Bom, cá estou em casa, de pijama de gente (e não o azulzinho do INCA), e o Erik segue gritando por mim, do berço dele. Ficou eufórico de voltar para casa, e eu também. Claro que nem tudo é como a gente idealiza: o Edson só pode nos buscar às 21h de 6a. feira, e às 14h de sábado eu tive que estar de volta no hospital, para começar a 2a. fase da quimioterapia. Nesta semana terei que ir 4 dias seguidos ao hospital, para quimio, exames, consultas. Mas vou dormir em casa, já é um grande ganho... Neste domingo de final vitoriosa para o Brasil (Campeões da Copa das Confederações, uhuu), deixei o Erik com o papai Edson vendo o jogo e fui levar a Elena numa festa junina dos amigos da escola antiga, a Baby Cemi. Foi bem legal ter ido lá, ver as amigas, embora, é claro, meu assunto seja um só: o Erik, sua doença, sua recuperação, como estou fazendo para lidar com a Elena, as agruras do hospital. É inevitável, mas acho que eu queria poder ter outro assunto. Sei lá. A verdade é que eu não tenho. Todo o resto me parece irreal, supérfluo, fictício.
Ontem, sábado, ao final da quimioterapia fui falar com a nutricionista, querida Danúbia. As instruções para preparar a comida do Erik me deixaram nada menos do que neurótica-obsessiva-compulsiva. Cheguei em casa e, depois de colocar as crianças para dormir, fui faxinar a cozinha. Fiquei lá das 231h às 2h, lavando, limpando, passando álcool, até que quase tudo estivesse limpo. Bom, não lavei as paredes nem os armários. Nem descongelei a geladeira para passar vinagre, como a Nutricionista orientou fazer uma vez por semana. Claro que, no domingo pela manhã, o Edson me perguntou: "- Deixaste a porta da área de serviço aberta? Pois o cachorro entrou e virou o lixo por todo o chão da área de serviço, e acho que ele entrou na cozinha também!". Quis morrer! Mais duas horas na cozinha para relimpar tudo... Ninguém merece...
Os cuidados com o paciente com câncer são enormes, por causa da baixa imunidade causada pela batelada de quimioterapia que ele toma. Por exemplo, ao abrir um litro de leite, faço a mamadeira dele e não posso utilizar mais aquele leite aberto. Nenhuma comida pode ser reaquecida de um dia para o outro, tenho que fazer comida nova todos os dias (idealmente, a cada refeição). Posso congelar o feijão em porções individuais, mas não posso utilizar o arroz de ontem... Frutas, só de casca grossa, depois de lavadas, escovadas e postas de molho em 1 litro de água com 1 colher de água sanitária. Legumes e verduras, depois de lavados e postos de molho nesta mesma solução, só podem ser oferecidos se bem cozidos. Carne, só feita na hora, e bem passada. Carne de porco não pode, nem pertences no feijão. Aliás, não pode caldo de carne nem nenhum tempero pronto (excesso de sal e sódio). Trabalheira. Resultado, gente, vim para casa, mas passei o final de semana na cozinha...! Ok, volta e meia me digo que esse é o destino de qualquer dona de casa. Mas vamos combinar, não era assim a minha vida... A empregada deixava pronta a comida do final de semana; eu pedia pizza no domingo à noite e almoçava fora no sábado... Bom, acho que estava tendo uma vidinha fácil, e agora a coisa pegou prá valer.
A verdade é que vim para cada seca para descansar e não preguei o olho. Não dormi bem, pois não fui para a minha cama: dormi na cama auxiliar do quarto do Erik. Ele precisa do ar condicionado, e no quarto dele tem, no meu preferimos ventilador por causa da sinusite do Edson. De 6a. para sábado, dormi com o Erik, e de sábado para domingo, foi a vez do Edson, mas foi quando aproveitei para faxina na cozinha - fui dormir tarde e acordei em tempo dos remédios do Erik no dia seguinte. Resultado, o Edson ficou mal da garganta e da sinusite, e passou o domingo se sentindo mal...! Hoje vou para o meu plantão novamente, o que significa 2 trocas de fraldas por noite e descer à cozinha às 4h para fazer mais uma mamadeira. Nesta hora também checo a temperatura dele - coisa que deve ser feita de 4 em 4h, pois se ele tiver febre > 37,8oC preciso voltar correndo para o hospital e ele interna novamente.
Confesso que, neste momento, estou irritada, cansada, neurótica, tensa... e que esse momento, às 00:22h, é o primeiro momento que tiro realmente para mim, para me organizar e para desabafar um pouco... Vir para casa é MARAVILHOSO, não me entendam mal, mas é, talvez, ainda mais cansativo. Aqui não é só do Erik que tenho que cuidar. É da casa, da alimentação, da família inteira. Ok, tenho me lembrado sim, a cada momento, da benção que é ele estar se curando e estarmos de volta ao lar doce lar. Mas preciso de uma noite de sono, de um dia só para mim, de silêncio. E de uma máquina de lavar louça...!
Falo isso e tenho vergonha, pois penso na situação de tantas outras mães internadas no INCA, com muito menos condições de conforto, com 4 filhos, dependendo de ônibus. Perdão, perdão, perdão, sei que minha vida é fácil... Mas como o mundo é injusto, meu Deus. Todas elas mereciam um pouco mais de conforto e ajuda para dar conta desse perrengue!
Mas o que mais me impressiona é a complexidade da administração de medicamentos em casa. Montei uma tabela. Tem remédios que estão reduzindo a dose diariamente. Tem outros que são para ser dados só 3x por semana, e outro que é dado de 2a à 5a 1 comprimido, e na 6a. meio comprimido. Tem um que precisa diluir na seringa, pois como o Erik é um bebê, não toma comprimidos. E como esse remédio é parte da quimioterapia, não pode ser manipulado sem luvas. Agora imaginem se todas as mães, algumas quase sem instrução, conseguem realmente fazer isso direitinho?!
Li um paper comparando o Brasil e os Estados Unidos nos índices de sobrevida após 5 anos da leucemia. Os índices americanos são quase 10% melhores que os brasileiros, embora o protocolo de tratamento seja o mesmo. Algo me diz - é apenas uma hipótese - que esse resultado é contaminado pela ineficácia na administração do tratamento domiciliar, e também pela incapacidade de manter esse padrão de higiene e cuidado no preparo de alimentos... não por uma semana ou duas, mas por ANOS. As condições sanitárias da maior parte da população são muito abaixo do aceitável, e pior do que tudo, a educação é precária demais para dar conta de coisas como essa...!
Tive essa conversa com a enfermeira que administrou a quimioterapia ambulatorial do Erik, no sábado. O INCA atende gente de todo o tipo, e existem situações que tenho presenciado inacreditáveis. São crianças que, para se curarem, precisariam ser mantidas internadas. Voltar para casa, para elas, é arriscado demais. Eu aqui preocupada com mandar limpar as caixas d'água, dedetizar a casa, comprar álcool gel e paninhos umedecidos... E tem gente que não tem sequer acesso à rede de esgoto!
Como reverter esse quadro? Como garantir que tenhamos os mesmos índices de cura que os países de primeiro mundo? Acho que o Brasil ainda precisa ir muito para as ruas, lembrando que saúde e educação são primas-irmãs que dependem uma da outra.
Oi Valeria
ResponderExcluirnão sei nem o que te falar
No hospital vc esta mais tranquila ,não se cansava tanto
mas nada como a casa da gente enfim
muita força pra vc
fique com Deus
estamos aqui com pensamentos positivos
beijjos
Querida Valéria, parabéns por sua força! Para você, envio um poema com todo o carinho:
ResponderExcluirA Glória de Ser Mãe
A glória de ser mãe
Não é ensinar, mas ser ensinada.
E você aprende que pode ser mais forte
E mais sensível do que jamais pensou.
A glória de ser mãe
Não é ser amada, mas amar
E você descobre que é capaz de fazer
muito mais sacrifícios do que imaginou.
A glória de ser mãe
Não é a satisfação de ter realizado um sonho
Mas desejar que seu filho vá mais alto
E veja mais longe do que você jamais sonhou.
(Adaptado de:
The Glory of Being a Father
Daniela Ioppi
The glory of being a father
Is not to teach, but to be taught.
And you learn you can be stronger
And more delicate than you’ve ever thought.
The Glory of being a Father
Is not being loved, but to love.
And you are able to make much more
sacrifices than you’ve ever thought.
The glory of being a father
Is not the satisfaction of living a dream.
But wishing your child to go higher
And see farther than you’ve ever seen.)
Oi querida, meu nome é Mérope, sou amiga de adolescência do Edson e da Betine, tenho acompanhado tua passagem nesta árdua doença de teu princepezinho. Força guria, manda um abraço com carinho para o Edson.
ResponderExcluirQuerida!Como sempre digo, seja você, fale e sinta o que quiser! Ah! As mulheres e, especialmente, as mães nasceram com o DNA da Culpa! Que merda! Quando li este relato, nossa! fiquei apavorada!!Lembro que quando o Rodrigo veio prá casa, depois do parto prematuro e 11 dias de UTI, com Incubadora e tudo, fiquei muito feliz, mas com Muito Medo! Eu chorava e ligava para a querida pediatra. Medo de não conseguir, medo de fazer alguma coisa errada, medo de que algo se agravasse e eu iria, claro, sentir que a culpa seria minha...Lendo o teu relato, quero te dizer, que cada um de nós vive esse momento, que é único, que é intenso. Não sente culpa do teu desabafo, dos teus sentimentos. Afinal, eu como muitas pessoas que trabalham com pessoas nas mais diversas e terríveis situações de vida, temos consciência e vivência de como vivem milhares de famílias neste Brasil... Mas, não podemos deixar de pensar em nós também, somos seres humanos, a vida é dura e não temos Culpa do que este Capitalismo fdp constrói há centenas de anos. Não temos culpa, temos responsabilidade sim, de fazer o que pudermos, o que conseguirmos... O teu blog é uma forma, de denunciar, de lembrar a todos de que essa dura realidade existe. Podes achar que é pouco, mas provocar reflexões nas pessoas que não vivem isso, é muito! Fica tranquila, o máximo que puderes, vai dar tudo certo, e o amor, o carinho, o afeto, o estar em casa, é tão importante, ou até mais, para a recuperação do filhote. Não podemos nunca esquecer, que o afeto e a emoção sempre serão um grande remédio, em qualquer situação de vida, em que vivem nossas crianças e nossas mães. Beijo Grande! Amo vocês!
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