Torço muito por vocês! Dará tudo certo!!!

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  14. Que o Senhor te de muita graca para enfrentar todas essas situacoes.

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